Vapor típico que navegava pelos rios maranhenses |
Porto de Codó em 1903 |
Viajando no Passado pelo rio
Itapecuru
José Pedro Araújo
Historiador, romancista e cronista
Sempre tive curiosidade de saber
como se davam os deslocamentos realizados no passado pelas águas dos rios
Mearim e Itapecuru nas viagens de barco. Qual o seu grau de dificuldade, o seu
desconforto e, principalmente, o tempo empregado em trechos, como o de São Luís
a Barra do Corda, por exemplo, pelas águas do rio Mearim. Quantos dias se
levava para ir de São Luís a Caxias, quando ainda não haviam as rodovias,
navegando pelas águas do estreito Itapecuru? Pois, outro dia matei a minha
curiosidade ao ler uma espécie de diário de bordo escrito pelo piauiense Dr.
Araújo Costa, advogado e político radicado em São Luís do Maranhão por volta do
ano de 1905.
Para quem costuma reclamar do
tempo empregado para ir-se de Presidente Dutra a São Luís, seria muito
interessante ler o relato do insigne cidadão publicado na Revista do Norte em
1905, e disponível no site da Biblioteca Bendito Leite. Garanto que se
surpreenderia com a dificuldade de cobrir esse trecho que hoje gastamos pouco mais
de quatro horas, mesmo com toda a dificuldade de trânsito que possamos
encontrar.
O Dr. Araújo Costa embarcou no
Vapor “Carlos Coelho” ao cair da noite no Cais da Sagração, antigo porto
situado nas proximidades do Palácio dos Leões.
Acompanharam o seu embarque um numeroso grupo de amigos e familiares,
como era praxe naquela época. Pela descrição, dava para ver que não havia
conforto nenhum naquele tipo de embarcação. Além disso, o calor e as muriçocas
importunavam os viajantes durante o dia e a noite. Dormiam em redes,
alimentavam-se a bordo da embarcação, e, vez por outra, passavam por
contratempos enormes, como quando o vapor encalhava em algum banco de areia e
permanecia parado por longas horas naquela situação.
Outra dificuldade encontrada a
bordo era na hora de se fazer as necessidades fisiológicas. Ele não fala nem de
longe nisto, mas foi a primeira pergunta que me veio à mente. Em uma outra
viagem, descrita por um outro aventureiro, quando se deslocava pelo mesmo rio
em um barco idêntico ao que viajava o dr. Costa Araújo, o viajante contou as
proezas realizadas a bordo da embarcação para se conseguir fazer algo assim.
Dizia ele que se fazia uma verdadeira ginástica para se realizar essa
necessidade tão comum, e tão desconfortável, quando não se tem um banheiro por
perto. Este viajante, por exemplo, relatou que as mulheres usavam uma espécie
de empanada com um tecido grosso para protegerem-se dos olhares dos outros
embarcadiços, enquanto se aproximavam da amurada e faziam a operação ali mesmo.
Nesse instante, jogavam as fezes diretamente nas águas do rio. Era assim ou não
era. Não havia banheiro a bordo.
Como já afirmei, o autor da
descrição da viagem a bordo do vapor “Carlos Coelho”, não desceu a esse tipo de
detalhamento, mas relatou que quando chegava em uma cidade ribeirinha, como
Rosário, Cantanhede, Coroatá e Codó, por exemplo, aproveitava a parada do barco
e visitava a casa de alguns amigos. Disse ainda, que ali aproveitava para tomar
banho e trocar de roupas. Que aproveitavam também para comprar mantimentos e,
principalmente bebidas. Nesse momento a embarcação se mantinha parada no cais
para receber mercadorias e novos passageiros. Os passageiros, então, como forma
também de matar o tempo, empreendiam passeios de reconhecimento pela cidade.
Até que o vapor apitava, chamando a todos para voltarem para bordo.
Em outros locais, quando das
paradas do vapor para apanhar lenha em pontos previamente acertado, os
passageiros aproveitavam para ir em busca de alguma moita para se aliviarem, e
até mesmo tomar banho, ou simplesmente desciam para movimentar as pernas.
Enfim, não era propriamente uma viagem cercada
de confortos, mas afiançou o nosso viajante que o tempo a bordo era aproveitado
para conversas com alguns amigos que também viajavam na mesma embarcação, e
nessas ocasiões tomavam vinhos e outros tipos de bebida qualquer. Havia até
mesmo um passageiro, o empresário Oeirense Coronel Luís Rego, que transportava
seis vacas leiteiras de raça na embarcação. E essas vacas forneciam leite em
quantidade para os passageiros diariamente. No café da manhã podiam contar, portanto,
com leite fresco retirado das tetas das vacas momentos antes.
Finalizo o presente texto dizendo
que o Dr. Costa Araújo iniciou a sua viagem, como já afirmei algumas linhas
acima, dia 17 de julho, e somente chegou a Caxias, onde pretendia tomar o trem
para Timon, à margem do rio Parnaíba, no dia 25 de julho, às 21:00 horas.
Convenhamos que uma viagem dessas era coisa para se pensar bem antes de
realizar. Arremato, a presente arenga, dizendo que havia um contínuo trabalho
de limpeza do rio, em especial para remover os troncos das árvores que caiam e
entupiam o seu leito, dificultando a passagem dos vapores. E que as viagens
somente eram realizadas no período da estação invernosa, quando as águas do rio
se elevavam e permitia o trânsito de embarcações. De janeiro a julho, portanto.
No restante do ano era impossível transitar pelo rio, a não ser em canoas ou
afins.
Nenhum comentário:
Postar um comentário