Félix Pacheco, à direita, e, ao centro, o presidente Artur Bernardes |
Félix Pacheco e Baudelaire
Cunha e Silva Filho
Foi no sebo da Livraria São José,
hoje, localizado na velha rua Primeiro de Março, Centro do Rio de Janeiro, que,
numa das prateleiras, por acaso me deparei com um pequeno e envelhecido volume,
o qual logo me chamou a atenção: "Baudelaire e os milagres do poder da
imaginação", de Félix Pacheco impresso no Rio de Janeiro em 1933 “... nas
oficinas Tipográficas do Jornal do Comércio, com tiragem limitada a trezentos e
cinquenta exemplares, dos quais cento e cinquenta em papel Congresso
Bond.”(atualizei a grafia)
A publicação contém no mesmo
volume um discurso proferido por Félix Pacheco (1879-1935) em 24 de novembro de
1932 numa sessão da Academia Brasileira de Letras. O discurso é seguido de
comentários de Aloísio de Castro (1887-1959) e de Afrânio Peixoto (1876-1947).
Félix Pacheco, infelizmente, para
muitos cariocas é sinônimo do serviço de documentação e identidade, órgão que
lhe leva o nome por ter ele introduzido no país o serviço de datiloscopia.
Porém, mal sabem os cariocas que esse homem foi um respeitado escritor
brasileiro, um poeta simbolista que, ao lado de Saturnino de Meireles, C. D.
Fernandes, Carlos Menezes, Tavares Bastos e Gonçalo Jácome,Tibúrcio de Freitas,
Rocha Pombo (também historiador) e Pereira da Silva, fundaram a revista Rosa
Cruz, com circulação de 1901 a 1904 no Rio de Janeiro. Foram poetas - todos
eles hoje esquecidos como tantos outros pelo país afora - simbolistas que, no
geral, repetiram a receita, segundo Alfredo Bosi (História concisa da
literatura Brasileira, 38ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001), do Cruz e Sousa do
início da carreira, além de, conforme nos lembra ainda Bosi, poder-se perceber
neles “...uma exasperação da maneira baudelaireana” (ibidem).
Entretanto, Félix Pacheco
distinguiu-se pelo conhecimento profundo, conforme informam seus
contemporâneos, que tinha da obra de Charles Baudelaire (1821-1867), desse
poeta de tremenda importância para a poesia do Ocidente.
Podemos dizer que foi com ele que
em parte a poesia universal, não abdicando do substrato das formas clássicas,
nelas injetou assuntos dessacralizados de uma dicção com sopro de modernidade e
com reflexos até hoje. Excêntrico vate que, segundo nos relata Brant Horta num
antigo compêndio de análise literária, andava sempre com um cágado amarrado a
uma fitinha, tipo considerado boêmio, bebedor de ópio, trajando roupas
chamativas, com cabelo tingido de verde.
Estranho poeta esse das Flores do
Mal. Tanto é assim a admiração que por ele tinha Félix Pacheco que dele se
tornou um tradutor competente e admirado. É dessa admiração pelo poeta francês
maldito - expressão cunhada por Mallarmé (1842-1898) - que tratou no mencionado
discurso, uma bela alocução que traz à baila um dos aspectos da arte literária
considerada por Baudelaire um componente fundamental da criação artística: a
imaginação.
Não sem razão o pronunciamento de
Félix Pacheco abre com uma epígrafe de Baudelaire, no original francês, alusiva
à força e ao valor da imaginação, Baudelaire observa que, no homem a quem a
imaginação é indiferente, não é possível haver obras duradouras e fecundas.
Duas questões no discurso de
Félix Pacheco se prestam à discussão: o trabalho do tradutor e a imaginação. É
importante ressaltar que o discurso de Pacheco, recheado de alusões eruditas e
comunicado em linguagem castiça, dialoga, no tocante àquelas questões, com os
dois mencionados escritores brasileiros num clima de cortesia, elegância e
respeito ao pensamento de cada um. Em vez das divergências de natureza pessoal,
sobrelevam os pontos de vista convergentes, o lado construtivo do debate.
Em todos há que destacar o valor
atribuído ao papel do tradutor e ao poder da imaginação como elemento decisivo
não só em assuntos de estética, mas também no sentido de conquistas sociais. Ao
falar do tradutor, Félix Pacheco traz para o debate uma afirmativa de Anatole
France ((1844-1924), para quem a tradução era uma atividade “infame,” ou era
sempre uma cópia infiel do original, ao contrário do que pensavam Medeiros e
Albuquerque (1867-1934), citado também no discurso, bem como Aloysio de Castro
e Afrânio Peixoto, os quais entendem que a atividade de tradução associa-se ao
da interpretação e até mesmo à originalidade.
A imaginação - acentua Félix
Pacheco -, para nós, brasileiros, pode até nos faltar no campo da “organização
política e administrativa”, mas não no domínio da literatura, o que é um grande
consolo, acrescento de minha parte.
Félix Pacheco conclui sua
conferência trazendo a público dois trabalhos de sua atividade de tradutor
voltada para a poesia de Baudelaire, tradução que apresenta, na sua forma
bilíngüe, naturalmente um convite ao leitor para um exercício de comparação com
o original. Trata-se dos poemas “Élevation” e “Correspondences. Esta é, pois,
só uma leve amostra de um escritor piauiense que também exerceu relevantes
funções, a de Ministro das Relações Exteriores, de deputado federal, de senador
e principalmente a atividade de jornalista. Deixou obra considerável” sobretudo
no campo da poesia.
Fonte: Portal Entretextos
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