À MEMÓRIA DE MEMORÁVEIS MÚSICOS
José Francisco Marques
Professor, instrumentista e escritor
Chagas Sitônio era mecânico de bicicletas. Grande, na arte
de consertar as “magrelas”, dando fino trato às mesmas. Tinha esse honrosa
função, mas detrás daquele homem simples e humilde, escondia-se um grande
músico. Tão bom, que sempre que aparecia algum concurso à época(pasmem, hoje na
modernidade, não aparece um evento similar), ele era agraciado com o primeiro
lugar, carregando ao colo apenas sua
sanfoninha de oito baixos, companheira inseparável de seus momentos musicais.
Ele tinha uma oficina na Rua Coronel Antônio Maria e bem
novo ainda, driblando meus pais e os estudos, lá estava eu em sua oficina.
Lembro-me que certa feita, ao pegar o violão e arremedar algumas notas, ele,
olhando por sobre os óculos me disse: essa sua mão direita é muito boa! Aquilo
foi o maior elogio que recebi até hoje. De fato não me tornei músico por
profissão, mas tenho sérias dificuldades ainda hoje com a minha mão esquerda,
responsável pela elaboração dos acordes.
Tive sorte de nascer em uma rua extremamente musical.
Lembro-me bem do grande cantor Chico Baú, possuidor de uma voz fantástica, pois
o seu grave assemelhava-se ao grande Nelson Gonçalves. Como esquecer Valdir do
Banjo, importado diretamente do Bairro Flores? Era um mago nesse instrumento,
com um detalhe interessante: ele mesmo fabricava o seu instrumento. Era também
frequentador da oficina de mestre Sitônio.
Na época propícia à apresentação do Bumba meu boi ou em
tempos de Santo Reis, havia um encontro na madrugada desses verdadeiros
artistas, que resgatavam em termos de cancioneiros, os mais belos registros. Lá
estava eu, depois de sorrateiramente sair escondido obviamente dos meus pais,
em verdadeiro transe para ouvir aqueles hinos que elevavam a minha alma muito
além do mais profundo infinito. No percurso até o local, já de longe ouvindo a
música que se fazia alcançar a minha audição, os paralelepípedos da rua,
magicamente se faziam sobrepostos formando notas musicais em suaves
movimentações sincrônicas. Eu levemente flutuava aos acordos inigualáveis
daquele excelso concerto. Jamais irei
esquecer, pois ecoa ainda hoje em meus ouvidos os acordes preparatórios e em
seguida a canção da qual, entranhada na minha memória, vem-me à mente saudosa
os seguintes versos iniciais:
“ Catirina que só quer
Comer da língua do boi
Carne seca na janela
Quando alguém olha pra ela
Pensa que lhe dão valor”
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