Desembargador José Manuel de Freitas
Reginaldo Miranda
Um dos velhos lidadores do Partido Liberal ao tempo do
Império foi José Manuel de Freitas, nascido em Jerumenha, no centro-sul do
Piauí, em 14 de março de 1832. Foram seus pais Ana Maria de Sousa e Gonçalo
Manuel de Freitas, capitão da Guarda Nacional, comerciante, fazendeiro,
político liberal, vereador de Jerumenha e combatente nas lutas de repressão à
Balaiada no sul do Piauí e Maranhão. Pelo lado paterno era neto de D. Luísa
Maria de Sousa e do cearense radicado em Jerumenha, onde foi distinto fazendeiro
e escrivão de órfãos, José de Freitas Fragoso, cujo apelido foi adotado em
homenagem a um padrinho. Este último era filho do pernambucano radicado nos
sertões de Icó, na vizinha província do Ceará, Manuel de Albuquerque Melo e da
cearense Eufrázia da Cruz Neves. Vê-se, pois, que não são Freitas de origem,
embora tenham projetado esse nome no cenário nacional.
O pequeno José Manuel viveu os felizes e despreocupados anos
da infância em sua terra natal, alternando o tempo entre os estudos da
alfabetização e as brincadeiras entre o Morro do Pinga e os banhos no rio
Gurgueia. Aos sete anos de idade, deve ter vivido as apreensões da Balaiada e
ouvido atento muitas conversas a respeito, vez que o termo de Jerumenha e os
vizinhos sertões de Pastos Bons foram cenários de vários conflitos de que
participara seu genitor, bem como outros parentes e conhecidos da pequena vila.
Passado esse conflito foi mandado para Oeiras, onde sob os cuidados de alguns
parentes pôde prosseguir nos estudos na escola pública ali existente.
Certamente, ministrado por padres ali residentes, imiscuiu-se nas primeiras
noções de latim e francês, mostrando grande interesse pelo assunto.
Nessa altura, já era firme o seu propósito de ingressar na
carreira jurídica. Então, dirigiu-se para Cajazeiras, na Paraíba, onde iniciou
os preparatórios no colégio do afamado mestre e padre Inácio de Sousa Rolim, concluindo-os
em março de 1854, na Bahia. Sem perda de tempo viaja para Pernambuco,
matriculando-se na Faculdade de Direito de Olinda, aonde vem a receber a láurea
de bacharel em ciências jurídicas e sociais, em 29 de novembro de 1858, ao lado
de outros piauienses igualmente valorosos.
No tempo da Academia mostrou-se aluno diligente e zeloso no
cumprimento dos deveres, demonstrando sempre entusiasmo pelos estudos
jurídicos. Porém, morando na mesma república do poeta José Coriolano, não
descuidou dos estudos literários, compondo algumas poesias eivadas de lirismo
espontâneo e suave, às quais, infelizmente não deu sequência na fase de
maturidade.
No mesmo ano da formatura retorna à sua província natal,
filiando-se nas trincheiras do Partido Liberal, de que se fizera um dos
principais baluartes no Piauí, ao lado de Deolindo Moura e do coronel José de
Araújo Costa, este preponderando sobre os demais. Em nível nacional atendiam
todos à liderança do Marquês de Paranaguá. E porque este último estava
governando o Maranhão, o nomeou promotor público da comarca de Caxias, onde se
demorou poucos meses, o suficiente para também atuar na Imprensa Caxiense,
jornal veiculado pelo conselheiro Sinval Odorico de Moura, em contraposição ao
Farol, da liderança conservadora.
Em 7 de maio de 1859, está de volta a Teresina, sendo nomeado
secretário (interino) do governo provincial e passando a colaborar no jornal O
Propagador, de feição liberal.
Entretanto, durou pouco essa atividade porque em 6 de julho
foi nomeado juiz municipal de Parnaguá, no extremo-sul do Piauí, onde somente
tomou posse em princípio do ano de 1860. Durante a longa viagem passou por
Jerumenha, sua terra natal, aí se demorando por algum tempo em lua-se-mel,
tendo contraído bodas em 15 de outubro, com Teresa Carolina da Silva Freitas,
filha do major Mathias Luiz da Silva, militante do Partido Liberal, e de sua
esposa, Josefa Pereira da Silva, parenta de quem escreve essas linhas. Demora,
porém, pouco tempo nessa comarca, sendo removido para Teresina em 11 de janeiro
de 1861, entrando em exercício a 16 de agosto.
Aliás, deixa as funções naquela comarca ainda em junho de
1860, para, sob licença, vir assumir o mandato de deputado provincial, para o
qual fora eleito naquele ano. Ao fim desse mandato, foi nomeado para o cargo de
delegado de polícia da Capital, em 1861, pelo presidente Antonio de Brito Sousa
Gaioso, o que gerou sérias contestações nos arraiais conservadores e grave
polêmica e difamações na imprensa por meio dos pasquins A Chibata e O
Cornimboque. Superada essa lamentável polêmica, Freitas criou o jornal A Ordem,
de curta duração. Com a ascensão do gabinete ministerial de 24 de maio de 1862
e a posterior continuidade de sua política pelo gabinete Marquês de Olinda, que
determinara a organização da liga progressista, foi substituído pelo jornal
Liga e Progresso, do qual foram colaboradores Deolindo Moura, José Avelino, Dr.
Almendra, Lima e Castro e outros paladinos liberais.
Com esses ventos liberais, foi ele nomeado por decreto de 4
de maio de 1864, para o cargo de Juiz de Direito de Piracuruca, tendo em vista
a conclusão do primeiro quatriênio de juiz municipal. Em seguida, por decreto
de 4 de junho do mesmo ano, foi nomeado chefe de polícia da província, tendo
assumido o cargo em 23 de julho.
Com o fim da Liga, que tomou feição pronunciadamente liberal,
foi também extinto aquele jornal, fundando os liberais A Imprensa, cujo
primeiro número saiu em 27 de julho de 1865 e transformar-se-ia até o fim do
Império em importante trincheira do Partido, tendo à frente José Manuel de
Freitas, Deolindo Mendes da Silva Moura e, por algum tempo, David Caldas.
Desde então, Freitas assume posição de relevo nos hostes
liberais, revelando as suas qualidades de conciliador ao aparar arestas e
desfazer dissenções partidárias. Como reconhecimento vai nomeado
vice-presidente da província, e nessa qualidade assume o governo em três
oportunidades: de 3 de agosto a 5 de outubro de 1866; de 5 a 9 de novembro de
1867; e, de 3 de março a 23 de agosto de 1868. Nessas oportunidades, “o partido
inteiro congregou-se em torno de sua cadeira para dar-lhe a maior soma de
prestígio, de que ele usou para engrandecê-lo, dar-lhe aquela disciplina e
força que, até a sua extinção, foram a causa de suas vitórias e de resistência
através de tantas violências, que o martirizaram” (FREITAS, Clodoaldo. Vultos
piauienses. 3.ª Ed. Teresina: APL/EDUFPI, 2012).
A situação política do Piauí corria em céu de brigadeiro para
os liberais, até 3 de maio de 1867, quando o jurista Antônio Coelho Rodrigues
lança o jornal O Piauí, defendendo o ideário do Partido Conservador. Então,
inicia um grande combate nas hostis da imprensa entre as duas agremiações
partidárias, que perdura até o fim do Império, ora no governo, ora na oposição.
Com a queda dos liberais, Freitas passa à oposição, atuando
no jornalismo e na advocacia por dois anos, vez que encontrava-se em
disponibilidade na magistratura.
Em 13 de fevereiro de 1873, abandona essa trincheira de luta
e vai assumir o cargo de Juiz de Direito da Comarca de Rosário, no Maranhão,
que obteve por permuta com o seu titular, aí permanecendo por dois anos. Por
decreto de 10 de abril de 1875, foi removido para a comarca de Caxias, onde
permaneceu pouco tempo, sendo removido em 23 de outubro do mesmo ano, para a
Vara da Provedoria de São Luís, para onde transportou-se em dezembro,
depois de vir despedir-se dos amigos em
Teresina.
Com assunção de um gabinete liberal em 5 de janeiro de 1878,
José Manuel de Freitas retornou ao Piauí para candidatar-se a uma vaga à
Assembleia Geral, sendo eleito juntamente com Franklin Américo de Meneses Dória
e Jose Basson de Miranda Osório. Com a dissolução da Assembleia e a reforma do
sistema político pela lei de 9 de janeiro de 1881, Freitas abandona a política
temendo a incompatibilidade gerada com o exercício da magistratura.
Então, assume a Vara Cível de Recife, para a qual fora
removido por decreto de 25 de agosto de 1880, tomando posse em 13 de janeiro do
ano seguinte. Grande foi o seu labor para atualizar o serviço então bastante
atrasado, tendo de estudar inúmeros autos e prolatar diversas decisões em pouco
tempo.
Encontrava-se entregue a esse laborioso ofício, quando foi
convocado para assumir a presidência do Maranhão, sendo nomeado pelo Imperador
por intercessão do conselheiro Franco de Sá. Permaneceu nessa administração no
período de 7 de março de 1882 a 6 de junho de 1883. Embora de curta duração
pôde mostrar as suas qualidades de administrador pondo em execução obras de
alto valor e de reconhecida utilidade, a exemplo da estrada que iniciou para
ligar a capital ao continente.
Com o fim do governo, retornou a Recife onde recebeu do
governo imperial as honras de desembargador honorário. Em 12 de maio de 1883,
em virtude de transferência assumiu a titularidade da Vara dos Feitos da
Fazenda.
No entanto, por carta imperial de 20 de junho do mesmo ano
foi nomeado presidente da província de Pernambuco, governando de 17 de julho de
1883 a 20 de setembro de 1884. Foi um período difícil, tendo de contornar as
cisões do Partido Liberal na província e promover as ações de governo, entre as
quais: repressão aos crimes que conflagravam o interior da província;
organização orçamentária, equilibrando receita e despesa; fundação de um
hospital para variolosos; início das obras de reedificação do quartel de
infantaria, entre outras.
De volta à magistratura prolatou célebre sentença no Tribunal
do Juri, declarando que a pena de açoite estava implicitamente revogada pelo
espírito da lei de 28 de setembro de 1871, demonstrando, assim, as suas
convicções abolicionistas.
Em 19 de agosto de 1887, foi nomeado desembargador da Relação
de Goiás, recebendo-a como ato de perseguição conservadora, vez que não
desejava efetivar a mudança. Bastante consternado, retira-se a conselho médico
para Caxangá, nos arredores do Recife, onde sofre congestão a 28 de outubro.
Por fim, nessa localidade vem a falecer em 10 de novembro de 1887, com 55 anos
de idade, deixando um nome honrado e larga folha de serviços prestados à nação.
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