Miguel e Rosália, meus pais |
BREVE NOTÍCIA
FAMILIAR
Elmar Carvalho
Domingo
passado, recebi de meu pai breve anotação manuscrita, feita a meu pedido, sobre
os nossos avoengos. Ele registrou apenas o que sabia de memória, sem consulta a
registros de livros cartorários e outros alfarrábios. Muitas informações contidas
nesta nota estão nos livros “Vultos da História de Barras”, de Wilson Carvalho
Gonçalves, e em “O Ponta-de Rama” e “Ruas, Avenidas e Praças de Piripiri”,
ambos de meu primo Fabiano Melo, de onde as colhi. Meu pai tinha apenas treze
anos de idade quando foi chamado ao gabinete do diretor do tradicional Colégio
Diocesano, do qual era aluno interno, numa época em que pouquíssimos piauienses
conseguiam cursar o antigo ginásio.
Para que se
tenha uma pequena ideia de como era restritivo, excludente e elitista o sistema
de ensino, basta que eu diga que muitos de seus antigos colegas se tornaram
governadores, senadores, deputados, magistrados e detentores dos mais altos
cargos públicos do estado. Foi chamado, logo após concluir a prova parcial do
dia 30 de setembro de 1939, para receber do diretor Padre Chaves, que depois se
tornou um dos maiores historiadores do Piauí, a impactante notícia de que seu
pai havia morrido. Era filho único do terceiro casamento de meu avô. Padre
Chaves, que conheci e que concedeu a mim e ao jornalista Domingos Bezerra
excelente entrevista, que publiquei na revista Cadernos de Teresina, editada
pela Fundação Cultural que leva o seu nome, foi afetivo e cuidadoso ao dar a
notícia, proferindo palavras de conforto e resignação; recomendou que meu pai fosse repousar.
Meu avô tivera
oito filhos do primeiro consórcio e nenhum do segundo. Diante desse inesperado
acontecimento, papai voltou para Barras, a chamado de sua mãe, e só veio a
concluir o ginásio muitos anos depois. Meu avô paterno se chamava João de Deus
Nascimento; era filho de Emiliana e Silvestre Ribeiro do Nascimento. Graças a
seu esforço e labor, fez prosperar uma gleba de terra, situada na data Luiz de
Souza, e conseguiu amealhar algumas reses, engenho de cana e casa de farinhada.
Era respeitado em sua localidade e na cidade de Barras, onde era muito
conhecido. Para que se tenha uma idéia de sua personalidade marcante, basta que
eu conte dois episódios de sua vida.
Certo dia, uma
de suas noras, deu-lhe a notícia de que o marido estava de namoro com uma
mulher da redondeza. Meu avô chamou um agregado de sua confiança e se dirigiu
até certo ponto, perto da casa da amante de seu filho, de onde dava para ouvir
as gargalhadas e arrulhos dos dois pombinhos nos colóquios e conciliábulos
amorosos. Constatada a infidelidade cometida pelo rebento, ficou de tocaia.
Quando ele retornava para casa, o abordou de forma enérgica, e lhe disse que se
voltasse a “pular a cerca”, iria aplicar-lhe uma sova caprichada, de que ele
jamais esqueceria. Não se soube da surra, porque não mais se soube de
transgressão do rapaz. Eram os costumes severos da época, de fortes
reprimendas.
Morava, na
vizinhança, uma parenta de meu avô, creio que sobrinha, cega de nascença e
entrevada, como se dizia antigamente. Levava a vida a cantar hinos religiosos e
a rezar, em perpétua vigília e penitência. Meu avô, falecido em 1939, pedira
para ser enterrado perto de sua cova. Talvez tenha sido recebido por ela,
sarada de seus males, coberta pelo manto de glória e beatitude que deve ornar
os que levaram uma vida de sofrimento, renúncia e conformação. No cemitério
campestre da chapada de Luiz de Souza, perto de faveiras, sambaíbas,
paus-d'arcos e pequizeiros, repousam, lado a lado, os restos mortais de meu avô
João de Deus e dessa parenta, que aceitou com fé e resignação o sofrimento que
lhe coube, e que viveu como um anjo, a orar e a entoar cânticos e “excelências”
a Deus.
Meu avô
conheceu minha avó na cidade de Barras, onde ela morava em companhia de seu
irmão Elpídio Lucas Furtado de Carvalho. Chamava-se Joana Lina de Deus Carvalho
e nascera em Piripiri. Era filha de Miguel Furtado do Rego. Era sua mãe Izabel
Lina, de antigas estirpes cearense e piauiense. Muitas décadas após meu pai deixar o seu
pago, fui com ele conhecer o local onde ele nascera, que fica a poucos
quilômetros da cidade de Barras. Vi meu pai tomado de profunda emoção, com os
olhos marejados, a olhar o olho-d'água de sua infância, que ainda corria
perene, a rever o buritizal da várzea e o morro verdejante onde se erguera
outrora a casa de seu pai.
Meu avô materno se
chamava José Horácio de Melo, nascido no lugar Campestre, município de
Piracuruca, no dia 5 de agosto de 1893, e falecido em 13 de agosto de 1965. Era
filho de Horácio Luiz de Melo e Antônia Quitéria de Carvalho. Horácio Luiz era
filho de Antônio Luiz de Melo e Hygina Rosa de Menezes. Meu trisavô Antônio
Luiz de Melo era filho de Onofre José de Melo e Cecília Maria das Virgens,
oriundos de Pernambuco e fundadores da Casa do Desterro, situada na então
Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca. Desse casal descendem os
Melo do Vale do Longá (Piracuruca, Batalha, Barras, Piripiri e Campo Maior).
Antônia Quitéria tinha como pais João Bartolomeu de Carvalho e Mariana Rosa de
Carvalho. Eram do município de Piracuruca. Minha avó materna se chamava Maria
Carlota, e era chamada de Paroara, dizem que por causa de sua tez alva e rosada
como essa flor. Pertencia às famílias Sousa e Mendes, de Piracuruca. Morreu
jovem, quando minha mãe tinha apenas onze anos de vida.
Por essa razão,
mamãe foi morar com sua tia, irmã de seu pai, Maria Cristina Lima de Melo. Com
a morte desta, passou a morar com sua prima Mirozinha, minha madrinha, até
casar-se com meu pai. Devo muito a essa madrinha, que me emprestava, através de
meu pai, os livros da biblioteca do Grupo Escolar Valdivino Tito e os de seu
próprio acervo. Mamãe não guardou traumas e nem mágoas de sua orfandade, e nem
de ter morado com esses parentes. Pelo contrário, tinha uma quase veneração por
sua tia e por sua prima, e lhes tinha uma devoção de filha e irmã. Quando
falava delas, era sempre com saudade e respeito.
Nunca tive paciência
para empreender pesquisa histórica e muito menos genealógica, que acho importante, mas um
tanto tediosa, de modo que desejei fazer apenas um breve registro, para que
meus descendentes e irmãos conheçam um pouco dos nossos ancestrais. Aliás, meu
pai, homem humilde, mas altivo a seu modo e no bom sentido da palavra, sempre
foi avesso a empáfias e blasonarias de presumidas e pretensas nobiliarquias
genealógicas, sabedor de que todos somos pó e de que ao pó da terra voltaremos.
Só me falou, com mais detalhes, de nossos avoengos quando eu já tinha cinquenta
anos de idade, por sinal em Piripiri, terra a que somos ligados por laços de
sangue, no Auditório Osíris Neves de Melo, quando eu representava várias
academias a que pertenço, a convite da professora Clea Rezende Neves de Melo,
na solenidade em que foram lançados um livro dela e outro meu, o Lira dos
Cinqüentanos.
Meu pai, ainda
bem moço, veio para Campo Maior, onde trabalhou na Casa Inglesa.
Posteriormente, ingressou no antigo Departamento de Correios e Telégrafos -
DCT, através de concurso público, no ano de 1958. No início de sua vida de
casado e de servidor público, morou no povoado Papagaio, hoje cidade de
Francinópolis, por cerca de dois anos. O DCT virou ECT, e meu pai terminou indo
para Parnaíba, onde por vários anos chefiou a agência local dessa empresa. Mas,
amante inveterado e incondicional de Campo Maior, terminou regressando mais uma
vez a minha terra natal, onde, aposentado, pratica dominó todos os dias com os
irmãos Vicente, Antônio Wilson e Chico Andrade. Minha mãe consagrou todo seu
esforço e dedicação a cuidar do marido e dos filhos. E como cuidou!...
OBSERVAÇÃO: o vertente
registro foi acrescido, posteriormente, por informações contidas no trabalho
Casa do Desterro, da autoria do genealogista e historiador Valdemir Miranda de
Castro, publicado em 21.08.2015 no blog poetaelmar.blogspot.com.br, que faz
parte do seu livro em elaboração A colonização do Vale do Longá.
18 de março de 2010
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