Alcenor e Ana Lúcia. Fonte: Google/Portal Ritíssima |
DEPOIMENTO SOBRE ANA LÚCIA CERQUEIRA CANDEIRA
Alcenor Candeira
Filho
Ana Lúcia já teve várias carteiras de
identidade: com o nome de nascimento( Ana Lúcia de Castro Cerqueira); com o do primeiro
casamento ( Ana Lúcia Cerqueira Silva); novamente com o de solteira em
decorrência de divórcio; com o do
casamento comigo ( Ana Lúcia Cerqueira Candeira).
Quando decidimos casar, disse a ela que
mantivesse o nome de nascimento, não porque pensasse em futuro divórcio mas
para evitar a exaustiva burocracia: a cada mudança de nome na identidade
corresponderia alteração em diversos outros documentos, como carteira de
trabalho, documento previdenciário, carteira de motorista, carteira de plano de
saúde, CPF, etc.. Mas ela não concordou, fazia questão da inclusão de meu sobrenome.
Logo compreendi que Ana Lúcia é assim
mesmo: assume por completo cada nova circunstância e o que consta no RG e
demais documentos é indispensável para
ela.
Ao longo da vida exerceu diversas
atividades profissionais: bancária, empresária, comerciária, servidora pública.
Já casada comigo decidiu fazer na
Universidade Estadual do Piauí o Curso de Letras – Português. Esperava
aprimorar os conhecimentos da língua de Camões, de que sempre gostou. Muito
dedicada aos compromissos assumidos, cansei de vê-la fazendo tarefas escolares
até de madrugada, tendo muitas vezes a colega de turma Ana Paula Lima como
companheira de estudos.
Embora fizesse boas referências aos
professores, queixava-se de que a língua portuguesa nos seus aspectos de
gramática normativa ou expositiva era pouca estudada na universidade, mais
voltada para disciplinas e teorias tidas como mais nobres, como Linguística,
Latim, Gramática Histórica, Metodologia Científica, além de outras. Acho que
essa realidade a desestimulou a ser
professora de português. Lembro-me de que disse a ela que era isso mesmo
o que ocorria também, por exemplo, nos cursos de pedagogia, chegando inclusive
a mostrar-lhe uma entrevista publicada na revista VEJA, concedida pela
professora Eunice Durham, especialista
em ensino superior no Brasil, segundo a qual “os cursos de pedagogia desprezam
a prática de sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os
alunos saem de lá sem saber ensinar. (...) O objetivo declarado dos cursos é
ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos,
antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às
necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários
tão pouco escolarizados”.
Na monografia elaborada para a obtenção de
nota na disciplina Introdução à
Metodologia Científica, Ana Lúcia optou pelo tema – “Alcenor Candeira
Filho: o Poeta, o Ensaísta e o Crítico Literário”. Nesse trabalho de 54
páginas, além de focalizar o ensaio e a
crítica literária presentes na minha produção de escritor, deteve-se sobretudo
nos aspectos essenciais da minha poesia: o social, o elegíaco, o erótico, o
telúrico e o metalinguístico.
Bonita física e espiritualmente, Ana Lúcia
é vaidosa, gatosa, gostosa, mas não gastosa. Ciente das limitações do bolso,
contenta-se com bijuterias e roupas simples que lhe caem bem no belo corpo. Bom
gosto é com ela.
O único objeto de ouro que lhe dei na vida
foi a aliança de casamento, que até hoje reluz em seu dedo. Ela - que
se autoproclama mistura de princesa e
cigana -
parece concordar com meu pensamento sobre qual o verdadeiro sentido da
preciosidade das pedras:
por que as pedras me fascinam tanto
a ponto de me deixarem
tonto
se tanto nenhum encanto
noto
na pérola esmeralda opala?
(...)
vãs, as esmeriladas faíscas
de pedras
engastadas em pescoços
braços ou dedos
por mais caras - não
têm o preço doutras pedras;
por mais raras - se
não igualam às estrelas.
(A.C.F.
- “Amor às Pedras”)
Minha companheira é excelente dona de casa, que administra com
eficiência. Vive me pedindo para baixar a tampa do vaso sanitário. Cada coisa
em seu lugar, inclusive a tampa do sifon. Só é desleixada num ponto: as poucas
gavetas em que guarda, ou melhor, rebola papeis da rotina burocrática estão
sempre desarrumadas. Ela nunca me deixa, em uma ou duas horas, pôr tudo em
ordem.
Ana Lúcia é uma pessoa sempre presente e gosta, como eu, de mesas
de bares/restaurantes. Num dos mais extensos poemas que já escrevi e
publiquei em livro – “Meus Olhos
Azuis” - ,
constituído de doze partes e mais de duzentos versos, reporto-me a um desses
momentos de lazer ou de boemia:
Daqui do restaurante “O
Comilão” onde estou
E costumo estar aos
domingos de tarde
À beira do Igaraçu como
nesta tarde
Há momento em que tiro os
óculos
Sem tirar do que
contemplo os olhos
E olho direto para a
direita
A partir do início do que
se avista das curvas
Além do cais
E aquém do mar
De Amarração
Trocando palavra de vez
em quando
Com Ana Lúcia ao lado
Incrivelmente do mesmo
lado o tempo inteiro
Lado esquerdo
Da cadeira
Em que senta
O poeta
Que brinda
Com o copo
De cerveja
Dele
Com o de uísque
Dela
Ana Lúcia é a mulher mais presente na
minha obra poética, como mostram os seguintes poemas:
POEMA PARA ANA LÚCIA
no espaço
eletroeletrônico do casal
sossegam desligados
finalmente
dvd videocassete
telefone som tv.
revistas e jornais na
lixeira.
trancadas janelas
portas fechadas
lâmpadas apagadas.
porque para a hora atento
se há sempre de estar
não se apaga o vermelho
digital
da matemática
automática
do radiorrelógio
engastado
em caixa preta plástica
ao lado do frigobar.
a noite entre quatro
paredes
são lânguidos olhos que se olham
com letras e luzes de
estrelas...
sob lençol do mais puro
linho
em desalinho
o sonho
mor
de um lindo
límpido
amor.
PRÓXIMO
Para Ana Lúcia Cerqueira Candeira
“Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais”.
(Alberto Caeiro)
de onde me encontro.
o espaço é belo
e brando o tempo.
aqui agora
olho e escuto
e cheiro e toco
e degluto
porque tudo
está perto
e posso fazê-lo
suavemente
sem a ânsia
infinita
do impossível
a distância.
estou bem perto
do que me cerca.
é belo o espaço
e afável o tempo.
mas além do sonho
mais à luz da razão
o pensamento
vai para bem distante
daqui neste momento
- incompreensivelmente.
Quando me casei com Ana Lúcia optamos por
não ter filhos, porque eu já tinha três (Dina, Diana e David) do casamento anterior e ela duas (Larissa e
Bruna), que lhe deram quatro maravilhosos netos: Lucas, Gabriel, Marina e
Mirela.
Eu e Ana Lúcia nos aturamos há quase vinte
anos. Amo-a e acho que estaremos juntos até que a morte nos separe.
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