Canto do Desterrado
Hermínio Castelo Branco (1851 – 1889)
Qual é o ente que longe
Do torrão onde nasceu,
Desterrado no estranho,
Não se recorda do seu?
A distância é importante
Para quem saudades sente.
Tenho saudades dos bosques,
Das brenhas virgens, sombrias,
Dos tabocais intricados,
Entre as vertentes mais frias,
Dos campos tenho saudades,
Onde eu brincava de tarde.
Tenho saudades das fontes,
Dos olhos-d’água vitais,
Das lagoas pitorescas
Das cascatas naturais
E da sombra hospitaleira
Da soberba gameleira.
Tenho saudade das noites,
Em que passei atilado,
Sobre ramos de pau-d’arco,
Suavemente embalado
Sob um luar prazenteiro,
Esperando o capoeiro.
Tenho saudades do ronco
Que fazia o tambori.
E do queixoso carpido
Da queixosa juriti;
Tenho saudades, também,
Do vigilante quenquém.
Dos mundéus tenho saudades
Nas veredas dos tatus
E dos laços que armava
Para colher as nambus
Tenho saudosa memória
Do cantar da sericória.
Tenho saudades do grito
Retumbante da acauã,
Sobre o atalho do morro,
Pousada pela manhã.
E da funerária risada
Da mãe-de-lua, chamada.
E da temida raposa
Da chapada das Mangabeiras,
E velozes caititus
Das matas das Cabeceiras,
E do macaco ladrão
Das roças do Batalhão.
Enfim, eu tenho saudades
De todo meu Piauí:
Prefiro enterrar-me lá,
A ser imortal aqui
E confio em Deus bondoso
De ser ainda ditoso.
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