MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO
QUE LHE FALTOU
Cunha e Silva Filho
[...] O tempo é a época mais
o horizonte diacrônico, o que significa dizer – é a época mais as épocas. O isolacionismo espiritual do corte
sincrônico, imobiliza, por amnésia e pela incapacidade de pre-ver. De enxergar
que cada época carrega consigo outras épocas passadas e futuras.
Eduardo Portella, Confluências
– manifestações da consciência comunicativa, p. 26.
I. INTRODUÇÃO
Desenvolvemos neste estudo alguns
tópicos subordinados aos conceitos de Modernismo e Modernidade no Brasil. Na
primeira parte, procuramos discutir, ainda que de forma sintética, o movimento
modernista brasileiro de 1922, realçando-lhe
a importância como marco fundador de uma nova era para o Brasil literário, cultural e
artístico.
Na segunda parte, discutimos
os polos nacional e estrangeiro na questão da nossa identidade literária. Na terceira parte, levantamos um
dado de pesquisa que nos parece ainda não pesquisado em profundidade, que é o
distanciamento do povo brasileiro como agente participativo do processo de
transformação cultural e artístico desencadeado pelo Modernismo de 1922.
Na última parte, de forma mais
desenvolvida, estudamos as
implicações embutidas nos conceitos de
Modernismo e Modernidade em nosso país.
Esta seção do estudo visa a desenvolver algumas reflexões sobre os termos modernismo
e modernidade partindo da leitura
de quatro ensaios de Eduardo Portella ( 1932-2017)[1] e de um ensaio de Paulo Sérgio Rouanet.[2]
2. VALOR DA RUPTURA
O projeto de uma literatura modernista
para o Brasil não nasceu da noite para o dia. Seus vestígios remontam,
sobretudo, à eclosão do Romantismo com a ideia de se inaugurar também uma literatura que refletisse a
realidade social, política e cultural, a exemplo do que ocorreu com a
independência política.
A ideias de separação do legado brasileiro português teve então até o reforço
original de José de Alencar (1829-1877) com a sua tentativa de criar uma língua brasileira que traduzisse o
nosso modo de produção estética, sem as interferências ultramarinas
engessadas nos lusitanismos lexicais, semânticos e simpáticos, gesto que seria
repetido, no século seguinte, em pleno alvorecer do Modernismo, por Mário de Andrade (1893-1945)), só que
dessa vez de forma radicalizada e que
teve tantas repercussões para a delicada questão da linguagem literária no
movimento modernista. E em todas as
suas fases ou desdobramentos.
O grande saldo positivo do movimento modernista brasileiro
foi o de atualizar os aspectos formais e temáticos da nova literatura om a
realidade de um país que não podia permanecer imobilizado em práticas culturais
e artística passadista. Ou seja, como
produzir literatura cm a camisa de força
de uma retórica artificialmente
objetiva ou subjetiva (estilo parnasiano, simbolista, fora os
epigonismos românticos ou até
de períodos anteriores) num país que já passava por transformações econômicas, políticas e sociais que não mais admitiam a
absolutização de verdades prontas e acabadas?
Como manter-se uma ficção com bases ainda
naturalistas quando o século XX já nos apontava para o freudismo, o bergsonimo, o marxismo e com o
surgimento de profundas alterações no universo das artes e das
diversas manifestação de vanguarda com tantas consequências salutares à
renovação da cultura
contemporânea? Era possível a essa altura do século XX continuar-se indefinidamente num mimetismo cultural só tendo vista para o
passado e neste, infelizmente só vendo os aspectos imobilizados e não as
suas conquistas inovadoras? Porque, no fundo, todo movimento literário e artístico avança um passo ao futuro, já que os
movimentos não são estanques, mas se
influenciam mutuamente no seu dinamismo renovador a fim de desbravar
novas formas estéticas.
Mas, o sentido da ruptura entre passado e presente, cujo marco simbólico foi
a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, foi principalmente uma vontade de não mais parecer com o que
se fazia literariamente em Portugal e em nosso país até então, tendo à
frente a questão da linguagem, dos temas e das convenções dos gêneros
literários.
Os exemplos mais significativos dessas
transformações e práticas literárias
podem-se ver nas obras de Mário de Andrade e Oswald de Andrade
(1890-1954). Isso quanto aos aspectos
formais e revolucionários na produção poética e ficcional. Na temática o
exemplo mais surpreendente em termos de tratamento seria a larga produção
ficcional do romance de 30, inclusive pelo seu aspecto de recepção por parte dos leitores.
Veremos, no capítulo seguinte,
como podemos resolver as
contradições trazidas pelos princípios da
estética modernista brasileira tendo em vista os dois polos de interferência cultural: o nacional e
o estrangeiro. (Continua).
[1] Trata-se dos ensaios
seguintes: As modernidades. Revista Tempo Brasileiro, 84: 5/9. Rio de
Janeiro. Tempo Brasileiro. Rio de
Janeiro, 1986; Premissas e promessas da
modernidade. Revista Tempo Brasileiro, 130/131:5/10. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997; Qual modernidade? Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992; Sentido(s)
da modernidade, Revista Tempo Brasileiro, 76: Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
[2] Perspectivas da cultura
brasileira no início do século XXI.
Revista Tempo Brasileiro, 130/131:83/103. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997.
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