quarta-feira, 29 de abril de 2020

NEM ELES NEM NÓS SOMOS DEFENSÁVEIS




NEM ELES NEM NÓS SOMOS DEFENSÁVEIS

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)    

                Gostaria de que este texto pudesse ser uma razoável tentativa de defesa dos homens públicos que nos governam e representam nos parlamentos, contra ataques vindos dos mais diferentes lados, atingindo-os nos mais diversos flancos. Desde já, considero ingrata a missão a que me proponho. Ao longo do arrazoado, vou me servir de dois exemplos de situações, vivenciadas nestes dias atribulados pelo coronavírus, e que me induziram ao tema.

                Para começar, um episódio ocorrido um pouco antes da decretação de isolamento da população, envolvendo os governos brasileiro e americano em uma pretensa aquisição de máscaras oriundas da China, em que os ianques levaram a melhor. Pelo que se discutiu, após o acontecido, parece que não houve nenhuma irregularidade naquela negociação. Tudo indica que nossa burocracia foi o grande empecilho a um desfecho favorável a nós. Segundo se soube – diplomata americano quase confirmou essa versão -, o  procedimento licitatório empreendido para a aquisição dos equipamentos já havia indicado o fornecedor vencedor, mas não se concluíra até a data em que os Estados Unidos ficaram com o material; certamente, ou não se autorizou a emissão do empenho, ou o processo sofreu algum tipo de contestação por parte dos concorrentes, o que levou o  caso a uma possível análise posterior;  fato é que essa solução temporária de continuidade - enquanto os documentos não se tinham lavrado conforme exigiam os trâmites burocráticos -, permitiu que viesse um comprador menos prolixo e mais prático, fizesse uma contraproposta à fornecedora chinesa e levasse o que achávamos que já nos pertencia.

                Pouco tempo depois de esse imbróglio, graças a uma brecha legal, governos decretaram estado de urgência ou de calamidade pública nas suas plagas, o que lhes facultaria a dispensa de licitação para aquisição de produtos, mercadorias, materiais e a contratação de serviços inseridos no objeto da norma legal. Imaginariam os senhores que essa tomada de decisão político-administrativa, redutora da burocracia formal e oficial, respaldada em legislação vigorosa e rigorosa, teria recebido a aceitação e a compreensão da população beneficiada por suas consequências?

                Dela, talvez sim, mas não de parlamentares adversários, críticos do quanto pior, melhor; pseudoformadores de opinião, especialistas em tudo, que aproveitaram a deixa para desancar governos que se mostrassem favoráveis à adoção da medida legal. De um lado, atacavam uns acusando governante tal de se valer da falta de licitação para facilitar ou alavancar negócios com gente caseira, empresários camaradas; de outro, políticos ostracistas, adversários temporários, oportunistas, maria vai com as outras, sugeriam, nem tão subliminarmente que, com fiscalização precária ou mesmo sem, a aquisição de produtos de difícil prestação de contas, como os descartáveis, deterioráveis ou de rápido consumo, seria um prato cheio de oportunidades de que muitos gestores públicos poderiam se valer para salvar a colheita; lavar a burra.

                Todavia, considerando esses dois aspectos, aparentemente dicotômicos entre si: excesso de burocracia, provocado por infindáveis meandros administrativos, de fiscalização e controle legais, que, não raro, faz com que bons negócios se percam e mal feitos se façam; e relaxamento nos procedimentos licitatórios, propiciado por estados de urgência ou de calamidade pública, cuja finalidade seria facilitar a aquisição de bens e serviços em tempo de crise; ainda assim, restariam ineficientes como instrumentos de defesa de certos gestores, pois insuficientes para aferir ou distinguir ações de governo ou políticas e atos de boa vontade pública, de condições indutoras ao desvio de finalidade, facilitadores de maracutaias políticas. É que, de tão desacreditados, hoje, governantes e parlamentares, por mais que tentem fazer, por melhores intenções que pareçam ter, não conseguem se tornar críveis, nem perante aqueles para os quais, enquanto espécies, eles sempre serão cidadãos inconfiáveis, muito menos junto aos que têm como melhor e mais produtiva atividade política a crítica, nem sempre responsável, como são as feitas, não a partir de fatos comprovados, mas de especulações, suposições, inverdades.

                Enfim, confesso-lhes: não logrei construir uma boa defesa dos governantes e parlamentares que temos - mesmo achando que, como nos casos acima citados, certa credibilidade alguns merecem, como a desmerecem críticos detratores -, mas creio que consegui entender porque, apesar de criticados e desacreditados, pleito após pleito, lá estão eles, buscando manter ou conquistar o poder: senão é pelos vencimentos que percebem ao longo dos mandatos, pois, até o mais bronco indivíduo sabe que são muito menores do que os custos das campanhas que enfrentam; nem por se sentirem imprescindíveis, bastiões últimos do bom serviço público; claro, deve ser pelo prazer que antegozam a cada nova eleição sabendo que os que os criticaram até ali os reconduzirão aos palácios governamentais e parlamentares; e, só para que tudo permaneça como dantes, em um quase eterno círculo vicioso, serão, também eles, os mesmos que continuarão criticando-os, espezinhando-os, demagógica e, por que não, hipocritamente. Ou seja, eles e nós somos indefensáveis.   

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