DIÁRIO
[Homo deus e nenhum tempo para Deus]
Elmar Carvalho
13/04/2020
Logo de início, quero deixar bem claro que não desejo dar ao registro
de hoje nenhuma conotação religiosa e apocalíptica ou escatológica. Pretendo
apenas fazer algumas observações e constatações de forma muito sintética,
referentes às últimas quatro décadas. Não irei julgar ninguém e tampouco irei
dar lições de moral a quem quer que seja; deixarei que o leitor, se o quiser,
se dê a esse mister.
De muito
tempo a essa parte, o marido e a mulher são empregados, com as exceções que
sempre existem. Em consequência, os filhos são cuidados e educados pelos avós,
pelas creches, pelas escolas, por empregadas, cuidadores, parentes ou são
criados “soltos”. Não sei como são aplicadas as instruções morais, éticas,
religiosas e como é feita a disciplina e o estabelecimento de limites. Noto que
a intolerância, o uso de drogas e os crimes têm aumentado bastante nas últimas
décadas.
As músicas e
as letras dos dias atuais, em sua maioria, são um “espanto” e um escárnio, e
muitas fazem apologia ao sexo pelo sexo, às bebedeiras, ao culto ao corpo,
sobretudo às bundinhas grandes e malhadas, subindo e descendo em frenético
rebolado, e às outras formas de hedonismo. As pessoas, na quase totalidade,
desde que acordam, ficam agarradas aos aparelhos eletrônicos, tais como
televisão, rádio, celulares, aparelhos de som e de jogos... Acho que poucos
oram, e quando o fazem é de forma apressada e mecânica.
No trânsito,
predominava a pressa e a intolerância. Imperava a inquietação dos que não
tinham tempo, e que agora se quedam em casa, com todo tempo do mundo, reféns de
seu próprio medo, mascarados de uma espécie de carnaval esdrúxulo e extemporâneo.
O cometimento de crimes por motivos egoísticos, como vinganças, estupros,
latrocínios, furtos e assaltos, ganharam proporções assombrosas, e parece que
aumentam a cada momento. Grassam o gigantismo do ter e o raquitismo do ser.
Segundo Lao-Tsé “Não há pecado maior / Do que o excesso da ganância”. O culto
ao luxo, às joias caras, ao dinheiro e à gula parece adquirir mais adeptos a
cada minuto.
A cortesia, a bondade e a caridade
vão perdendo espaço, embora com notáveis exceções, enquanto os shoppings, os
bares, os restaurantes e as academias de malhação vão ganhando novos
frequentadores. Os templos do consumismo vão prosperando, e os de verdade,
minguando. E como faz falta o Profeta Gentileza e o seu grande estandarte, em
que eram listadas as virtudes de sua pregação.
Deixo que o leitor medite sobre a
questão das drogas, lícitas ou ilícitas. Muitos não conseguem viver em paz sem
o uso de medicamento, e outros só dormem sob o efeito de soníferos. Poucos
conseguem viver em silêncio ou fazer alguma meditação. Sempre, sempre e sempre
um aparelho eletrônico tem de estar ligado.
Muitos se achavam imprescindíveis e
poderosos, senão mesmo insubstituíveis. Anoto que os cemitérios estão cheios de
insubstituíveis e valentões. Vem crescendo o número dos que orgulhosamente se
proclamam ateus. Parece que os cientistas, hoje, têm vergonha de se declararem
crentes em um Ser Supremo. Neste ponto, sigo Einstein, que proclamou: “Existem
apenas duas maneiras de ver a vida. Uma é pensar que não existem milagres e a
outra é que tudo é um milagre. Eu acredito nessa última”. Aliás, alguns
desconfiam que são deuses, ao passo que muitos outros têm certeza. Não é por
acaso que o Homo Deus é um dos livros mais vendidos. Ocorre que o homem está
muito, mas muito mesmo, infinitamente distante de ser Deus.
Da televisão e dos jornais o sangue
jorra aos borbotões. A maioria dos programas noticiosos são feitos apenas de
notícias sensacionalistas, e quanto mais sangrentas, melhores. Pequeno espaço é
reservado para a arte e a cultura. A literatura, a pintura, a escultura, a
dança, o teatro pouco ou nada são divulgados. Quando o fazem, é apenas para uma
música de gosto duvidoso (ou de nenhum gosto ou simples mau-gosto), a que já fiz
referência. O altruísmo e a generosidade, que ainda existem, não são noticiados,
ao menos para que sirvam de estímulo e de exemplo. Peço perdão se cometi algum
exagero ou injustiça.
Aí, de repente, um invisível vírus,
um “virusinho” de nada fez grande parte da humanidade entrar em férias coletivas,
através das quarentenas em todos os continentes e países, tirando todo mundo de
seu nicho ou zona de conforto. Não irei falar nas consequências econômicas. Sei
que os acidentes de trânsito e a poluição diminuíram. Os poderosos,
imprescindíveis e insubstituíveis puderam descansar em suas casas, ou estão em
leitos de hospitais. Espero que reflitamos e nos tornemos melhores, quando
sairmos do distanciamento social. Não disse voltarmos à nossa rotina, porque
desejo que criemos novas e melhores práticas e costumes.
Deixo a seguinte pergunta e
advertência: e se no futuro vier um vírus mais contagioso e mais letal?
E mais esta: e se vier “apenas” um
simples vírus de computador, mas que apague todos os sistemas, todos os
programas, todos os sites governamentais e particulares, todas as redes
sociais, de tal sorte que ficássemos somente com uma tela em branco, ou nem
mesmo isso?
Como dizia o padre Raimundo José Airemoraes
Soares (1933), grande erudito e poliglota, professor da UFPI e membro da
Academia Piauiense de Letras, pelas “ondas sonoras” da rádio Pioneira, em seu
programa A cidade medita:
“Medita, cidade!” Faça a sua reflexão, e tire as suas próprias conclusões,
amigo leitor.
Bom dia, Elmar, como você está? Concordo plenamente que a vida da sociedade não deverá ser mais a mesma depois de "virusinho".
ResponderExcluirAbraço,
Everardo-Parnaíba-PI
Estou bem. Estou aproveitando para fazer umas leituras voltadas para a reflexão e o fortalecimento espiritual, tais como Tagore, Rumi, São João da Cruz, Kempis, Chopra, Santo Agostinho e outros mestres, e também para escrever alguma coisa, como o amigo deve ter notado.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBelo texto, Mestre. Concordo com as pautas abordadas, ademais, entristeço-me ao lembrar que a ignorância social tenha chegado a um patamar tão elevado que até desconfio do provável "efeito positivo" deste "virusinho", como o amigo retratou acima. Vendo os fatos atuais, por incrível que pareça, constatamos “criaturas” rogando pelo pior; tudo por questões meramente políticas, por exemplo. Temo, ainda, que a nefasta inversão de valores, que assola a sociedade, interfira no entendimento de que, nesta Terra, estamos apenas de passagem, pois, como dito no próprio texto, não há um Homo Deus, e, nem sequer, algo próximo do Ser supremo. Peço que não entenda minha opinião como pessimista, mas, infelizmente, como realista.
ResponderExcluirVeremos...
ResponderExcluirQuem viver, verá.
Mas acho que alguma lição restará aprendida.