quarta-feira, 21 de novembro de 2018

3 Poemas de Francisco Miguel de Moura

Fonte: Google

3 Poemas de Francisco Miguel de Moura


A FLOR, AS FLORES
Face em ângulos e triângulos,
ocultas, não cansa de mostrar-se,
encantada em curvas de espírito e luz.

Por que, enfim, nasceu pétalas,
entrâncias e reentrâncias,
lagos, luas, protuberâncias,
se o futuro está distante?

Sóis iluminam suas formas:
pistilos, talos e raízes.
Cada raio de sol dá força
tão estranha e incomum!
Dia avante, passo-mágico,
mais estrelas para a noite
vertical. Vem plácido o dia.

Cabelos d’ouro ou de carmim,
do preto até um branco sem fim.
Perfume abelhudo, voo-borboleta,
tudo esplende entre você e mim.
Uma cicia a outra, conversando:
- Você já sentiu alguma dor?
- Jamais! Nem quando nasci.

Ai!... dores dos mortais de carne e osso,
areia e pedra e vento e ar! Nada podemos
do presente, só olhar. O futuro está em nós.

 A FLOR E O PERFUME
  
a flor se guarda para o fruto
o fruto se guarda para a boca
a boca... perde-se no beijo

o beijo é monte que se move
em calor tórrido
seja manhã ou fim de tarde
nos janeiros:
 indo e vindo, em cócegas
brinca com os vírus alados
e cochicha com os deuses

a flor se guarda no perfume
o perfume, pelo frasco
(sem fiasco)
em si se resume:
volátil, volúvel, venal...

e amanhã se apagará no ar sensual
tudo então se tornará em fumo
a alma das coisas tem cor de fumaça.

AMOR E VIRTUDE
(romance)

De repente aparece o sinal,
irisam-se os rostos,
lágrimas fluem rio-acima e
desejos reprimidos rio-abaixo.

Cai! É um corpo de mulher,
rola joelhos em terra,
reza uma prece, Deus não ouve.

Ele, o santo novo padre,
que ninguém sabia
no amor ferido.
Ela, a freirinha linda,
ninguém lhe adivinhando
a que vinha.

A vez primeira foi tão natural
na mata cheia de intempéries!
As almas se caindo em quatro
na cama que os corpos não esperam.

Depois, muitas vezes, muitas horas...
Merda para a vizinha e o vizinho!
O prazer reprimido gargalha
por distantes canais e vinhas.

Do medo – serem ouvidos
aos berros, matando a sede
sem mando, e lambuzados
da luz das estrelas,
na noite dos espinhos...
Agora, sim, se calam.

De "manhãzinha" correm
enquanto muitos dormem,
e o mundo os desconhece,
voltam da lua e das estrelas,
que não aparecerem.


Ela - toda sedução,
viço, beleza e glória.
– "O mundo, que importa"?
Ele – todo paixão, poder e amor.
– "E se tudo souberem amanhã"?


Ela - a mulher que borda a prece,
do estômago à roupa,
do beijo ao coito,
nos carinhos, na dor.

A noite vem salgada e vigorosa.
Desavergonhadamente, o escuro
entra no quarto
sem janelas, sem luas,
na nudez sem-olhos do “seu” povo.

Por vezes bate a dona solidão,
no descampado dos dias:
Da igreja ao púlpito, do sermão
às novenas ou
às silentes grades do convento.

Passam verões, chuvas e primaveras,
outonos e tempestades, nada temem.
Quando o mundo os descobre,
são mancebos-amancebados, amém.

“Cruzes, credo! Que juventude!
Só podem lhes fazer o mal.
- Ninguém cruze a soleira
daquela porta, senão
para o inferno vai!"

E ai! que um dia descobrem
dos dois – o antes e o depois:
Ele era padre noutra freguesia;
ela era freira noutro convento.
- “E para que fugira?”

Quebraram-se os contratos,
cada um para o outro lado,
o lado do amor sem convenção.
Anos, muitos anos...
A figueira secou.
O quintal caiu.
A casa foi engolida pela intendência.

Depois de muitas “lutas” e luas
o casal é reconhecido pelo Papa
e as virtudes antigas todas se salvam.

Mas era tarde demais
para o de(sc)ente amor.

As almas não se levantam pacientes:
Mentem e gritam levemente
ou se vão como o suspiro de quem morre.   

Um comentário:

  1. Obrigado, poeta Elmar Carvalho, publicar 3 poemas inéditos, que faram parte do livro inédito "Além do Outono".

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