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HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Capítulo XXXI
O crime do padre Amaro
Elmar Carvalho
“O
padre Amaro Nascimento da Silva chegou a Évora no final dos anos 1950. Chegou
precedido da fama de sacerdote muito dedicado à Igreja, mas também de sedutor,
galã e garanhão. Era educado, e tido pelas mulheres como um belo tipo de homem,
alourado, esbelto e de olhos azuis. Tinha quase 1 metro e 80 centímetros de
altura. Demorou pouco nas paróquias por onde passara, porquanto, logo que se
espalhavam os boatos sobre suas investidas amorosas, pedia remoção para outra.
Na verdade, não eram só investidas suas, porquanto algumas mulheres
casadas e moças solteiras tomavam, muitas vezes, a iniciativa de tentar
seduzi-lo. Tentar, tentar não é bem o termo exato, porque Amaro se deixava cair
nessas ‘tentações’ com notável facilidade. Na penúltima paróquia de que foi
titular, desencaminhou muitas senhoras e moças, que se deslumbravam com sua beleza
e conversa aliciante, melíflua, quase mefistofélica. Contribuíam para isso a
sua ascendência de religioso e confessor, e sem dúvida o “poder” de perdoar
pecados, que lhe era atribuído. Assim, o pecado do adultério ou o de fazer sexo
com um padre era incontinenti perdoado pelo parceiro.
Consta que ao menos cinco mulheres embucharam nessa paróquia. Com relação
às casadas, os meninos foram creditados como sendo dos maridos. Uma das
grávidas solteiras, quando teve o rebento, ajuizou um pedido de investigação de
paternidade cumulado com pensão alimentícia. Todavia, a carta precatória de
citação sempre retornava com o certificado de que ele fora transferido para
outra paróquia. Por isso mesmo, o escrivão Artaxerxes, que, apesar de tudo, lhe
tinha certa amizade, em virtude das centenas de cervejas e vinho que com ele
tomara, em diferentes ocasiões, dizia que ‘padre Amaro só não comeu os sinos da
igreja, e assim mesmo por causa do badalo, que atrapalhava’.
Logo ao chegar a Évora, Amaro ostentou toda a sua dedicação à Igreja.
Nunca faltava às missas. Seus sermões eram brilhantes, eloquentes,
fundamentados em citações extraídas da bíblia ou de textos dos doutores da
Igreja, e neles pregava o bem, o bom e o belo, que ele dizia consistir numa
vida virtuosa, conquanto, como já deve ter ficado implícito, nem sempre
seguisse o que ele mesmo exortava. Revitalizou a Liga das Senhoras Católicas e
os Encontros de Casais e de Jovens, bem como as obras sociais e de caridade.
Em estrito senso, não se lhe podia atribuir a pecha de não ser um
sacerdote virtuoso e gestor dinâmico de sua paróquia. Tornou-se evidente,
contudo, que não observava o voto de castidade. Por causa da Liga das Senhoras
Católicas e das obras de caridade, Amaro vivia sempre rodeado de mulheres,
fosse na Casa Paroquial, na sacristia, na secretaria ou no confessionário. O
certo é que, não demorou muitos meses, começaram a surgir comentários sobre as aventuras
amorosas do vigário.
Entre esses falatórios, surgiu o rumor de que Amaro estava tendo um caso
com dona Selma, casada com o prefeito e médico Bartolomeu Dantas Fontenele, de
tradicional estirpe eborense. Não se sabe como, mas o fato é que esses
murmúrios chegaram ao conhecimento do marido, que não fez alarde, demonstrando
o mais perfeito sangue frio. Era apaixonado pela mulher, por quem se enamorou
desde a adolescência. Era ela considerada uma das mais lindas mulheres de
Évora.
Selma tinha um retardo mental moderado. Portanto, seu comportamento e
percepção eram correspondentes ao de uma pessoa bem mais jovem. Por isso o
marido lhe dispensava os cuidados de marido e pai. Segundo se comentou na
cidade, Bartolomeu foi à capital, onde contratou os serviços do mais
respeitável e competente detive particular, a quem pediu o máximo sigilo, e lhe
recomendou tratasse do assunto apenas com ele.
Um mês e duas semanas depois, o detetive lhe entregou um relatório
circunstanciado, com datas, horários e locais dos encontros, acompanhado de
várias fotografias, em que Amaro e Selma eram vistos aos beijos e abraços, além
de uma fita de áudio, em que ambos trocavam juras de amor. Como ele conseguiu
tirar essas fotos e gravar os diálogos amorosos é um mistério, pois esses
encontros de amores proibidos são sempre realizados em lugares fechados e
recônditos. Contudo, ele tinha vários cursos profissionais, muitos anos de
experiência e os mais modernos e eficientes aparelhos eletrônicos para o bom
desempenho de sua profissão.
Meses depois, tarde da noite, quando Amaro voltava da casa de uma de suas
amantes, cujo marido viajara a serviço de sua repartição, foi rendido por dois
homens encapuzados, que lhe apontaram revólveres. O padre, na tentativa de se
justificar e de comover seus captores, disse que vinha de bairro distante, onde
fora ministrar a extrema-unção em um moribundo. Foi colocado num jipe sem placa,
e levado para fazenda longínqua, situada no meio de denso babaçual. Chegaram
por volta de uma e meia da madrugada. O padre estava apavorado e estrebuchava
muito, e implorou para não morrer. Recebeu a imediata garantia de que não seria
morto. Aplicaram-lhe um sedativo e em seguida a anestesia.
Às seis horas da manhã, já desperto, mas muito debilitado e zonzo, foi
libertado numa estrada vicinal, perto da BR, que na época ainda era de piçarra.
Ao ficar só, subiu a batina, que segurou entre os dentes, e desceu a calça.
Estarrecido, mas não tanto, constatou então o que já imaginava: fora castrado.
A cirurgia fora perfeita e indolor, e devidamente suturada. Dizem que foi
realizada pelo Dr. Bartolomeu, exímio cirurgião, com o auxílio de uma enfermeira
de sua absoluta confiança.
Na rodovia o padre Amaro tomou um ônibus com destino à capital, sede da
Diocese a que pertencia. Confessou-se ao seu bispo, contando o que lhe
acontecera. Disse que aceitava a sua emasculação como uma bênção e um merecido
castigo; que a sua exacerbada concupiscência o levara muitas vezes a não
respeitar o voto de castidade, e a violar a inocência de mulheres ingênuas e
até de incapazes e menores.
Pediu a dom Augusto para ser transferido para a mais longínqua e pobre
paróquia do bispado. Tornou-se o mais virtuoso sacerdote dos últimos anos. Uns
vinte anos depois, um tanto gordo, morreu em estado de santidade. Atribuíram-lhe
alguns milagres, e a sua beatificação foi requerida e se encontra em tramitação
no Vaticano.
Quanto a Bartolomeu, continuou casado com Selma, com quem teve uma prole
numerosa e proeminente de médicos, advogados, engenheiros e um padre.
Comentava-se, a boca pequena, que o padre era filho de padre.”
Grande capítulo, mestre Elmar!Não somente pela história picante, mas pela forma apurada com que o texto foi sendo construído. De resto, é uma história que muito se aproxima do verídico, especialmente no tocante ao laborioso padre no campo extra sacerdotal, vez que é comum aparecerem, vez ou outra, religiosos com essas características.
ResponderExcluirCaro José Pedro,
ResponderExcluirCom seus comentários e incentivo, ganho mais confiança e mais ânimo para persistir no desiderato de concluir o meu pequeno romance.