quarta-feira, 20 de junho de 2018

ATÉ BREVE, HERCULANO

Fonte: Google/Portal O Dia

ATÉ BREVE, HERCULANO

Paulo Chaves
Escritor e jornalista

Quinta-feira agora (17.05.2018), em nova imposição da sua impiedade, perdi para a morte mais um amigo. Herculano Moraes da Silva Filho. Jornalista, poeta, escritor, acadêmico, homem culto.

Não era uma amizade comum, dessas que a gente recolhe nas mesas dos bares, nas caminhadas pelas ruas ensolaradas de uma Teresina quente e fervente, ou nas antessalas dos escritórios diversos. Era amizade entabulada na minha infância, ele então um jovem companheiro do meu pai na redação imortal do nosso imortal Jornal do Piauí.

Herculano sempre será inesquecível, e de um modo todo especial para mim e meu irmão Zé Luis. Aniversariamos no mesmo mês de janeiro. Eu no dia 5, meu irmão no dia 12. Tradicionalmente, meus pais faziam uma festinha para comemorar as datas, e por sábia economia ou justa racionalidade, a festa em geral acontecia no dia 12. Acho que naquela ocasião eu completava uns seis, sete anos, no entorno ali de 1970, não lembro exatamente. No ensejo da comemoração, à tardinha, Herculano, que era redator do nosso jornal, chegou com um presente. Era um só presente para os dois aniversariantes. Um livro – MEU PÉ DE LARANJA LIMA. O primeiro de Literatura que ganhei e li. Mas houve algo a mais: as palavras da entrega. Herculano nos disse o seguinte, frase que ainda hoje, quase 50 anos depois, ecoa nas minhas lembranças:
- Como o pai de vocês me paga muito mal, só pude comprar um único presente para os dois. Daí vocês partem ao meio – um lê do começo para a metade, e o outro do meio para o fim. Depois vocês invertem, para concluir a leitura.

Deste meu primeiro livro literário, que certamente foi decisivo para a apuração do sangue do jornalista e escritor em que viria me transformar mais à frente, sempre estive muito próximo do Índio, apelido que os mais íntimos usavam no trato com o Herculano. Além da convivência no jornal, vem deste amigo agora morto uma outra amizade para mim sobejamente especial, que foi seu irmão Paulo de Tarso, jornalista também, que teve marcante atuação nas páginas do insuperável Jornal da Manhã, mas que a porra da morte tirou do nosso convívio com uma brevidade pavorosa. Foi o único PT que admirei, com seu carisma ímpar, sua grandeza e sua integridade. Morreu cedo demais, talvez porque fosse bom!

Invulgar na sua trajetória, Herculano foi um cara ímpar. Poeta e estudioso exemplar. Jornalista inteligente. Andou abrindo academias aqui e alhures. Envolvendo as pessoas nesse universo da Cultura, que mais do que tudo foi seu estigma.

Nosso último encontro se deu em março passado. Estávamos aguardando para falar com o Dr. Valdeci Cavalcante, no seu escritório ali perto do Sesc, onde o Índio cuidava das ações culturais. Ele, eu e meu irmão caçula, Wilson, que assessora o presidente do Sistema Fecomércio. Naquele dia Herculano me convidou a frequentar mais a nossa estimada Academia Piauiense de Letras. Queria me enturmar para em breve me tornar acadêmico como ele. Ri, desconcertado, e questionei meus méritos. Herculano abaixou a cabeça por alguns segundos e, olhando sério nos meus olhos, recriminou minha modéstia. Marcou para a manhã do sábado seguinte o encontro ao qual não fui. Quem sou eu?

Depois daquela reunião com o Dr. Valdeci, deixamos o escritório debaixo de chuva forte. Pegamos carona com o Wilson, deixando Herculano no Tribunal de Justiça. No caminho queixou-se de uma gripe incômoda. Tossia levemente. Poucos dias depois recorreu ao Dr. Itamar Abreu para exames apurados, e esteve internado. Dois dias antes da triste notícia que agora nos enluta, meu irmão me falou da gravidade do quadro, me dando ciência de que talvez o Índio não saísse daquela... Sofri em silêncio, sem poder compartilhar aquele desconforto, que no entardecer da quinta-feira se confirmou. Foda!

Herculano amava a Academia. Acho que nesse ponto ele superava até mesmo Lucídio Freitas, o fundador. Tanto que, como disse, fundou diversas e deu assistência a todas. Creio eu que ele era o mais popular dos imortais. Não por força, mas por simpatia, simplicidade, humildade, presença. Seu humor era demais... como atesta o diálogo que travamos certa vez, quando precisei lhe enviar alguns textos:
- Rapaz, me diz ai teu email.
- herlano@hotmail.com.
- Como? Herlano.
- Isso. Tira o “cu” do meio.

Tenho para mim que aquele sujeito discreto, observador e arguto, vai fazer uma falta medonha. Seja no sagrado seio da sua família, seja no ambiente acadêmico, seja no universo inestimável dos seus amigos sinceros, todos se ressentindo da sua presença destacada, com sua cabeleira alva, o sorriso de sempre, a invulgar capacidade de sonhar, planejar atividades de duvidável concretização, prometer com suavidade o impossível, animar projetos e possibilidades, enfim, de ser um visionário incorrigível.

Meu amigo/irmão José Olímpio Castro, que recentemente deixou a presidência do Sindicato dos Jornalistas, editava comigo o jornal da entidade, o Retranca, e na página cinco, central, da última edição, saída com a data de Janeiro/2018, fez publicar entrevista atual do nosso confrade Herculano, sob o título HERCULANO MORAES – O OPERÁRIO DA CULTURA PIAUIENSE. Nas fotos que ilustram a matéria Herculano exibe uma superada cabeleira negra, dos tempos da sua produtiva juventude - como jornalista, na redação dos jornais por onde passou; e como secretário de Comunicação, no Governo Lucídio Portela. Mais um Lucídio no seu caminho (o outro, o fundador da APL).

Na entrevista de HM se faz o relato da sua trajetória como líder estudantil (foi presidente do Grêmio Nilo Peçanha, na então Escola Industrial, hoje denominada de IFPI), vereador (elegeu-se na época do governo militar, no início dos anos 70, pelo MDB), jornalista (começou n’A Voz do Piauí, passou pelo O Dia, Jornal do Piauí, Rádio Clube e O Estado), escritor, poeta e intelectual (escreveu pelo menos 12 livros, entre poesia, ensaio, romance).

No fechamento da entrevista citada, perguntado se acreditava no fim da mídia impressa, Herculano respondeu:
“Enquanto houver ideias, sonhos e desejos na humanidade, e fantasia de dizer e ler no papel, o ideal permanecerá. Quem acredita no fim do ciclo do papel, não conhece o homem e seu desejo de permanência. Não creio que terei tempo de assistir ao enterro dessas fantasias. A história humana está perpetuada nas lápides, nas inscrições rupestres, nos pergaminhos do tempo, nas páginas dos jornais, nos livros que as traças do tempo não devoram”.

Nascido em São Raimundo Nonato, no emblemático ano de 1945, o Índio viveu 73 anos. Amou e foi amado. E nessa condição legou poesias belas, tocantes e surpreendentes, como esta GRAVURA, inserida no livro OFERENDAS, de 1996:

“Não escreverei teu nome na areia.
O vento varre as palavras
E elas nunca se perpetuarão.

Escrever teu nome no tronco
De uma árvore?
Eis o enigma
Desta vã filosofia.
Até que a morte nos separe
Pelo assassínio da ecologia.

Escrever teu nome nos granitos,
No cimento, nas nuvens, nos muros rabiscados,
Talvez não seja a forma exata
De te imortalizar.

Escreverei, teu nome sim
Na folha indecifrável da memória,
Pois só assim este amor
Sem preconceitos e limites
Ficará para a história”.

Que Deus o tenha e guarde, Herculano.

Até um dia, amigo!

19.05.2018   

Um comentário:

  1. Muito agradecido pela postagem do nosso texto, Elmar. Felicidade, saúde e paz, nobre amigo. Abraço.

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