Fonte: Google |
Fonte: Google |
VIDA E MORTE
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
O liquidificador, por mais de um
minuto, valeu-se de seu potente motor para esfarelar, triturar, trucidar,
enfim, transformar em líquido de densidade semelhante à do leite e mel, que
serviram de diluente, pedaços de maçã, pera, mamão, cenoura, beterraba, de
abacate, além de algumas colheres de flocos de aveia e de farinha de linhaça,
colocados, todos juntos, no enorme copo do aparelho. Algo decorrente de essa
ação, deveras interessante, deixou-me surpreso e estupefato: a banana, dividida
em duas metades e misturada às outras frutas, verduras e cereais, escapou
ilesa, praticamente sem arranhões, de todo o processo destrutivo. Convém
informar que o equipamento era novo e suas lâminas, claro, perfeitamente
afiadas; como pôde ser percebido e comprovado pela destruição imposta aos
demais itens da poderosa vitamina.
Não pude deixar de relacionar o que
acabara de presenciar com os eventos vida e morte. Aquele não fora, ainda, o
momento de a banana voltar ao pó (ou virar suco), ter sua consumação enquanto
fruta em estado sólido. Se é que se pode afirmar isto: não havia chegado o
instante, o átimo de tempo em que se extinguiria, teria fim, e passaria a ser
parte indivisível do todo que comporia juntamente com os outros produtos
liquidificados. Sem presença visível, somente poderia ser percebida com o
auxílio de técnicas de separação de substâncias ou por olfatos e paladares muito
bem apurados.
Vezes sem conta já ouvi indivíduos
letrados, iletrados, tolos, iniciados, jovens, maduros ou velhos dizerem que vida
e morte são dois mistérios. Nunca concordei, integralmente, com essa assertiva,
haja vista discordar ou divergir de suas opiniões no que tange à morte.
Que de misterioso há na morte, se
esta, sem anúncio nem aviso prévio, inapelavelmente, sobrevém-nos a todos, a
qualquer momento, tenhamos tido ou não tempo de fazer o que nos impuséramos
como meta ou objetivos de vida?
A propósito, o que é mistério? Não
poderia ser, também e, adredemente, a despeito ou em complemento aos conceitos
que lhe dão dicionários e gramáticas, aquela situação ou condição, inusitada,
que recai ou se insurge sobre nós sem que, a respeito ou em relação à mesma,
por mais imaginativos ou inteligentes que sejamos, possamos exercer qualquer
influência no sentido de tentar alterar ou modificar o formato ou o modo como
ele se apresenta, mostra ou surge? O que há de inusitado ou de inédito na
morte, se ela é a única certeza que todos nós, mais cedo ou mais tarde,
haveremos de comprovar?
Para o filósofo espanhol Sêneca, a
morte goza de tamanha independência que sequer da vida precisa para que ocorra.
Essa tese ou premissa ele a expôs quando, certa feita, vaticinou: tenho
experimentado a morte desde antes de nascer, porque a morte é a não existência.
O que quer que ela seja, depois de mim, será o mesmo que foi antes de mim.
Quanto a mim, sou seguidor daqueles
que entendem a vida como um dom, um privilégio, uma individualidade, e a morte,
uma singularidade, um acerto de contas levado a cabo, muitas vezes, antes mesmo
da efetiva movimentação de essas contas. A vida admite conceitos, sinônimos,
definições; a morte é unívoca; a vida pode ser cíclica, morte é fim de ciclo. A
vida é um caminho, de curto ou de longo percurso, a que somos convidados
percorrer; a morte é o ponto desse caminho que, uma vez atingido, impede-nos de
retornar ao início ou de seguir adiante. A vida é um mistério, a morte uma
evidência.
Assim como não é errado afirmar que
morte significa, de fato, o fim natural da vida, certeza também é que não temos
poder para dilatar nosso tempo de vida – o que parece lógico, já que não
sabemos qual seria nosso prazo de duração - nem para postergar a hora, o
minuto, o segundo em que haveremos de morrer, uma vez que, feliz ou,
infelizmente, a ninguém é dado saber quando a indigitada das gentes nos
visitará pela primeira e última vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário