Fonte: Google/Portal O Dia |
ATÉ BREVE, HERCULANO
Paulo Chaves
Escritor e jornalista
Quinta-feira agora (17.05.2018),
em nova imposição da sua impiedade, perdi para a morte mais um amigo. Herculano
Moraes da Silva Filho. Jornalista, poeta, escritor, acadêmico, homem culto.
Não era uma amizade comum, dessas
que a gente recolhe nas mesas dos bares, nas caminhadas pelas ruas ensolaradas
de uma Teresina quente e fervente, ou nas antessalas dos escritórios diversos.
Era amizade entabulada na minha infância, ele então um jovem companheiro do meu
pai na redação imortal do nosso imortal Jornal do Piauí.
Herculano sempre será
inesquecível, e de um modo todo especial para mim e meu irmão Zé Luis.
Aniversariamos no mesmo mês de janeiro. Eu no dia 5, meu irmão no dia 12.
Tradicionalmente, meus pais faziam uma festinha para comemorar as datas, e por
sábia economia ou justa racionalidade, a festa em geral acontecia no dia 12. Acho
que naquela ocasião eu completava uns seis, sete anos, no entorno ali de 1970,
não lembro exatamente. No ensejo da comemoração, à tardinha, Herculano, que era
redator do nosso jornal, chegou com um presente. Era um só presente para os
dois aniversariantes. Um livro – MEU PÉ DE LARANJA LIMA. O primeiro de
Literatura que ganhei e li. Mas houve algo a mais: as palavras da entrega.
Herculano nos disse o seguinte, frase que ainda hoje, quase 50 anos depois,
ecoa nas minhas lembranças:
- Como o pai de vocês me paga
muito mal, só pude comprar um único presente para os dois. Daí vocês partem ao
meio – um lê do começo para a metade, e o outro do meio para o fim. Depois
vocês invertem, para concluir a leitura.
Deste meu primeiro livro
literário, que certamente foi decisivo para a apuração do sangue do jornalista
e escritor em que viria me transformar mais à frente, sempre estive muito
próximo do Índio, apelido que os mais íntimos usavam no trato com o Herculano.
Além da convivência no jornal, vem deste amigo agora morto uma outra amizade
para mim sobejamente especial, que foi seu irmão Paulo de Tarso, jornalista
também, que teve marcante atuação nas páginas do insuperável Jornal da Manhã,
mas que a porra da morte tirou do nosso convívio com uma brevidade pavorosa.
Foi o único PT que admirei, com seu carisma ímpar, sua grandeza e sua
integridade. Morreu cedo demais, talvez porque fosse bom!
Invulgar na sua trajetória,
Herculano foi um cara ímpar. Poeta e estudioso exemplar. Jornalista
inteligente. Andou abrindo academias aqui e alhures. Envolvendo as pessoas
nesse universo da Cultura, que mais do que tudo foi seu estigma.
Nosso último encontro se deu em
março passado. Estávamos aguardando para falar com o Dr. Valdeci Cavalcante, no
seu escritório ali perto do Sesc, onde o Índio cuidava das ações culturais.
Ele, eu e meu irmão caçula, Wilson, que assessora o presidente do Sistema
Fecomércio. Naquele dia Herculano me convidou a frequentar mais a nossa
estimada Academia Piauiense de Letras. Queria me enturmar para em breve me
tornar acadêmico como ele. Ri, desconcertado, e questionei meus méritos.
Herculano abaixou a cabeça por alguns segundos e, olhando sério nos meus olhos,
recriminou minha modéstia. Marcou para a manhã do sábado seguinte o encontro ao
qual não fui. Quem sou eu?
Depois daquela reunião com o Dr.
Valdeci, deixamos o escritório debaixo de chuva forte. Pegamos carona com o
Wilson, deixando Herculano no Tribunal de Justiça. No caminho queixou-se de uma
gripe incômoda. Tossia levemente. Poucos dias depois recorreu ao Dr. Itamar
Abreu para exames apurados, e esteve internado. Dois dias antes da triste
notícia que agora nos enluta, meu irmão me falou da gravidade do quadro, me
dando ciência de que talvez o Índio não saísse daquela... Sofri em silêncio,
sem poder compartilhar aquele desconforto, que no entardecer da quinta-feira se
confirmou. Foda!
Herculano amava a Academia. Acho
que nesse ponto ele superava até mesmo Lucídio Freitas, o fundador. Tanto que,
como disse, fundou diversas e deu assistência a todas. Creio eu que ele era o
mais popular dos imortais. Não por força, mas por simpatia, simplicidade,
humildade, presença. Seu humor era demais... como atesta o diálogo que travamos
certa vez, quando precisei lhe enviar alguns textos:
- Rapaz, me diz ai teu email.
- herlano@hotmail.com.
- Como? Herlano.
- Isso. Tira o “cu” do meio.
Tenho para mim que aquele sujeito
discreto, observador e arguto, vai fazer uma falta medonha. Seja no sagrado
seio da sua família, seja no ambiente acadêmico, seja no universo inestimável
dos seus amigos sinceros, todos se ressentindo da sua presença destacada, com
sua cabeleira alva, o sorriso de sempre, a invulgar capacidade de sonhar,
planejar atividades de duvidável concretização, prometer com suavidade o
impossível, animar projetos e possibilidades, enfim, de ser um visionário
incorrigível.
Meu amigo/irmão José Olímpio
Castro, que recentemente deixou a presidência do Sindicato dos Jornalistas,
editava comigo o jornal da entidade, o Retranca, e na página cinco, central, da
última edição, saída com a data de Janeiro/2018, fez publicar entrevista atual
do nosso confrade Herculano, sob o título HERCULANO MORAES – O OPERÁRIO DA
CULTURA PIAUIENSE. Nas fotos que ilustram a matéria Herculano exibe uma
superada cabeleira negra, dos tempos da sua produtiva juventude - como
jornalista, na redação dos jornais por onde passou; e como secretário de
Comunicação, no Governo Lucídio Portela. Mais um Lucídio no seu caminho (o
outro, o fundador da APL).
Na entrevista de HM se faz o
relato da sua trajetória como líder estudantil (foi presidente do Grêmio Nilo
Peçanha, na então Escola Industrial, hoje denominada de IFPI), vereador
(elegeu-se na época do governo militar, no início dos anos 70, pelo MDB),
jornalista (começou n’A Voz do Piauí, passou pelo O Dia, Jornal do Piauí, Rádio
Clube e O Estado), escritor, poeta e intelectual (escreveu pelo menos 12
livros, entre poesia, ensaio, romance).
No fechamento da entrevista
citada, perguntado se acreditava no fim da mídia impressa, Herculano respondeu:
“Enquanto houver ideias, sonhos e
desejos na humanidade, e fantasia de dizer e ler no papel, o ideal permanecerá.
Quem acredita no fim do ciclo do papel, não conhece o homem e seu desejo de
permanência. Não creio que terei tempo de assistir ao enterro dessas fantasias.
A história humana está perpetuada nas lápides, nas inscrições rupestres, nos
pergaminhos do tempo, nas páginas dos jornais, nos livros que as traças do
tempo não devoram”.
Nascido em São Raimundo Nonato,
no emblemático ano de 1945, o Índio viveu 73 anos. Amou e foi amado. E nessa
condição legou poesias belas, tocantes e surpreendentes, como esta GRAVURA,
inserida no livro OFERENDAS, de 1996:
“Não escreverei teu nome na
areia.
O vento varre as palavras
E elas nunca se perpetuarão.
Escrever teu nome no tronco
De uma árvore?
Eis o enigma
Desta vã filosofia.
Até que a morte nos separe
Pelo assassínio da ecologia.
Escrever teu nome nos granitos,
No cimento, nas nuvens, nos muros
rabiscados,
Talvez não seja a forma exata
De te imortalizar.
Escreverei, teu nome sim
Na folha indecifrável da memória,
Pois só assim este amor
Sem preconceitos e limites
Ficará para a história”.
Que Deus o tenha e guarde,
Herculano.
Até um dia, amigo!
19.05.2018
Muito agradecido pela postagem do nosso texto, Elmar. Felicidade, saúde e paz, nobre amigo. Abraço.
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