SANSÃO, DE CONTESTADOR A ESTOICO
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
A propósito, o assunto não lhe é estranho, em razão
das reiteradas vezes que a respeito dele conversamos em nossos bate-papos. É
que, sempre que penso em falar com ou sobre Sansão, a quem conheço há décadas, invariavelmente,
vem-me à memória o episódio dos gêmeos idênticos, contado por Diógenes, em que
escribas de Zenão, precursor do estoicismo, deram uma lição em Aríston, para
quem a sabedoria podia tudo, inclusive, impedir que sábios se deixassem enganar
ou sucumbir a trapaças e engodos de indivíduos não virtuosos; virtude, que
considerava o maior, senão, o único bem do homem.
Conta-se que, mesmo ferindo princípios estoicos de Zenão, seguidores
deste incumbiram um, de dois gêmeos idênticos, a entregar determinada quantia
para que Aríston a guardasse; passado algum tempo, pediram que o outro gêmeo
fosse até o filósofo e recebesse de volta o que com ele deixara. Êxito total.
Com isso, restaria provado que seu desafiador e virtuoso pupilo se enganara;
tanto confiara na virtude que seu credor não cultivava que, sem pedir qualquer
identificação, a um terceiro devolveu o que outro lhe confiara. Humilhado, teve
que aceitar que a sabedoria não pode tudo, tampouco a virtude deve ser tomada
por único valioso bem do estoico, ainda que seu praticante se considere um
sábio.
Pois bem, a figura de quem quero falar chama-se
Sebastião, que conheci ainda jovem; metido a peladeiro e fisiculturista, daí
ter-lhe advindo a alcunha de Sansão, que lhe foi atribuída também por conta das
longas madeixas que, então, usava e continuaria usando por anos. Ranzinza e
falastrão, com nenhuma afirmação, fato ou notícia a que lhe dávamos conhecer,
concordava ou anuía; não porque fosse sábio, mas por ser um toleirão. Costumava
se defender, quando lhe dizíamos, por exemplo, que andava jogando mal, que
aquilo era fase; que deveríamos tê-lo visto atuando antes, nos locais, onde,
segundo ele, dava shows com a bola para quem quisesse ver. No intuito de
colocar a verdade às claras, incumbi-me, certa feita, de realizar uma pesquisa
junto a amigos e companheiros da época em que dizia haver sido boleiro
diferenciado, a fim de saber deles o que poderiam dizer a respeito do nosso
Sansão. Informaram-me alguns dos ouvidos, que, de fato, antes do inchaço muscular,
ele “comia” a bola, destroçava, jogava feito gente grande.
Primeira oportunidade depois da pesquisa de campo e
das apurações obtidas, levaria o “relatório” para ciência dos nossos companheiros
de então. Na presença de Sebastião, informei-lhes que, segundo velhos camaradas
dele, antes de se transformar naquela massa de músculos, fora mesmo um craque.
Foi suficiente a informação para que ele voltasse ao estado normal, mostrando-se
contrário e discordando de tudo que apurara, e até adiantasse que havia
inventado aquele monte de tolices e inverdades sobre seus áureos tempos de
jogador; sua atual fase no futebol era a melhor das já vividas. A turma
caiu-lhe nos costados dizendo que como fisiculturista, ele era um péssimo
peladeiro, mas, se queria parecer modesto, honesto, simples e humilde,
aspirante a filósofo, precisava conversar bastante com os velhos amigos, de
modo a demover-lhes a ideia de lhe atribuir virtudes que ele, estoicamente,
julgava não as possuir.
Por algum tempo, além de peladeiro chinfrim, Sansão ficaria
famoso como mentiroso e dissimulado. Desde aquele período, à lembrança do caso
dos gêmeos dos escribas de Zenão, anexou-se à minha memória, em relação a
Sebastião, o Paradoxo do Mentiroso, de outro estoico, Crisipo: “não podemos
crer em nada do que um verdadeiro mentiroso fala ou diz, mas poderíamos
acreditar nele quando afirmasse estar mentindo?” Doravante, sempre que
queríamos ouvir ou saber de Sansão a respeito de algo, do qual já conhecíamos a
resposta verdadeira, fazíamos as perguntas induzindo-o a responder o contrário
do que lhe questionávamos.
De tanto escamotear, negar verdades e confirmar
mentiras, chegaria o momento de nos sentirmos instados a pedir-lhe que mudasse;
afinal, ele não era mais criança, mas um homem feito, com filhos para criar e educar.
Contestador que era, desconfiávamos de que, certamente, não acharia estranho
seu modo “natural” de ser. De fato, isso
aconteceu, tanto que não prometeu qualquer mudança dali para frente; todavia, ele
mudou, e bastante. Passou a não contestar, apenas e tão somente pelo simples
prazer – filosófico, seria? - de parecer
diferente – talvez, sábio? -, e se tornou menos cínico e irônico.
Já não tem a compleição física que lhe garantira a alcunha de Sansão; coincidentemente, passou a usar cabelos curtos e, dali em diante, a jogar muito, até hoje, como os amigos de antanho, certa feita, nos informaram. A chegada da maturidade o ajudou a se transformar em uma figura virtuosa: empática, simpática, amiga, humilde: um estoico, quem sabe.
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