segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Viajando no Passado pelo rio Itapecuru

Vapor típico que navegava pelos rios maranhenses
Porto de Codó em 1903



Viajando no Passado pelo rio Itapecuru

José Pedro Araújo
Historiador, romancista e cronista

Sempre tive curiosidade de saber como se davam os deslocamentos realizados no passado pelas águas dos rios Mearim e Itapecuru nas viagens de barco. Qual o seu grau de dificuldade, o seu desconforto e, principalmente, o tempo empregado em trechos, como o de São Luís a Barra do Corda, por exemplo, pelas águas do rio Mearim. Quantos dias se levava para ir de São Luís a Caxias, quando ainda não haviam as rodovias, navegando pelas águas do estreito Itapecuru? Pois, outro dia matei a minha curiosidade ao ler uma espécie de diário de bordo escrito pelo piauiense Dr. Araújo Costa, advogado e político radicado em São Luís do Maranhão por volta do ano de 1905.


Para quem costuma reclamar do tempo empregado para ir-se de Presidente Dutra a São Luís, seria muito interessante ler o relato do insigne cidadão publicado na Revista do Norte em 1905, e disponível no site da Biblioteca Bendito Leite. Garanto que se surpreenderia com a dificuldade de cobrir esse trecho que hoje gastamos pouco mais de quatro horas, mesmo com toda a dificuldade de trânsito que possamos encontrar.

O Dr. Araújo Costa embarcou no Vapor “Carlos Coelho” ao cair da noite no Cais da Sagração, antigo porto situado nas proximidades do Palácio dos Leões.  Acompanharam o seu embarque um numeroso grupo de amigos e familiares, como era praxe naquela época. Pela descrição, dava para ver que não havia conforto nenhum naquele tipo de embarcação. Além disso, o calor e as muriçocas importunavam os viajantes durante o dia e a noite. Dormiam em redes, alimentavam-se a bordo da embarcação, e, vez por outra, passavam por contratempos enormes, como quando o vapor encalhava em algum banco de areia e permanecia parado por longas horas naquela situação.


Outra dificuldade encontrada a bordo era na hora de se fazer as necessidades fisiológicas. Ele não fala nem de longe nisto, mas foi a primeira pergunta que me veio à mente. Em uma outra viagem, descrita por um outro aventureiro, quando se deslocava pelo mesmo rio em um barco idêntico ao que viajava o dr. Costa Araújo, o viajante contou as proezas realizadas a bordo da embarcação para se conseguir fazer algo assim. Dizia ele que se fazia uma verdadeira ginástica para se realizar essa necessidade tão comum, e tão desconfortável, quando não se tem um banheiro por perto. Este viajante, por exemplo, relatou que as mulheres usavam uma espécie de empanada com um tecido grosso para protegerem-se dos olhares dos outros embarcadiços, enquanto se aproximavam da amurada e faziam a operação ali mesmo. Nesse instante, jogavam as fezes diretamente nas águas do rio. Era assim ou não era. Não havia banheiro a bordo.

Como já afirmei, o autor da descrição da viagem a bordo do vapor “Carlos Coelho”, não desceu a esse tipo de detalhamento, mas relatou que quando chegava em uma cidade ribeirinha, como Rosário, Cantanhede, Coroatá e Codó, por exemplo, aproveitava a parada do barco e visitava a casa de alguns amigos. Disse ainda, que ali aproveitava para tomar banho e trocar de roupas. Que aproveitavam também para comprar mantimentos e, principalmente bebidas. Nesse momento a embarcação se mantinha parada no cais para receber mercadorias e novos passageiros. Os passageiros, então, como forma também de matar o tempo, empreendiam passeios de reconhecimento pela cidade. Até que o vapor apitava, chamando a todos para voltarem para bordo.

Em outros locais, quando das paradas do vapor para apanhar lenha em pontos previamente acertado, os passageiros aproveitavam para ir em busca de alguma moita para se aliviarem, e até mesmo tomar banho, ou simplesmente desciam para movimentar as pernas.

 Enfim, não era propriamente uma viagem cercada de confortos, mas afiançou o nosso viajante que o tempo a bordo era aproveitado para conversas com alguns amigos que também viajavam na mesma embarcação, e nessas ocasiões tomavam vinhos e outros tipos de bebida qualquer. Havia até mesmo um passageiro, o empresário Oeirense Coronel Luís Rego, que transportava seis vacas leiteiras de raça na embarcação. E essas vacas forneciam leite em quantidade para os passageiros diariamente. No café da manhã podiam contar, portanto, com leite fresco retirado das tetas das vacas momentos antes.

Finalizo o presente texto dizendo que o Dr. Costa Araújo iniciou a sua viagem, como já afirmei algumas linhas acima, dia 17 de julho, e somente chegou a Caxias, onde pretendia tomar o trem para Timon, à margem do rio Parnaíba, no dia 25 de julho, às 21:00 horas. Convenhamos que uma viagem dessas era coisa para se pensar bem antes de realizar. Arremato, a presente arenga, dizendo que havia um contínuo trabalho de limpeza do rio, em especial para remover os troncos das árvores que caiam e entupiam o seu leito, dificultando a passagem dos vapores. E que as viagens somente eram realizadas no período da estação invernosa, quando as águas do rio se elevavam e permitia o trânsito de embarcações. De janeiro a julho, portanto. No restante do ano era impossível transitar pelo rio, a não ser em canoas ou afins.     

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