Da esquerda para a direita, no sentido horário: Higino (Gino) com a filha Mariá, tenente Fernando Alves, João Miguel, Elmar, Fátima e Luciene. Autor da foto: Pedro Higino. |
Fonte: Google/Portal Tucumã |
Viagem a Manaus (*)
Elmar Carvalho
1
Com a finalidade de visitar nosso filho João Miguel, que
reside em Manaus, no domingo, dia 29 de abril, fomos a essa capital amazônica.
Ao chegarmos ao aeroporto de Brasília, para a conexão, à boquinha da noite, mal
me levantei da poltrona, fui abordado por uma senhora, que me fez uma pergunta
casual, sobre o nosso destino ou sobre a conexão, não me lembro ao certo.
Respondi-lhe que ia a Manaus, em visita a um filho; ela, então, me disse que
seu pai, um português, fora dono de seringal no Amazonas.
Disse-lhe que, no auge da exploração da borracha, vários
nordestinos, inclusive piauienses, foram para a Amazônia. Nosso rápido e
circunstancial diálogo terminou aí. Depois, na continuação da viagem,
lembrei-me de Humberto de Campos, que tentara melhor sorte na região amazônica.
Humberto, embora maranhense de Miritiba, que hoje tem o seu nome, após o
falecimento de seu pai, passou grande parte da infância em Parnaíba (PI), de
onde saiu aos 13 anos de idade, com destino a São Luís.
No meu retorno a Teresina consultei o importante livro
Humberto de Campos: evocações de uma vida, da autoria da amiga e confreira na
Academia Parnaibana de Letras Amparo Coêlho, para refrescar-me a memória, e
nele encontrei a informação de que esse escritor, memorialista e poeta foi
capataz de um seringal, onde foi acometido de uma febre palustre, que lhe fez
retornar a Belém. Chegou a redator-chefe do jornal A Província do Pará, cujo
proprietário era Antônio Lemos, que foi eleito prefeito dessa capital. Foi designado
secretário da Prefeitura. Com a deposição do alcaide, foi perseguido por causa
de sua atuação jornalística, e teve que fugir para o Rio de Janeiro, a bordo de
um navio da Lloyd.
O rápido diálogo, a que me referi, me fez lembrar que os avós
maternos do poeta e escritor Alberto da Costa e Silva, filho de dona Creusa e
de Antônio Francisco, o poeta maior do Piauí, de nome literário Da Costa e
Silva, também moraram em Manaus. Soube disso através dos livros O espelho do
Príncipe e Invenção do Desenho, da lavra de Alberto, ambos com o subtítulo
“ficções da memória”, que nem por isso deixam de ser duas excelentes obras
memorialísticas, que li com muito agrado, quase de um gole, como se costuma
dizer. Fiz a leitura através de e-book, em meu aparelho Kindle.
Do cotejo deles, fiquei sabendo que seu avô materno possuíra
cabedais na região amazônica, entre os quais fazenda e seringal, além de duas
amantes, que, com sua morte, se apropriaram de quase tudo. Sua avó, Maria
Adélia Fontenelle de Vasconcellos, conhecida como Aroca, ficou viúva com menos
de quarenta anos de idade, e teve que retornar ao Ceará, sua terra natal. Fixou
residência em Fortaleza e passou a usar luto fechado pelo resto da vida,
conquanto não tenha se tornado uma pessoa melancólica, amarga ou depressiva. Ao
contrário, tinha ânimo forte e positivo. Pertencia a importantes estirpes de Viçosa
e Sobral. Recomendei-lhes a leitura ao historiador Vicente Miranda, que
escreveu a mais importante obra sobre a genealogia e história da Ibiapaba e
adjacências, inclusive Piauí, no intuito de lhe possibilitar eventuais
enriquecimentos e acréscimos quando de uma anunciada segunda edição.
Feito esse parêntese, que achei pertinente, retomo o tema
central. Chegamos a Manaus por volta de meia noite, ou 23 horas no horário
local. Após os abraços e cumprimentos de praxe, João Miguel nos levou ao seu
apartamento, situado perto da avenida das torres. Torres de transmissão
elétrica, esclareço. No dia seguinte, pude constatar que da varanda, para
qualquer lado que pudesse alcançar, eu via, por entre ruas e casas, boas
porções de florestas. Ao amanhecer, ouvi o canto alegre de aves. À noite, ouvi,
muitas vezes, o canto rascante de cigarras e a sinfonia álacre dos batráquios.
Também, margeando algumas avenidas, víamos, amiúde ou quase
sempre, generosas nesgas florestais, que adornavam a paisagem urbana. No meio
de árvores imponentes e copadas, vi pequenas plantas e arbustos, de um verde
vivo, luxuriante e diversificado, em que muitas vezes parecia haver esmeraldas
esmaltadas, tal o brilho das cores da folhagem. O formato e o tamanho das
folhas eram muito variados. Em caprichado paisagismo natural, digno talvez dos
arranjos de um Burle Marx, víamos trepadeiras a se enroscar em suntuosas
árvores.
Em dois shoppings, vi, através de paredes envidraçadas,
verdadeiros parques florestais, que lhe ficavam contíguos, talvez como áreas de
preservação ambiental. Dessa espécie de mirante ou posto de observação, vi
plantas imensas, de enormes frondes. Algumas, suponho, eram mais altas do que
um prédio de cinco ou seis andares. Fiz esse cálculo tomando por base o andar
de onde eu as observava.
Mais uma vez verifiquei a diversidade de tamanho, formato,
textura e flexibilidades dos arbustos e árvores. Fiquei a imaginar que algumas
poderiam ter vários séculos, podendo remontar à descoberta do Brasil pelos
portugueses, senão ainda anteriores. Havia ainda enormes e variadas palmeiras,
que vi de perto e do alto, através das vidraças do centro comercial.
2
Ao conversar com João Miguel sobre o Teatro do Amazonas, que
conheci em viagem anterior, disse-lhe que essa deslumbrante e faustosa casa de
espetáculo fora concluída pelo governador Fileto Pires Ferreira, nascido no
Piauí. Como ele tenha se admirado dessa informação, acrescentei que outro
piauiense também governara o Amazonas: Gregório Thaumaturgo de Azevedo (*), que
também foi o primeiro governador republicano de seu estado natal. Ambos são
filhos de Barras, justamente cognominada Terra dos Governadores.
No texto Piauienses viraram ficção na Amazônia, de Dílson
Lages Monteiro, colho o seguinte comentário: “Um é descrito como ‘magro, ágil, elétrico,
homem de fino trato, olhar inteligente, meio romântico, ousado, impetuoso, um
tanto ingênuo, elegante de espírito (...) bem-nascido, família abastada, dona
do Norte do Piauí, a terra do gado’. O outro, como um combativo homem público
de ampla atuação, a seu tempo, no Norte do País. Fileto Pires Ferreira e
Thaumaturgo de Azevedo, piauienses que governaram o Amazonas, respectivamente,
entre 1896-1898 e 1891-1892, são personagens do romance ‘Teatro do Amazonas’,
de autoria do amazonense Rogel Samuel.”
A família Pires Ferreira exerceu o protagonismo político no
Piauí durante vastos anos, sobretudo sob a liderança dos barrenses Firmino
Pires Ferreira (25-09-1848 – 21-07-1930) e Joaquim Pires Ferreira (15-07-1868 –
23-12-1958). O primeiro participou da Guerra do Paraguai, como voluntário, e se
tornou herói em várias batalhas; era marechal do Exército nacional, e foi
senador por mais de trinta anos; o segundo era advogado, foi deputado federal e
senador da República por várias décadas e é epônimo de uma cidade piauiense.
Gregório Taumaturgo de Azevedo, filho de Manoel de Azevedo
Moreira de Carvalho e Angélica Florinda Moreira de Carvalho, nasceu em Barras
(PI), em 17-11-1853, e faleceu no Rio de Janeiro, em 29-08-1921. Fundou a
cidade de Cruzeiro do Sul (Acre) e a Cruz Vermelha Brasileira, da qual foi
presidente. Segundo o escritor e romancista Rogel Samuel, foi ele quem traçou o
plano da cidade de Manaus. Encerrou sua carreira profissional como marechal do
Exército Brasileiro.
Fileto Pires Ferreira, filho de Raimundo Carvalho Pires
Ferreira e Lídia Santana, nasceu em Barras, em 16-03-1866, e faleceu no Rio de
Janeiro (RJ), em 11-08-1917, tendo alcançado o posto de general. Esforçou-se em
concluir as obras iniciadas por antecessores, inclusive o famoso Teatro do Amazonas.
Embora considerado um grande governador, encontra-se imerso em injusto
esquecimento. Ao se ausentar do estado, para tratamento de saúde na Europa, foi
vítima de uma “armação” política de seus inimigos, que forjaram um falso pedido
de renúncia, com a falsificação de sua assinatura, e lhe destituíram de seu
cargo. Embora em vão, teve a hombridade de tentar reconquistar seu cargo de
governador fraudulentamente usurpado.
Nas vezes em que percorri as ruas e avenidas manauaras, em
automóvel conduzido por João Miguel, sem querer laborar em estereótipos e
maniqueísmos, que sempre distorcem ou exageram a verdade, notei que os demais
motoristas não eram excessivamente apressados, e cediam a preferência em
cruzamentos e conversão de faixas, de sorte que não presenciei nenhum acidente
de trânsito, como com frequência observo em Teresina, apesar de Manaus ter mais
do dobro da população desta.
Quando pedi alguma informação, notei que a pessoa parava,
fixava a atenção em mim, e com urbanidade e respeito dava a sua resposta. Mera
coincidência ou não, só vi no noticiário local um crime de alta repercussão: o
assassinato do advogado criminalista e ex-deputado estadual Armando Freitas. Ou
os homicídios não ocorrem com tanta frequência ou não lhe atribuem a
importância sensacionalista que lhe dão em outras paragens.
No domingo, 6 de maio, fomos conhecer o calçadão e praia de
Ponta Negra. É um local de muita magia e beleza, com muita água espraiada e a
presença aprazível de algumas nesgas de florestas, que me pareceram bem
preservadas. A impressão geral que tive, embora possa estar enganado, é de que
a cidade não entrou em processo de excessiva verticalização. O rio Negro parece
formar nesse local uma espécie de baía ou de grande remanso. Em dia anterior,
fomos conhecer a Praia do Japonês, que não se encontrava aberta. Mas o passeio
não foi em vão, pois nos serviu para termos uma ideia do que seja a floresta
amazônica, apesar de que não estávamos em mata fechada.
Fomos, em seguida, a um restaurante flutuante, onde nos
encontramos com Higino Freitas, sobrinho da Fátima, e com o tenente Fernando
Alves, paraibano, amigo e colega de meu filho. Nesse local, vimos a pujança e a
beleza da floresta e do grande rio, perante o qual, sem ironia e sem menoscabo,
o nosso Rio Grande do Tapuia, o nosso querido Parnaíba ou Velho Monge, como nos
versos de Da Costa e Silva, torna-se quase um igarapé. Mas o Parnaíba, apesar
das maldades que lhe fazem e da incúria dos governantes, é um rio forte e
bravo; e resistente, insiste em não morrer.
O Gino e o João Miguel comemoravam seus aniversários,
ocorridos, respectivamente, nos dias 4 e 5 de maio. O primeiro ficou muito
emocionado com um vídeo que lhe foi enviado por seu irmão Nonato (Natim)
Freitas, em que este proferiu belas palavras afetivas e fraternas. O Gino,
entre outras iguarias, pediu o peixe jaraqui, por não ser conhecido no Piauí;
para não sair da rima, repetiu o bordão: “Quem come jaraqui, não sai daqui”. E
eu, fingindo um equívoco, continuei no mesmo refrão: “E quem come do jaracá,
não sai de cá”. Com isso brindamos e encerramos essa tarde de encantamento,
confraternização e beleza.
E, arrematando, para os estilistas esqueléticos, de
pretensiosa contenção e rigor, que se autoproclamam avessos ao uso de
adjetivos, direi: ao se falar de uma amazônica beleza, de amazônicos rios e
florestas, não se pode deixar de usar muitos adjetivos. E aproveito para
perguntar: se os adjetivos não devem ser usados, por que diabos teriam sido
inventados?
(*) Vários dados históricos desta crônica foram extraídos do
referido texto de Dílson Lages Monteiro, de uma entrevista concedida por Rogel
Samuel ao portal Entretextos, do blogdorocha e do Dicionário Enciclopédico
Piauiense Ilustrado, da autoria do barrense Wilson Carvalho Gonçalves.
(**) Após publicar esta crônica na internet, tomei conhecimento de que o piauiense César do Rego Monteiro (n. 17-04-1863 em União, f. 1933 no Rio de Janeiro) também governou o estado do Amazonas (01-01-1921 a 30-09-1924).
(**) Após publicar esta crônica na internet, tomei conhecimento de que o piauiense César do Rego Monteiro (n. 17-04-1863 em União, f. 1933 no Rio de Janeiro) também governou o estado do Amazonas (01-01-1921 a 30-09-1924).
Nenhum comentário:
Postar um comentário