CELSO PINHEIRO EM TRÊS DIMENSÕES
Elmar Carvalho
I Panorama
teresinense e o poeta
Em 1902, aos 15 anos de idade, Celso Pinheiro já morava em
Teresina, vindo de Barras, sua terra natal, para continuar seus estudos.
Contudo, sequer veio a concluir o curso ginasial.
A capital piauiense era uma pequena cidade, ainda muito
acanhada, situação que perduraria até a morte do poeta, em 1950. A pequena urbe
se estendia do entorno do Cemitério São José até os arredores da Igreja de
Nossa Senhora das Dores, no sentido Norte para Sul; no sentido Oeste para Leste
ia da margem direita do rio Parnaíba até a margem esquerda do Poti.
O teatro, que fora uma das principais atividades culturais e
de entretenimento, desde a fundação da cidade até o final do século XIX, já
começava a perder espaço para o cinema, que se tornou uma das principais
diversões teresinenses. É de se supor que o bardo tenha assistido a algumas
representações teatrais e sessões cinematográficas, que até o final de sua vida
foi se aperfeiçoando na tecnologia e na utilização de efeitos especiais nas
filmagens.
Outras sociabilidades da capital eram os saraus, literários
e/ou musicais, realizados em estabelecimentos públicos ou particulares,
inclusive na casa de Clodoaldo Freitas (e suas rodas de conversa). Também não
devem ser esquecidos os festejos de santos católicos, com suas quermesses e
leilões, na parte profana; tampouco devem ser esquecidas as apresentações
circenses, que costumavam ter no seu final uma peça de dramaturgia. Sem dúvida
tomou conhecimento das polêmicas anticlericalistas dos maçons, que recebiam o
revide das principais lideranças do catolicismo.
Chamado de o milionário do verso pela profusão de poemas que
produziu, sobretudo sonetos, com certeza os publicou nos poucos jornais da cidade,
quase sempre pertencentes a partidos políticos. Nesses periódicos a política
tomava sua feição mais feroz, em que os inimigos e desafetos não tinham boas
qualidades morais nas catilinárias desabridas, e em que os amigos e apaniguados
não tinham defeitos nas matérias laudatórias ou apologéticas.
Houve também a moda das conferências. Alguns conferencistas
vinham de outros estados, mas também as proferiam intelectuais do Piauí.
Nogueira Tapety, poeta oeirense, pronunciou uma bela palestra sobre a luz, que
tive a oportunidade de ler. Acredito que Celso deva ter comparecido a algumas, e
certamente foi o responsável por uma ou outra dessas conferências.
Em 30 de dezembro de 1917 foi fundada a Academia Piauiense de
Letras. Celso, aos 30 anos, foi um de seus fundadores. Foi o primeiro ocupante
da cadeira nº 10, de que tenho a honra de ser o atual titular. E é o patrono da
cadeira nº 5 da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL, da qual hoje tenho
a posse. Muitos desses fundadores e primeiros acadêmicos eram intelectuais
egressos da Faculdade de Direito do Recife, herdeiros do positivismo e das
lições do professor, erudito e poeta Tobias Barreto. O nosso bardo não teve
formação superior, numa época em que poucas pessoas conseguiam se formar, a
maioria em Direito, Medicina, Engenharia, Odontologia ou Farmácia.
Na segunda década do século XX, aproximadamente, vários
poetas piauienses louvaram em magoados versos elegíacos lindas e belas moças,
que morreram precocemente, entre as quais Mocinha Araújo, Santa Martins e Iaiá
Pearce. A última era filha do inglês Thomas Pearce e noiva do aluno do curso de
Direito e poeta Pedro Borges da Silva, que depois se tornou vice-governador do
Piauí, membro da APL, juiz federal e ministro do Tribunal de Segurança
Nacional. Antônio Chaves, que a pranteou em lindos e melodiosos versos,
impregnados de saudade e paixão, no eu lírico de soneto elegíaco que leva o seu
nome, chegou a considerá-la noiva: “Eras a minha fé soberba, indefinida, / Eras
a minha crença, ó lírio imaculado, / Tu, que trazias n’ alma inocente e querida
/ A ária do nosso amor e do nosso noivado.” Celso Pinheiro também escreveu algumas
elegias, em que chorou essa formosa e alva flor de carne, tão cedo ceifada
dessa vida descontente, para evocar aqui os imortais versos camonianos.
Quando o poeta faleceu, já existia o Clube dos Novos, a nossa
geração de 45. Os poetas e escritores dessa agremiação literária fundaram a revista
Caderno de Letras Meridiano e discutiam literatura, mormente na Praça Pedro II,
onde costumavam se encontrar. Não sei se esses rapazes tomaram conhecimento do
grande e velho poeta, e se este chegou a conhecê-los ou porventura tenha lido
algum texto literário desses moços.
II Alguns dados
biográficos e cronológicos
Dois paralelos quero traçar entre Celso Pinheiro e Antônio
Francisco da Costa e Silva, no referente às datas de nascimento e de morte
deles. O primeiro nasceu em Barras, em 24 de novembro de 1887 e o segundo, em Amarante,
em 23 de novembro de 1885. Por conseguinte, Celso era dois anos e um dia mais
moço que o Poeta da Saudade e do Velho Monge. E faleceram no mesmo dia, ou
seja, em 29 de junho de 1950; Celso na capital do Piauí e Da Costa e Silva na
capital federal, a cidade do Rio de Janeiro. Tiveram elogio póstumo na Academia
Brasileira de Letras, em discursos pronunciados respectivamente por Múcio Leão
e Olegário Mariano.
Era filho do capitão-mor João José Pinheiro, que veio morar
em Teresina em 1857, quando esta capital tinha apenas cinco anos de fundada, e
de sua mulher Raimunda Lina Pinheiro. O capitão viera da Vila do Rosário – MA
para assumir a administração dos Correios. Era irmão dos escritores e contistas
João Pinheiro e Breno Pinheiro, ambos pertencentes à Academia Piauiense de
Letras.
Cedo o poeta Celso Pinheiro se tornou órfão e teve que
trabalhar ainda jovem para se manter em Teresina. Como dito, em 1902 já ele
morava em Teresina, de onde nunca se ausentou, a não ser por curto período.
Ganhando pouco, em determinada época teve três empregos (professor de
Literatura da Escola Normal, escriturário da Chefatura de Polícia e revisor do
jornal O Piauhy). De um deles, o de professor, foi demitido pelo governador
Eurípides de Aguiar, pelo simples fato de ter sido nomeado pelo governador
Miguel Rosa, seu adversário.
Sofrendo uma crise de insônia, cansaço e doença nervosa, em
1917 viajou para o sul do estado, em busca da saúde psicológica e física.
Nessas andanças pela hinterlândia piauiense escreveu alguns poemas sobre essas
paragens. Perambulou pelas longínquas cidades do sul piauiense, Santa Filomena
e Gilbués. Nesta última passou cerca de dois meses. O certo é que essa viagem,
a maior parte feita em lombo de cavalo, concorreu para a recuperação de sua
saúde.
Um tanto boêmio quando jovem, alto, magro e nervoso, julgou
haver contraído a tuberculose, então uma doença quase sempre fatal. Uma pessoa
minha amiga, de alta respeitabilidade, me informou que uma neta dele lhe fizera
a revelação de que essa tísica foi apenas uma doença imaginária do poeta, que
na realidade nunca fora inoculado por bacilos de Koch. A mesma fonte me revelou
que ele chamava a sua suposta tuberculose de Dindinha, que era o nome da velha babá
de sua infância. E também, carinhosamente, apelidava a morte de Dona Branca.
O milionário do verso cometeu inúmeros poemas, entre os quais
mais de quatro mil sonetos, forma fixa de sua predileção, que ficaram dispersos
em jornais e revistas. Alguns foram reunidos no livro Poesias, cuja publicação
foi feita em 1939, sob a chancela da APL. Recentemente, através da Coleção
Centenário, publicada por ocasião das festividades alusivas ao centenário da Academia
Piauiense de Letras, foi dada à estampa a segunda edição desse seu livro.
Casou-se com Liduína Mendes Frazão em 1914, que veio a
falecer em 1932. Portanto, o poeta foi casado durante 18 anos e permaneceu em
viuvez durante outros 18 anos.
Outro fato que muito magoou o poeta foi a prisão de Celso
Pinheiro Filho, aos 24 anos de idade, quando era 3° sargento do Exército, pelo
Tribunal de Segurança Nacional, sob a acusação de ser comunista, em virtude de
haver tomado parte do levante da Praia Vermelha (3° R. I.), em novembro de
1935. Em 1946 Celso Filho foi nomeado prefeito de Teresina pelo interventor
federal Vitorino Correia. Segundo Herculano Moraes esse filho primogênito do
poeta sofreu “uma das mais acirradas campanhas de difamação da época”, o que
teria levado Celso Pinheiro, em defesa do filho, “a publicar versos ofensivos e
insultuosos contra Eurípides Clementino de Aguiar, que liderava os opositores
ao filho do poeta”.
Além de Celso Filho o poeta teve as seguintes filhas: Edméa,
Maria, Wanda e Diva.
III Comentário
crítico
Como epígrafe do excelente livro Os Literatos e a República:
Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz,
encontramos um lapidar e paradigmático trecho de um poema incluído na parte do
livro Poesias titulada Poema das Noites, de cuja epígrafe transcreverei apenas
os quatorze versos iniciais:
Na idade,
Em que se é todo um hino à Mocidade
E a vida sabe a trínulo perfeito
Contraí dentre todas as doenças,
Aquela cujas chagas são imensas...
Ai, doença das Letras no meu peito!...
Eram febres de luz de muitos graus,
Entrecortadas de lampejos maus...
Às vezes, nos ásperos reveses da Febre,
Do Martírio, Satanás dirigia o meu delírio:
E eu morto, de pés juntos,
Escutava risadas de Voltaire
E via,
Assomos de magia!
Lendo-se o poema acima referido na íntegra, pode-se constatar
que nele estão todos os principais ingredientes e condimentos da poética
simbolista. Nele se nota certa vagueza, feita mais de sugestões, que de afirmações
peremptórias; certo clima de nívea frialdade, de penumbra nevoenta, de brancura
lirial; uma métrica, que lhe dá musicalidade e certa variação rítmica; uma
quase profissão de fé, quando ele cita suas admirações literárias; e uma
espécie de devoção ao sofrimento e à morte.
Aliás, todo o poema é referto de metáforas, palavras e
símbolos caros à Escola Simbolista, entre os quais, em rápida enumeração,
apenas exemplificativa, citaria: lívida, unge-me, turíbulo, sonhador nevoento,
cidade dos pés juntos, Corujões, pântano, Tísicos, Luz, Sinos, Coveiro, demônio
do Tédio etc. Atente-se ainda para as personificações tipicamente simbolistas,
com muitas palavras iniciadas por maiúsculas.
A crítica, em seu entendimento predominante, tem considerado
que Celso Pinheiro era um simbolista. Eu diria que ele foi sobretudo um adepto
do simbolismo, e que viveu num período em que o Modernismo praticamente não
chegara ao Piauí; em que os poetas praticavam um sincretismo, um amálgama do
romantismo, do parnasianismo e do simbolismo, com predominância, talvez, da
Escola mais velha.
Como disse, o nosso bardo foi essencialmente um simbolista,
mas pelo apuro de seu estilo e forma, de sua linguagem esmerada, de sua métrica
e ritmo melodiosos, considero que ele recebeu um saudável influxo do melhor
parnasianismo, despido de exageros e de certos rebuscamentos e preciosismos.
Sobre ele disse com muita propriedade o saudoso amigo e
notável poeta Hardi Filho: “Não há negar que Da Costa e Silva foi um grande
poeta, o mais culto do Piauí. Celso Pinheiro foi o mais autêntico, o de
inspiração mais constante, o mais humano (...) À poesia de Celso Pinheiro
faltaram as oportunidades de divulgação que teve a de Da Costa e Silva.”
Acredito que se ele tivesse nascido no Rio de Janeiro ou em
São Paulo, talvez o seu nome formasse uma trindade simbolista, ao lado de Cruz
e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Quando tomei posse da cadeira n° 5 da
Academia de Letras do Vale do Longá, da qual o poeta é patrono, em solenidade ocorrida
no dia 23.05.97, no IATE CLUBE de Campo Maior, tive a oportunidade de dizer
sobre ele e sua poesia:
A
exemplo do Parnasianismo Brasileiro, a Escola
Simbolista deveria também
ter a sua
trindade, em que a
estrela de primeira
grandeza e de
fulgor extraordinário – Celso Pinheiro – brilharia ao
lado de Cruz e
Sousa e Alphonsus
de Guimaraens. O poeta,
ironicamente, em sua pobreza
de metais, era chamado de milionário do
verso, pela facilidade com
que urdia os
mais belos poemas
e sonetos, nos quais
eram vazados o
seu delicado pessimismo
e o seu
suave lirismo, através de
melodiosas palavras e
de inusitadas e
por vezes extravagantes imagens
e metáforas. Simbolista sim, mas
também um cultor
da forma, percebendo-se em
sua poesia uns
leves laivos de
saudável parnasianismo. A crítica
o tem, merecidamente, em elevada
conta. Bugyja Britto o
alinha entre os
maiores poetas do
Brasil. Hardi Filho, que escreveu
um livro sobre
ele, considera-o entre os
três principais aedos
de sua predileção. Herculano Moraes, poeta, crítico e
membro desta Academia
e da Academia
Piauiense de Letras, assim
se referiu a
esse excelso poeta: “A
poesia de Celso
Pinheiro pode ser
incluída entre os
melhores momentos do
simbolismo brasileiro, ao mesmo
nível de Augusto
dos Anjos e Cruz
e Sousa. São poucos
os poetas que
conseguem ser tão
sublimes e torturados
ao mesmo tempo.” Sua
portentosa poesia aí
está para ser
fruída e degustada
e para comprovar
o que dissemos
a seu respeito.
Não bastasse ter sido o admirável poeta que foi, também foi
um exímio prosador, tendo escrito notáveis crônicas, discursos, artigos e
conferências, que se coligidos formariam um excelente livro. Soube que Celso Filho
ainda teria organizado essas peças literárias. Todavia, lhes desconheço o
paradeiro.
Portanto, faço questão de repetir como um corolário de tudo o
que disse: o excelso poeta Celso Pinheiro bem poderia compor uma trindade
simbolista brasileira, ao lado de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa.
Obras consultadas:
Poesias (2ª edição – 2015) – Celso Pinheiro
Três Artífices do Verso (1991) – Bugyja Britto
Nebulosas (2ª edição – 2013) – Antônio Chaves
Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e
as Tiranias do Tempo (3ª edição – 2011) – Teresinha Queiroz
Visão Histórica da Literatura Piauiense (6ª edição – 2019) –
Herculano Moraes
Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado (2003) – Wilson Carvalho Gonçalves
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