Alcenor em charge de Fernando di Castro |
Alcenor – senhor e pastor de palavras
Elmar Carvalho
Alcenor Rodrigues Candeira Filho. Poeta. Crítico e
historiador literário. Ensaísta. Conferencista. Advogado. Procurador Federal,
lotado no INSS. Agente da Previdência Social em Parnaíba, há quase dez anos.
Professor da Unidade Escolar Alcenor Candeira (O Cobrão) e da Universidade
Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso, ministrando, entre outras, as
disciplinas Português, Literatura Brasileira e Direito Administrativo. Casado
com Simone, com quem teve os filhos Dina, Diana e David. Nasceu em Parnaíba, em
10.02.1947.
Colaborador de vários jornais e revistas do Piauí, entre os
quais: Inovação, Norte do Piauí, A Libertação, Presença e Almanaque da
Parnaíba. Participou das seguintes obras coletivas: Poetas do Brasil, Aviso
Prévio, Salada Seleta, Poemágico, Poemarít(i)mos e Andarilhos da Palavra II.
Autor dos seguintes livros (publicados): Sombras entre Ruínas, Rosas e Pedras,
Das Formas de Influência na Criação Poética, A Insônia da Cidade e Aspectos da
Literatura Piauiense.
Sendo o poeta a antena da raça, no dizer de notável
versejador, ou profeta dos nossos dias, como já sustentei em palestra na cidade
de Luzilândia, cabe-lhe a tarefa de chamar a atenção, através de linguagem
artisticamente elaborada, para as mazelas e injustiças, que nos assolam a todos,
e para os grandes sentimentos e temáticas, sem os quais a vida seria insípida e
incolor.
Nesse aspecto, Alcenor cumpre bem a sua missão/função de
poeta, ao assenhorear-se de todos os temas. Porque ser vate – além e aquém de
todos os vaticínios e premonições – é cantar a vida, e a vida é a miragem e a
paisagem, as rosas e as pedras, as sombras entre ruínas, o amor e os
desencontros, a insônia da cidade, a amizade, os problemas sociais, e todos os
demais assuntos que a sua poesia aborda, com arte, emoção e muita pertinência.
De sorte que o nosso poeta é senhor de temas, e os molda, qual barro na mão do
oleiro, ao sabor de suas idiossincrasias e preferências artísticas.
Várias são as teorias sobre o tempo. A do tempo que flui do
passado para o futuro; a que do que corre do futuro para o passado; a do tempo
circular, sempre a se repetir, e que não remonta a Nietzsche, em seu eterno
retorno, mas a Eudemo, na Grécia de três séculos antes de Cristo. Todavia, em
qualquer dessas hipóteses, que não cabe aqui aprofundar, o passado está sempre
presente, sempre forte e poderoso – tanto quanto ou até mais que o presente e o
futuro. O presente ao tempo em que ocorre se exaure, encerrando-se, como uma
concha, em si mesmo, enquanto o futuro não aconteceu, e ao acontecer já não é
futuro e sim presente.
Pois Alcenor, ao afastar-se de preconceitos relativos a
época, é também senhor do tempo, e não escravo. O poeta deve transitar
livremente no tempo e no espaço, e mergulhar em todas as temáticas, matemáticas
e mágicas por um sincretismo (eu diria ecletismo, porquanto absorve e
aperfeiçoa o que de melhor existe nas várias correntes e escolas literárias),
em que versos neoclássicos convivem, sem nenhuma segregação, harmonicamente,
com versos simbolistas, concretistas, modernistas, experimentalistas.
E Alcenor o faz muito bem, graças ao talento de uma vocação
poética amalgamada sem as imperfeições da pressa, que não raras vezes acarreta
a primazia da quantidade sobre a qualidade, e temperada com o seu profundo
conhecimento de teoria literária, já que por força de sua profissão de
professor de literatura é um devorador de críticas e ensaios literários.
Ousaria dizer que o nosso vate é um experimentalista, a circular com
desenvoltura do passado para o futuro, e vice-versa, e em todas as direções
espaciais e temáticas. Considerei o futuro porque o timbre forte de sua
individualidade transparece nitidamente em seus poemas, como uma impressão
digital inimitável de sua alma, que lhe assegurará a permanência no tempo.
O poeta em tela, conforme frisei anteriormente, discorre
sobre todos os temas, com originalidade, competência e arte. Denuncia as
injustiças sociais, sem ser panfletário; canta o amor, sem pieguice; exalta a
paisagem, em seu telurismo de homem de seu tempo e de seu meio, sem ser
meramente descritivo; poeta sobre paixão e sexo, sem vulgaridades e sem
mau-gosto. Isso porque o autor de A Insônia da Cidade domina seu ofício, e
utiliza com m(a)estria todos os recursos que a linguagem proporciona, através
de metáforas inusitadas, mediante o ritmo com que faz a palavra dançar em seu
poema, por meio de aliterações, coliterações, rimas toantes e consoantes e
outros artifícios com que canta e nos faz (en)cantar. É hábil ao dispor as
palavras na página em branco, desenhando imagens concretas, com que enriquece a
mensagem. Exemplo do que acabamos de afirmar é o poema VITA, em que o poeta diz
o máximo com o mínimo de palavras, numa absoluta concisão em que existem
conectivos, verbos, advérbios, etc., mas que exprime tudo em sua precisão conteudística,
imagética e até (ma)temática:
nasc
ente
cresc
ente
do
ente
po
ente
Ressalte-se, ainda, em nosso poeta a inventividade, finamente
tecida em seus versos, mas que nunca descamba para um cerebralismo hermético e
frio. Ao contrário, sua arte é elaborada com emoção – emoção que nos toma de
assalto – mediante uma linguagem arrebatada, mas ao mesmo tempo contida em sua
depuração estilística.
No poema XIX. Pedra do Sal, pertencente à série Poemas do
Torrão Natal, comprova-se o alto nível da poesia de Alcenor, seu talento, sua
capacidade de síntese, sua inventividade, vasados em linguagem sonora, ritmada
e anti-discursiva, em palavras curtas e essenciais, onde as últimas de cada um
dos versos, de no máximo quatro letras, formam as vogais (a, e, i, o, u). V
Vejamos o poema referido:
Pedra do Sal
porta do céu
porto do cio
pista do sol
no sal azul.
Poderíamos, ainda, fazer várias observações sobre a
construção artesanal, de precisão cirúrgica, do pequeno/grande poema acima
transcrito, mas não o faremos para não retirar do presente trabalho o seu sabor
de crônica de crítica literária, como diria o professor Cunha e Silva Filho,
impingindo-lhe um caráter enfadonho e tecnicista. Deixaremos ao leitor, numa
leitura arguta, artística e astuta, esse mister misterioso de se tornar um
leitor/autor.
Alcenor é um senhor e pastor de palavras, em suas largas
lavras de versos. As palavras são suas escravas, atendem a seu chamado,
ajustam-se a seu lavor poético, e tomam a forma e o discurso que o poeta lhes
exige, com docilidade e harmonia. Mas semelhante ao bom pastor da parábola de
Cristo, Alcenor cuida bem do seu rebanho de palavras, sem permitir que nenhuma
se perca. Todas acodem – rosas pressurosas – ao seu chamado, e se vão abrigar
no redil aglutinador de seus poemas. As palavras são servas que se fazem
senhoras pelo desvelo/zelo do amante poeta/pastor.
A insônia nos contagia. Ao lermos Alcenor – esse mago
domador, senhor e pastor de palavras, em suas larvas de vida, vindima e
vindita, sono, sonho e sombras – o tédio, certamente, não nos afetará. E o
enlevo que sentimos nos elevará a páramos paradisíacos e dionisíacos a que só a
poesia dos grandes rapsodos consegue nos raptar.
As musas e sereias de seus poemas nos chamam, e às flamas flamejantes dessas “veludosas vozes” atenderemos, entre a compulsão e o desejo ardente.
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