Fonte: Portal da APAL |
Saco
de carvão
Pádua Marques *
Outro dia uma de minhas
irmãs achou de, depois de uma latumia danada do vendedor na nossa porta,
comprar um saco de carvão. Fazia tempos que aqui na nossa casa de Parnaíba eu
não encontrava uma mercadoria dessas. Veio à lembrança quando morávamos no
bairro de Fátima e ainda minha mãe estava longe de ter na cozinha um fogão a
gás, um luxo pra poucos naquela época.
Meu pai, homem de pouco
dinheiro na burra, tinha das suas de vez em quando e numa dessas, pra encurtar
caminho e se livrar dos atravessadores, meteu naquela cabeça branca de comprar
carvão, vindo no trem da tarde. Esse carvão, assim como galinhas poedeiras ou
prontas pra ir à panela, franguinhas de primeira pena, melancias, maxixes,
quiabos, tapiocas, beijus e leitões cevados, tudo descia na Esplanada da
Estação.
Também vinha muita gente
feia e triste, vinda de Marruás, Vidéo, Bom Princípio, Cocal e até da muito
longe Piracuruca. Toda essa gente e coisas vinham direto´pra estação ali no
bairro de Fátima. Papai comprou vários sacos de carvão. Antes, pediu a um amigo
seu jumento pra depois do negócio levar a carga pra nossa casa. Ora, aquele
carvão todo daria pra consumo de vários dias e até meses.
Eu e meu irmão ficamos
encantados com aquela aventura de ir da estação de trem até nossa casa tangendo
o jumento carregado de carvão, que depois de chegado e descarregado e medido
numa lata de querosene, foi colocado nos fundos da cozinha à espera de sua
utilidade.
O tempo passou, vieram
outros e um dia, quando as coisas melhoraram em casa, minha mãe escasquetou e
acabou comprando um fogão a gás marca Jangada. Não sei ao certo se na Rosemary
ou no Décio Lobão. Como diria minha mãe, outra realidade! O carvão passou a ser
mercadoria pra se comprar de vez em quando. Já ninguém olhava pro monte que se
formava no canto da cozinha. Servia quando muito pra queimar no ferro de gomar.
O monte de carvão servia
agora pra ser lugar e ninho de galinha com choco e que dentro de poucos dias
sairia de porta pra fora com uma dúzia de pintos procurando o que comer. O saco
de carvão foi perdendo importância. Ora vejam só! Mas de vez em quando entrava
em cena no fogareiro que por precaução minha mãe conservou num canto em caso de
emergência.
Olhando pra fora, o tempo
e as coisas foram melhorando na Parnaíba. De uns tempos pra cá não se encontra
mais na rua ao sol das oito horas os carvoeiros gritando a mercadoria enquanto
estalavam o relho no lombo dos jumentos querendo pressa.
Mas todo esse rodeio que
eu fiz teve e tem um propósito de chegada. Pra os políticos, os carreiristas de
palanques, os demagogos de toda sorte, o povo é feito aquele saco de carvão. De
quatro em quatro anos eles estão na sua porta vendendo uma mercadoria que não tem estoque, exceto aos domingos
quando alguém resolve fazer um churrasco. O saco de carvão, que é o povo, fica
esquecido, dormente, aguentando tudo. Os meninos de casa nunca passam perto. O
carvão se livrou de ser queimado dentro de um ferro de gomar porque hoje o que
não falta é ferro elétrico de todo tipo, tamanho e marca. Carvão suja as mãos e
quando aceso enche a cozinha de fumaça.
E se serve de ninho pra
galinha choca, acaba empestando a cozinha e a despensa de piungas. As eleições
estão chegando. A campanha pesada vai ser depois da Copa da Rússia. Será um
refrigério. Se esquecem de tudo em quanto: preço da gasolina, quebra-quebra,
carnê do Paraíba, prestação da casa própria, reforma da Previdência, Lava Jato,
o Lula. Quando a gente se espantar é a campanha e a propaganda na televisão e
nos outdoors.
Os políticos vão entrar
em sua casa com a maior cara limpa. Se deixarem, eles são capazes de ir até a
cozinha. Se descuidar eles são capazes de abrir a panela. São capazes de beijar
e colocar nos braços crianças catarrentas e dar abraços em velhas vestidas de
chambres e com a baba da noite nos cantos da boca. Carvão é coisa pra se
comprar baratinho hoje em dia. Tem nos supermercados, postos de gasolina,
nalguma padaria ou vendinha de subúrbio.
Povo, gente, gente pobre
e ignorante é feito saco de carvão. O político compra o voto dessa gente
prometendo saúde, educação e segurança. Só promete mais hospitais, médicos a
rodo e a toda hora. Político compra voto dessa gente com uma cédula de
cinquenta contos, pagamento de uma prestação da Macavi ou do Armazém Paraíba,
uma bolsa de estudos pra um sobrinho e por aí vai. Depois que está eleito e
feito na vida se esquece do povo, que vira saco de carvão.
*Pádua Marques é jornalista e escritor,
membro da Academia Parnaibana de Letras.
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