ANO NOVO, ANO VELHO
José Expedito Rêgo (1928 - 2000)
Conheci velho ferreiro português, Mestre Orlando Peixe, com fama de burro. Nem tanto assim. Tinha habilidade com o martelo e a bigorna, fazia bonitas grades e utensílios de ferro.
Seu grande amigo, o Sr. José de Abreu, era dono de bar, jantava sempre com o ferreiro. Se José de Abreu não chegasse na hora, achava o prato feito. Não admitia impontualidade.
Uma noite, José de Abreu encontrou Mestre Orlando, no quintal, fazendo uma casinha de cachorros. O improvisado canil tinha duas portas, uma baixa, outra mais alta. Não havia divisões interiores. José de Abreu perguntou: – Mestre, porque duas portas?
– Ora, Senhor José de Abreu, uma porta grande para o cachorro maior e uma porta pequena para o cachorro menor.
– Bastava, então a porta grande, Mestre.
– Não, Senhor! E por onde passaria o cachorro pequeno?
Era assim Mestre Orlando. Uma noite de 31 de dezembro, estava ele a tomar uma cervejinha gelada, no bar do José de Abreu. O amigo veio cumprimentá-lo: – Feliz Ano Novo, Mestre Orlando!
– Ano Novo não! Ano Velho.
– Como assim, Mestre?
– Ora, se o senhor tem 68 e eu 69, quem é o mais velho?
– Senhor!
– Então? O ano 69 é mais velho do que o de 68. Assim, o ano que vai chegar é o ano velho, pois não?
Será que o Mestre Orlando tinha razão? O tempo não existe, é pura convenção. Não passa o tempo, nós é que passamos. Nada muda, tudo é sempre o mesmo. Cumprimentamos nossos amigos e parentes pela passagem do ano, desejamos saúde e felicidades para todos, mas tudo não passa de esperança vã.
Continuaremos no mesmo ramerrão de todo o sempre, falando mal do governo, queixando-nos da carestia da vida e da falta de dinheiro. Alguns poucos felizardos permanecerão bem de vida, independente da mudança de ano.
O tempo só mudou para o Mestre Orlando e o Sr. José de Abreu, que já descansam em paz, estão livres de aperreios.
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