sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Alcenor – senhor e pastor de palavras

Alcenor em charge de Fernando di Castro

 

Alcenor – senhor e pastor de palavras

 

Elmar Carvalho

 

Alcenor Rodrigues Candeira Filho. Poeta. Crítico e historiador literário. Ensaísta. Conferencista. Advogado. Procurador Federal, lotado no INSS. Agente da Previdência Social em Parnaíba, há quase dez anos. Professor da Unidade Escolar Alcenor Candeira (O Cobrão) e da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso, ministrando, entre outras, as disciplinas Português, Literatura Brasileira e Direito Administrativo. Casado com Simone, com quem teve os filhos Dina, Diana e David. Nasceu em Parnaíba, em 10.02.1947.  

Colaborador de vários jornais e revistas do Piauí, entre os quais: Inovação, Norte do Piauí, A Libertação, Presença e Almanaque da Parnaíba. Participou das seguintes obras coletivas: Poetas do Brasil, Aviso Prévio, Salada Seleta, Poemágico, Poemarít(i)mos e Andarilhos da Palavra II. Autor dos seguintes livros (publicados): Sombras entre Ruínas, Rosas e Pedras, Das Formas de Influência na Criação Poética, A Insônia da Cidade e Aspectos da Literatura Piauiense.

Sendo o poeta a antena da raça, no dizer de notável versejador, ou profeta dos nossos dias, como já sustentei em palestra na cidade de Luzilândia, cabe-lhe a tarefa de chamar a atenção, através de linguagem artisticamente elaborada, para as mazelas e injustiças, que nos assolam a todos, e para os grandes sentimentos e temáticas, sem os quais a vida seria insípida e incolor.

Nesse aspecto, Alcenor cumpre bem a sua missão/função de poeta, ao assenhorear-se de todos os temas. Porque ser vate – além e aquém de todos os vaticínios e premonições – é cantar a vida, e a vida é a miragem e a paisagem, as rosas e as pedras, as sombras entre ruínas, o amor e os desencontros, a insônia da cidade, a amizade, os problemas sociais, e todos os demais assuntos que a sua poesia aborda, com arte, emoção e muita pertinência. De sorte que o nosso poeta é senhor de temas, e os molda, qual barro na mão do oleiro, ao sabor de suas idiossincrasias e preferências artísticas.

Várias são as teorias sobre o tempo. A do tempo que flui do passado para o futuro; a que do que corre do futuro para o passado; a do tempo circular, sempre a se repetir, e que não remonta a Nietzsche, em seu eterno retorno, mas a Eudemo, na Grécia de três séculos antes de Cristo. Todavia, em qualquer dessas hipóteses, que não cabe aqui aprofundar, o passado está sempre presente, sempre forte e poderoso – tanto quanto ou até mais que o presente e o futuro. O presente ao tempo em que ocorre se exaure, encerrando-se, como uma concha, em si mesmo, enquanto o futuro não aconteceu, e ao acontecer já não é futuro e sim presente.

Pois Alcenor, ao afastar-se de preconceitos relativos a época, é também senhor do tempo, e não escravo. O poeta deve transitar livremente no tempo e no espaço, e mergulhar em todas as temáticas, matemáticas e mágicas por um sincretismo (eu diria ecletismo, porquanto absorve e aperfeiçoa o que de melhor existe nas várias correntes e escolas literárias), em que versos neoclássicos convivem, sem nenhuma segregação, harmonicamente, com versos simbolistas, concretistas, modernistas, experimentalistas.

E Alcenor o faz muito bem, graças ao talento de uma vocação poética amalgamada sem as imperfeições da pressa, que não raras vezes acarreta a primazia da quantidade sobre a qualidade, e temperada com o seu profundo conhecimento de teoria literária, já que por força de sua profissão de professor de literatura é um devorador de críticas e ensaios literários. Ousaria dizer que o nosso vate é um experimentalista, a circular com desenvoltura do passado para o futuro, e vice-versa, e em todas as direções espaciais e temáticas. Considerei o futuro porque o timbre forte de sua individualidade transparece nitidamente em seus poemas, como uma impressão digital inimitável de sua alma, que lhe assegurará a permanência no tempo.

O poeta em tela, conforme frisei anteriormente, discorre sobre todos os temas, com originalidade, competência e arte. Denuncia as injustiças sociais, sem ser panfletário; canta o amor, sem pieguice; exalta a paisagem, em seu telurismo de homem de seu tempo e de seu meio, sem ser meramente descritivo; poeta sobre paixão e sexo, sem vulgaridades e sem mau-gosto. Isso porque o autor de A Insônia da Cidade domina seu ofício, e utiliza com m(a)estria todos os recursos que a linguagem proporciona, através de metáforas inusitadas, mediante o ritmo com que faz a palavra dançar em seu poema, por meio de aliterações, coliterações, rimas toantes e consoantes e outros artifícios com que canta e nos faz (en)cantar. É hábil ao dispor as palavras na página em branco, desenhando imagens concretas, com que enriquece a mensagem. Exemplo do que acabamos de afirmar é o poema VITA, em que o poeta diz o máximo com o mínimo de palavras, numa absoluta concisão em que existem conectivos, verbos, advérbios, etc., mas que exprime tudo em sua precisão conteudística, imagética e até (ma)temática:

nasc

            ente

cresc

            ente

do

            ente

po

            ente

Ressalte-se, ainda, em nosso poeta a inventividade, finamente tecida em seus versos, mas que nunca descamba para um cerebralismo hermético e frio. Ao contrário, sua arte é elaborada com emoção – emoção que nos toma de assalto – mediante uma linguagem arrebatada, mas ao mesmo tempo contida em sua depuração estilística.

No poema XIX. Pedra do Sal, pertencente à série Poemas do Torrão Natal, comprova-se o alto nível da poesia de Alcenor, seu talento, sua capacidade de síntese, sua inventividade, vasados em linguagem sonora, ritmada e anti-discursiva, em palavras curtas e essenciais, onde as últimas de cada um dos versos, de no máximo quatro letras, formam as vogais (a, e, i, o, u). V Vejamos o poema referido:

Pedra do Sal

porta do céu

porto do cio

pista do sol

no sal azul.

Poderíamos, ainda, fazer várias observações sobre a construção artesanal, de precisão cirúrgica, do pequeno/grande poema acima transcrito, mas não o faremos para não retirar do presente trabalho o seu sabor de crônica de crítica literária, como diria o professor Cunha e Silva Filho, impingindo-lhe um caráter enfadonho e tecnicista. Deixaremos ao leitor, numa leitura arguta, artística e astuta, esse mister misterioso de se tornar um leitor/autor.

Alcenor é um senhor e pastor de palavras, em suas largas lavras de versos. As palavras são suas escravas, atendem a seu chamado, ajustam-se a seu lavor poético, e tomam a forma e o discurso que o poeta lhes exige, com docilidade e harmonia. Mas semelhante ao bom pastor da parábola de Cristo, Alcenor cuida bem do seu rebanho de palavras, sem permitir que nenhuma se perca. Todas acodem – rosas pressurosas – ao seu chamado, e se vão abrigar no redil aglutinador de seus poemas. As palavras são servas que se fazem senhoras pelo desvelo/zelo do amante poeta/pastor.

A insônia nos contagia. Ao lermos Alcenor – esse mago domador, senhor e pastor de palavras, em suas larvas de vida, vindima e vindita, sono, sonho e sombras – o tédio, certamente, não nos afetará. E o enlevo que sentimos nos elevará a páramos paradisíacos e dionisíacos a que só a poesia dos grandes rapsodos consegue nos raptar.

As musas e sereias de seus poemas nos chamam, e às flamas flamejantes dessas “veludosas vozes” atenderemos, entre a compulsão e o desejo ardente.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário