SER CONSIDERADO VELHO NÃO TEM A
MENOR GRAÇA
Antônio Francisco Sousa – Auditor
Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Encontrei-me
com Sandoval, dia desses, exatamente, dezenove de março último. Como nunca
acontecera antes, dessa feita fui eu que, mesmo sem cumprimentá-lo, para seu
espanto, comecei a despejar mágoas minhas recentes.
Meu
caro, vou lhe dizer o seguinte: fazia muito tempo, nem me lembro quanto, que
uma tristeza assim, tão doída, absoluta, pesadíssima se abatera sobre mim, como
ontem. Completava quarenta e três anos de serviço público, no qual ingressei
aos dezoito anos. Sem festa, mas, a despeito do coronavírus que já ocupava
todos os meios de comunicação, todas as conversas familiares, todos os
discursos e espaços disponíveis, senti-me bastante feliz com as efemérides que
o Todo-Poderoso me permitira viver: era muito tempo de trabalho, e eu, ainda
“novinho” em folha, sentindo-me disposto, um bem conservado ex-atleta. Isso
tudo, toda essa alegria mixou ao chegar em casa e receber dura admoestação,
seguida de ditatorial ordem familiar: que é que o senhor pensa estar fazendo,
saindo de casa para trabalhar quando até o governo já abriu a exceção,
principalmente, para pessoas na sua condição, de fazer isso em casa? Se não se
incomoda, pessoalmente, bom que saiba que tem outros com os quais convive que
não aprovam essa sua “maluquice”. O senhor não é nenhum super-homem, está na
faixa de idade cujo risco em relação à COVID-19 é muito maior que todos de sua
casa. Pense nos filhos, na esposa, nos netos. A partir de agora, fique em casa,
não saia sob propósito algum, estamos combinados?
Como não sou um bobo comum, mas um grandíssimo
tolo, percebi que, de fato e de direito, passara a ser o mais novo idoso da
família. E pude constatar, amigo, que ser considerado, pelos outros, velho é
muito pior do que por si mesmo.
Sandoval
quis intervir, não deixei. Meu velho, nunca pensei que isso machucasse tanto;
talvez mais porque a verdade fora tornada pública pela mesma família que, em
muitas oportunidades, antes, teimara em me contrariar quando dizia já estar
ficando velho, afirmando que não, que eu parecia bem melhor do que alguns
deles, mais novos. Um bando de mentirosos, enganadores. Foi só um malsinado e
desgraçado vírus aparecer para que a verdade viesse à tona.
Portanto, perguntaria a você,
Sandoval: será que depois que a situação se normalizar, for superada esta
amaldiçoada virose, caso permaneça saudável, deveria aceitar os rapapés e
salamaleques daqueles falsos? Mesmo que continue fazendo as coisas que somente
os não velhos realizam: peladinhas três vezes por semana; cervejinhas sempre
que tiver vontade; uma panelada ou um sarapatel, por mês, e outros atos e ações
sobre os quais não preciso falar, vou continuar ou não atravessado com eles? Ou
seria melhor aproveitar a nova e fática velhice para agir como um velhinho mau:
explorar a boa vontade, a paciência e a disponibilidade dos jovens familiares,
sempre que entender necessário?
Dando
um tempo, permiti a Sandoval manifestar-se. Olhe aqui, amigo, isso que
aconteceu a você somente agora, e por conta de um maldito vírus, faz tempo vem
ocorrendo comigo. Até já me acostumei; não raro, deixo que digam ou façam como
quiserem. Às vezes, quando algo ocorre de forma contrária ao que decidiram,
critico ou questiono: por que não falaram comigo, antes; um cidadão mais velho
e experiente, certamente, não faria a bobagem que fizeram? Bem feito. E
continuo o discurso: olhem, velhice não veio só para fazer doer todos os nossos
ossos e juntas, adoecer-nos ou nos tornar grandes teimosos, mas, também, para
nos fazer escutados, sermos consultados, pensarmos em soluções que passariam
despercebidas ou nas quais vocês nem pensariam, prezados jovens. Experiência,
meus amigos, serve, inclusive, para levarmos quem pensa que sabe tudo mais que
todos - como se dizia quando eu era jovem - “numa boa”.
Retomando
a palavra, para encerrar, falei a Sandoval – mas gostaria que elas ecoassem ou
replicassem em outras paragens -: vou tentar me acostumar com a recém-adquirida
velhice. Creio que vou precisar de muito menos tempo do que o já prestado como
servidor público. Na verdade, acho que vai ser fácil: bastar-me-á passar a não
aceitar que refutem ideia que, antes, lançava e que, no fundo, parecia
verdadeira: de que eu era um idoso já anteriormente ao último dia dezenove de
março.
Todavia,
ser considerado velho, de repente, principalmente, por quem vivia inflando seu
ego, iludindo-o, negaceando essa sua condição, não tem a menor graça. Isto é
fato. Comigo concordou Sandoval, com um gesto de cabeça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário