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D. Fr. Francisco de Lima, Bispo
de Pernambuco
Reginaldo Miranda
Sobre Dom Frei Francisco de Lima,
já tivemos oportunidade de escrever e publicar em obra anterior, Piauí em foco,
já em segunda edição. Todavia, não poderíamos deixar de incluí-lo neste volume
em que nos reportamos às figuras notáveis que ajudaram na construção de nosso
Estado, o Piauí, terra onde nascemos e à qual dedicamos a melhor parte de nossa
atividade intelectual. Com esse propósito e para apenas não repetir o que
publicamos na vez anterior, usando de outros recursos somente agora
disponíveis, fazemos nova pesquisa sobre esse notável religioso que tão bem
serviu à antiga Diocese de Pernambuco, à qual que estávamos vinculados por
aqueles dias de pioneirismo.
Nasceu esse benemérito no ano de
1629, na cidade de Lisboa, filho de João de Lima e de sua esposa Maria das
Neves.
Na cidade natal encetou seus
estudos, mais tarde ingressando na carreira religiosa e recebendo o hábito
carmelita em 19 de setembro de 1649, aos vinte anos de idade, no convento da
ordem.
Em seguida, exerceu o emprego de
lente de Teologia em Évora. Mais tarde, foi visitador e reformador do convento
dos carmelitas existente no concelho da Horta, ilha do Faial, arquipélago de
Açores, recentemente fundado(1649). Dali passou ao Brasil, onde foi vigário da
província eclesiástica.
De retorno ao reino, em 8 de maio
de 1683, foi eleito secretário da província dos carmelitas de Portugal. Em
1686, foi escolhido para prior do convento de Lisboa, posto que ocupava à data
de sua ascensão ao episcopado. Percebe-se, pois, que desde a ordenação até a
ascensão episcopal encetou uma carreira toda no âmbito de sua ordem religiosa.
Nomeado para Bispo do Maranhão,
em dezembro de 1691, não chegou a tomar posse do cargo, onde deveria assumir
como seu segundo titular. Entretanto, em 14 de maio de 1697, requere “o
pagamento da côngrua que havia vencido com o bispado do Maranhão”, sendo
autorizado por ato real de 26 de agosto do mesmo ano a receber por tal título um
conto de reis.
Logo mais foi nomeado Bispo da
Diocese de Pernambuco, assumindo como seu quarto titular, confirmado pela Bula
do Papa Inocêncio XII, dirigida a D. Pedro II, de Portugal, em 22 de agosto de
1695. Aliás, desde a edição da bula Dum fidei constantiam, de 7 de Junho de
1514, concedeu o papa Leão X a D. Manuel I, de Portugal, e a seus sucessores o
padroado de todas as igrejas fundadas e a fundar no ultramar. Assim, reconheceu
de jure, entre outros aspectos, que competia aos reis de Portugal eleger os
bispos naquelas regiões, que deveriam posteriormente serem confirmados pelo
Sumo Pontífice, o que sempre sucedeu, com exceção do ocorrido entre a
Restauração de 1640 e 1667, ensina José Pedro Paiva, da Universidade de Coimbra
(Os bispos do Brasil e a formação da sociedade colonial – 1551 - 1706. Texto de história, v. 14, n. 1/2,
2006).
Desta forma, em 19 de setembro de
1695, D. Fr. Francisco de Lima pede ao rei D. Pedro II, ajuda de custo para
encetar viagem para Pernambuco, como era costume e fora concedido a seu
antecessor. Chegou a Olinda tomando posse do cargo em 22 de fevereiro do ano
seguinte. Iniciou então um trabalho dos mais profícuos e elogiados no Bispado
de Pernambuco, dedicando seu maior empenho na catequese dos índios, fundando
várias missões e reorganizando outras (AHU. ACL. CU. 015. Cx. 17. D. 1690).
Em 18 de maio de 1697, escreve ao
rei sobre a falta de igrejas e párocos nos presídios dos Palmares e sertão de
Rodelas, sobre os delitos cometidos na região e a dissolução em que vivia o
mestre-de-campo do presídio das Alagoas, Domingos Jorge Velho. Para ele
“Este homem é um dos maiores
selvagens com que tenho topado; quando se avistou comigo trouxe consigo língua,
porque nem falar sabe, nem se diferencia do mais bárbaro tapuia, mais que em
dizer que é cristão, e não obstante o haver-se casado de pouco, lhe assistem
sete índias concubinas, e daqui se pode inferir, como procede no mais; tendo
sido a sua vida desde que teve uso da razão/ se é que a teve, porque se assim
foi, de sorte a perdeu, que entendo a não achará com facilidade/ até o presente
andar metido pelos matos à caça de índios e de índias, estas para o exercício
das suas torpezas, e aqueles para os granjeios dos seus interesses” (AHU. ACL.
CU. 015. Cx. 17. D. 1732).
Na mesma correspondência
reporta-se ao curato de Cabrobó, onde paroquiava o padre Miguel de Carvalho e
ao sertão do Rodelas, em que então se incluía o Piauí nascente. Por ser
interessante descrição de nosso sertão àquele tempo, feita com base no
relatório do reverendo cura, segue a seguinte passagem:
“No sítio a que chamam Cabrubu,
junto do rio de S. Francisco, está um curato, cuja igreja é de N. Sra. da
Conceição, o último que este Bispado tem da banda do Sul, cujo distrito
continuando-se pela margem acima do dito rio, que fica para a parte do norte, não
tem limite, compreendendo tudo o que do dito sítio está da mesma parte, e todo
o sertão a que chamam de Rodela, que pelas travessias de que é cursado contém
mais de 400 léguas cortado de vários rios, uns menos e outros mais caudalosos,
porém todos de boas águas, o clima é muito saudável, e não menos fértil a terra
para a criação e sustento dos gados, dos quais importa só os dízimos passante
de 4 mil cruzados, e por esta razão contém em si muitas povoações em grandes
distâncias umas das outras, e todas elas sujeitas ao cura da dita igreja da
Conceição, e para este os desobrigar não lhe basta todo o ano para correr uma
só vez a paróquia, porque além de pouco devotos que são os moradores, as
distâncias grandes em que vivem da igreja lhes dificulta e fazem quase
impossível o ir a ela, e assim passa todo o ano sem missas e sacramentos,
porque não há sacerdote, que lhes administre fora do cura nomeado; este se vale
às vezes dos padres franceses barbados para acudir àquelas povoações mais
próximas às aldeias em que eles assistem em o rio de S. Francisco, e as mais
fica no desamparo referido; este ano mandei ao cura corresse o dito sertão, e
gastando mais de seis meses, não pôde chegar a muitas povoações dele, e nas que
entrou achou muitas pessoas, que havia dez anos não ouvia missa, nem se tinham
confessado, nem visto sacerdote com quem o pudessem fazer; e assim vivem estes
homens sem lembrança da outra vida, com tal soltura passam, como se não
houvesse justiça, porque a de Deus não a temem, e a da terra não lhe chega. Do
rol dos mortos no decurso do ano passado
que o cura me remeteu, por lho mandar pedir, consta faleceram 16 pessoas, das
quais uma só morreu de enfermidade, que tão benigno como visto é o clima,
porém, que tem este de bom, tanto tem de mau os habitadores, porque os 15 foram
mortos a espingarda, com este estilo se trata, e com este risco se vive entre
eles; e ainda se haveria pior, se não confinara com o gentio brabo, cujo temor
os conserva de algum modo, para que na ocasião dos assaltos que lhe costuma
dar, se veja uns dos outros socorridos” (AHU. ACL. CU. 015. Cx. 17. D. 1732).
Essa parte que refere o Bispo,
que distava do rio São Francisco, onde havia morador que há dez anos não
assistia ao sacrifício da missa e nem recebia sacramento, era o Piauí, daí a
importância do relato para se compreender a situação de nossos pioneiros
ancestrais na época referida. Sobre o assunto e na mesma ocasião, também se
reportou o governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, em carta do
mesmo dia 16 de maio:
“Para os dilatadíssimos sertões
do Rodelas mandou o Bispo quatro clérigos, determinando terra para dois
curatos, e para o Assu e Jaguaribe foram sacerdotes; bom será que uns e outros
obrem de modo que acreditem a escolha que neles se fez” (AHU. ACL. CU. 015. Cx.
17. D. 1732).
Essas duas correspondências, do
Bispo e do governador de Pernambuco, são seguidas de parecer favorável do
Conselho Ultramarino, datado de 29 de outubro de 1697. Também, denota um
conceito que vai se repetir mais tarde na correspondência dos primeiros
ouvidores, da rudeza do habitante do sertão, de pouca fala, difícil compreensão
e pouco temor às leis e a religião. Segundo esses primeiros relatos, infere-se
que o nosso sertanejo vivia livre, isolado, sem muitas convenções sociais e empenhado
na luta diária de implantação de fazendas e do criatório bovino.
Logo mais, em carta ao secretário
Roque Monteiro Paim, comunica o Reverendo Bispo, sobre a fundação da freguesia
de Nossa Senhora da Vitória, no sertão do Piaguí. Como desdobramento, em
decreto de 6 de novembro de 1697, o rei D. Pedro II, de Portugal, fala do
compromisso dos moradores para a manutenção do novo curato e diz ao Conselho
Ultramarino:
“Há de louvar o zelo com que este
prelado procura o bem de suas ovelhas, que desgarradas por aqueles desertos,
apenas ouvem os silvos de seu pastor; porém, é de considerar se este novo que
lhe dá, pode aproveitar a todos, vivendo em tão largas distâncias (AHU. ACL.
CU. 015. Cx. 17. D. 1733).
Em 16 de novembro de 1699, o
Conselho Ultramarino consulta ao rei D. Pedro II, sobre as cartas do Bispo de
Pernambuco, D. Fr. Francisco de Lima ao secretário Roque Monteiro Paim, acerca
das visitas nas missões do sertão; demarcações das terras de Piaguí; das
queixas contra o capitão da aldeia de Santo Amaro dos Caboclos; dos delitos
cometidos na vila de Porto Calvo; da falta de ministros de letras e ouvidor
para as Alagoas e São Francisco; do aldeamento dos índios da nação Corema e
eleição de capitão-mor para governá-los; do excesso cometido por soldados,
ferindo um padre missionário que não permitiu o rapto das índias e, por fim,
pedindo um coadjutor para o ajudar em suas obrigações, dada a sua avançada
idade (AHU. ACL. CU. 015. Cx. 18. D. 1794).
Resumindo o estudo da vida e a
análise da ação episcopal de D. Fr. Francisco de Lima, no Bispado de
Pernambuco, pode-se dizer que em seu governo diocesano fundara curatos e
freguesias, envidara esforços na evangelização das missões indígenas e
preocupara-se com a falta de critérios na concessão de sesmarias, assim como
assumiu intransigentemente a defesa dos posseiros do Piauí em contraposição à
exploração que lhes faziam os sesmeiros, cujas sesmarias lhes foram concedidas
em demasia e extensões escandalosas.
Aliás, esse foi o ponto marcante
de sua missão evangelizadora, assim assegurando a criação e manutenção da
freguesia de Nossa Senhora da Vitória contra o ataque dos sesmeiros; inclusive,
condenando o desacato praticado contra o vigário Tomé de Carvalho, por Domingos
Afonso Serra, sobrinho de Julião Afonso Serra, em cujas terras estava sendo
edificada a nova matriz. Denuncia esses desmandos em carta a Roque Monteiro
Paim, secretário de Estado. Como consequência o Conselho Ultramarino recomenda
ao governador de Pernambuco que interviesse na questão para apaziguá-la, que
enviasse um ouvidor à localidade para apurar os fatos e procedesse contra os
culpados e, enfim, que fossem declaradas devolutas as sesmarias cujos sesmeiros
não as cultivassem por si, seus feitores, colonos ou constituintes e dadas a
quem as denunciasse.
Ainda como consequência dessa
luta foi editada a carta régia de 3 de março de 1700, que transferia o contrato
dos dízimos do Piauí, da alçada de Pernambuco para a do Maranhão.
Novamente, formulando nova
denúncia em 29 de junho de 1700, consegue do rei que ordenasse D. João de
Lencastre, governador-geral, a enviar o ouvidor-geral de Sergipe, Diogo Pacheco
de Carvalho, para apurar os tais delitos. Nesse contexto ainda surge a carta
régia de 3 de março de 1702, obrigando os sesmeiros a demarcarem suas terras no
prazo máximo de dois anos, sob pena de ficarem as mesmas devolutas.
Foi, portanto, figura de suma
importância em nossa história. E consta que veio ao Piauí, em visita pastoral,
no ano de 1699, embora esse fato seja bastante controverso. Segundo o frei
André Prat, esse Bispo “na idade de 70 anos, com as maiores privações e
incômodos percorreu toda a sua diocese até o sertão”. O historiador Pereira da
Costa, dar como certa essa visita do Bispo ao Piauí, que teria sido comunicada
por carta de 8 de outubro de 1699. No entanto, Odilon Nunes não tem muita
convicção nessa sua vinda ao Piauí, “apesar de ser anunciada sua visita
pastoral”. Infelizmente, não encontramos nada de concreto sobre o assunto,
porém não é duvidoso que tenha vindo pois existe farta referência à desobriga
em toda a diocese, sendo o Piauí muito grande para ficar de fora. Todavia,
independentemente dessa visita pastoral, com sua ação enérgica ao lado dos
posseiros e criação da freguesia de Nossa Senhora da Vitória, transformou-se em
destacado vulto de nossa história.
Por fim, faleceu esse notável
Bispo na cidade de Olinda, em 23 de abril de 1704, sendo sepultado, a pedido,
na igreja dos carmelitas daquela cidade. Segundo Franklin Távora, autor de O
cabeleira, faleceu ele em estado “tão pobre que unicamente se lhe encontraram
de seu quarenta réis em dinheiro”. Acrescenta que “ele havia despendido todas
as rendas da mitra na sustentação das trinta missões de índios que reunira e
visitara no seio de inóspitos sertões, sendo-lhe preciso, para cumprimento
deste apostólico dever, transpor mais de trezentas léguas na avançada idade de
setenta anos”. Para o mesmo autor, foi um prelado que ilustrou a cadeira
episcopal de Olinda por conspícuas e beneméritas virtudes que não foram até
hoje igualadas.
________________
* A imagem é da igreja do Carmo,
em Olinda, onde foi sepultado o corpo de D. Fr. Francisco de Lima.
**REGINALDO MIRANDA, autor de
diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB-PI. contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br
*** O presente ensaio biográfico
foi elaborado para o livro Piauienses notáveis, que será publicado no corrente
ano de 2018, pela Academia Piauinse de Letras, abordando tanto aqueles que
nasceram no Piauí quanto os que ajudaram a construir sua história.
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