domingo, 27 de junho de 2021

Seleta Piauiense - Hermínio Castelo Branco

 


Canto do Desterrado


Hermínio Castelo Branco (1851 – 1889)

 

Qual é o ente que longe

Do torrão onde nasceu,

Desterrado no estranho,

Não se recorda do seu?

A distância é importante

Para quem saudades sente.

 

Tenho saudades dos bosques,

Das brenhas virgens, sombrias,

Dos tabocais intricados,

Entre as vertentes mais frias,

Dos campos tenho saudades,

Onde eu brincava de tarde.

 

Tenho saudades das fontes,

Dos olhos-d’água vitais,

Das lagoas pitorescas

Das cascatas naturais

E da sombra hospitaleira

Da soberba gameleira.

 

Tenho saudade das noites,

Em que passei atilado,

Sobre ramos de pau-d’arco,

Suavemente embalado

Sob um luar prazenteiro,

Esperando o capoeiro.

 

Tenho saudades do ronco

Que fazia o tambori.

E do queixoso carpido

Da queixosa juriti;

Tenho saudades, também,

Do vigilante quenquém.

 

Dos mundéus tenho saudades

Nas veredas dos tatus

E dos laços que armava

Para colher as nambus

Tenho saudosa memória

Do cantar da sericória.

 

Tenho saudades do grito

Retumbante da acauã,

Sobre o atalho do morro,

Pousada pela manhã.

E da funerária risada

Da mãe-de-lua, chamada.

 

E da temida raposa

Da chapada das Mangabeiras,

E velozes caititus

Das matas das Cabeceiras,

E do macaco ladrão

Das roças do Batalhão.

 

Enfim, eu tenho saudades

De todo meu Piauí:

Prefiro enterrar-me lá,

A ser imortal aqui

E confio em Deus bondoso

De ser ainda ditoso.

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