Fonte: Google/Gazeta do Povo |
As
rosas da princesa Isabel
*Por
Pádua Marques
A princesa Isabel tinha
em casa um escravo de sua confiança chamado Sebastião. Tião, pra ser mais
íntimo da casa da futura imperatriz do Brasil, não fosse o marechal Deodoro e
os seus pariceiros Benjamin Constant e Floriano Peixoto. Era de um tudo. Levava
recados pra dona Tereza Cristina, lavava os penicos que o conde D’Eu usava de
noite, colocava sela nos cavalos pra os filhos da princesa passearem dentro de
São Cristóvão e aguava as roseiras do pé da janela.
Dona Tereza Cristina não
tolerava o diabo do negro. E vai lá que tinha suas razões. Aliás, nunca gostou
dessa coisa de negro dentro de casa, dando palpite no de comer, no de beber, no
de vestir, ouvindo conversa atrás de porta, roubando um naco de queijo dos
netos ou uma galinha gorda que o Duque de Caxias ou o marquês do Paranaguá,
aquele ministro de seu marido, lá do Piauhy de vez em quando mandava pra o
imperador comer ao molho pardo e depois fazer uma canja.
Dom Pedro sempre foi
muito tolerante, ela não. Onde já se viu aquele palácio não ter uma guarda de
honra que fizesse boa estampa aos seus patrícios italianos quando visitavam São
Cristóvão? Ficava com a porta cheia de negros sem nenhuma compostura. Mas tudo
culpa dessa mania do marido passar o dia todo enfurnado em cima de um monte de
livros, mapas, no laboratório privado esmiuçando aqui e ali pra ver se
descobria alguma coisa com aquela cara de Papai Noel dele.
Mas Tião era um negro
preguiçoso e debochado. Abusava da confiança da princesa. O príncipe Gastão de
Orleans não gostava de ver nem pintado o negro, quanto menos conversando com
sua mulher e de brincadeira com seus filhos. Dona Isabel mandava ele regar as
plantas e ele ia era se meter na cozinha atrás de conversa com as criadas. Aquela
cozinha de São Cristóvão era um ninho de fuxico! Negro entrando e saindo feito
que nem formiga.
Dona Isabel chamou um dia
Tião e o encarregou de cuidar de suas roseiras. O serviço era trazer água de
uma fonte ali perto e não deixar que elas morressem. As rosas colhidas seriam
levadas pra igreja. No começo foi tudo muito bem. Mal dona Isabel levantava e
já ouvia o negro assobiando e chegando do rio com a água pra jogar nas plantas.
Era um cuidado fora de coisa comum.
Dom Pedro já estava até
pensando em dar um aumento no salário de Tião, liberar o FGTS pra ele comprar
uma casa no programa Minha Casa, Minha Vida. Dona Teresa Cristina foi que nunca
engoliu esse negócio daquele negro viver dentro da casa da filha entrando e
saindo da cozinha e passando pela sala na frente das visitas, mascando fumo e
se coçando.
Uns meses se passaram e a
princesa um dia percebeu que suas rosas estavam de vermelhas ou brancas ficando
amarelas! Pensou em chamar seu pai o imperador, homem que vivia dia e noite em
pesquisas e mais pesquisas, pra ter alguma explicação sobre aquele fenômeno.
Ele chamou os maiores cientistas de França e Inglaterra pra que dissessem o que
era aquilo de uma rosa vermelha está assim de repente ficando amarela. Foram
mandar gente e ministros até a Holanda. Vieram cientistas da Turquia e da
Grécia. Descobriram nada!
Conde D’Eu e dona Teresa
Cristina, que nunca gostaram de negros dentro de casa e com intimidades com os
seus, passaram a olhar com desconfiança aquela estranheza das rosas ficando de
vermelhas ou brancas em amarelas. Disseram a uma só voz o que achavam. Isabel,
minha filha, esse Tião, com preguiça de buscar água no rio, estava era mijando
nas suas roseiras. Só podia ser isso!
Meteram tanta conversa na
cabeça de dona Isabel, que ela resolveu tirar a limpo aquela história. Numa
noite disse que iria dormir mais cedo pra acordar no outro dia bem ao raiar do
dia, antes que o galo cantasse. De madrugada se acordou, acendeu a vela e ficou
escutando movimento que vinha do jardim. Pouco depois ouviu uma tossida longe.
Era Tião temperando a goela e dando sinal de presença.
Dona Isabel ficou
apurando o ouvido, mas nada ouviu além de uma cantiga de grilo aqui e mais
adiante. Imaginou que Tião havia saído pra buscar os animais e as ancoretas com
o que traria a água. E demorou e demorou e nada. A vela já havia queimado a
metade e o diabo do negro Tião ainda não chegava com a água pra começar o
serviço.
De repente ela ouviu um
barulho de água caindo. Por onde ele havia chegado que nem fez barulho? Que
água mais pouca era aquela? Que marmota seria aquela de Tião ter ido tão
ligeiro? Abriu a janela de uma vez e viu o criado ainda abotoando a braguilha.
Os olhos mais pareciam umas tochas de fogo, de tão encarnadas que eram. Tião,
que é que tu tá fazendo com minhas roseiras? O pé do negro foi um vento. Até
hoje.
*
Pádua Marques, da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico,
Geográfico e Genealógico de Parnaíba, colaborador do Opiagui.
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