Alcenor, em charge de Fernando Castro |
1. SONETO DOS VINTE ANOS
aos vinte anos, deslumbrado, e sem jeito,
pensando em prova, - na Filosofia
o calouro mergulha de direito.
das maçantes lições de Axiologia,
de que não colhe o mínimo proveito,
vai, no pé sem freio, à Ontologia,
que o deixa mais ainda contrafeito.
nesse vaivém, - vem a Gnoseologia
com as mesmas sempre celebridades
John Locke, Max Scheler, Emanuel Kant
Heidegger, Descartes... na madrugada,
perto do sol, o tédio a alma lhe invade...
dos livros se livra, pondo-os na estante,
e mergulha em versos pra ausente amada.
2. SONETO DOS QUARENTA ANOS
mergulho nos quarenta anos de idade
como um lobo raivoso e descontente.
que auroras de porvir se agora outroras
do instante estão de fora tão presente!
mergulho nos quarenta anos de idade
absorto no pretérito distante
onde no fluido que reduz o alcance
já não reluzem mitos como antes.
mergulho nos quarenta anos de idade
certo de que quarenta anos morri
e nessa morte, que é da vida o gosto,
mergulho, aos quarenta anos de idade,
tostado pelo sol, me protegendo,
de sol em sol, da sombra do sol-posto
3. SONETO DOS SESSENTA ANOS
de planeta terra nos sessenta anos
mergulho com orgulho de quem ama
e releva a contradição de tudo
que menos diz talvez que a voz de mudo.
todo o passado, - passos de saudades;
e do raivoso lobo dos quarenta
(lembrado em "Soneto dos Quarenta Anos")
sobrou o que contente sobrevive.
a cada nova idade, - a arte dos cortes
(isso aprende-se da teoria fora):
co'a arma dourada do perdão erguida,
cortar a dor dos assassinos tiros;
cortar do galho a fresca rosa branca
qual quem corta bolo de aniversário.
4. SONETO DOS SETENTA ANOS
a partir de agora
aos setenta de idade
primeiro dia de
aposentado pleno
sem agenda e hora
que ainda valham a pena
hei de mostrar hora a hora
ser plenamente pleno
na imperfeição d'outrora:
em volta ouvido e voz
noite tarde manhã
de gente ímã e irmã
além d'horas ao léu
co'a pena no papel.
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