segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

SANSÃO, DE CONTESTADOR A ESTOICO

Fonte: Google


SANSÃO,  DE CONTESTADOR A ESTOICO


 Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                A propósito, o assunto não lhe é estranho, em razão das reiteradas vezes que a respeito dele conversamos em nossos bate-papos. É que, sempre que penso em falar com ou sobre Sansão, a quem conheço há décadas, invariavelmente, vem-me à memória o episódio dos gêmeos idênticos, contado por Diógenes, em que escribas de Zenão, precursor do estoicismo, deram uma lição em Aríston, para quem a sabedoria podia tudo, inclusive, impedir que sábios se deixassem enganar ou sucumbir a trapaças e engodos de indivíduos não virtuosos; virtude, que considerava o maior, senão, o único bem do homem.

Conta-se que, mesmo ferindo princípios estoicos de Zenão, seguidores deste incumbiram um, de dois gêmeos idênticos, a entregar determinada quantia para que Aríston a guardasse; passado algum tempo, pediram que o outro gêmeo fosse até o filósofo e recebesse de volta o que com ele deixara. Êxito total. Com isso, restaria provado que seu desafiador e virtuoso pupilo se enganara; tanto confiara na virtude que seu credor não cultivava que, sem pedir qualquer identificação, a um terceiro devolveu o que outro lhe confiara. Humilhado, teve que aceitar que a sabedoria não pode tudo, tampouco a virtude deve ser tomada por único valioso bem do estoico, ainda que seu praticante se considere um sábio.

                Pois bem, a figura de quem quero falar chama-se Sebastião, que conheci ainda jovem; metido a peladeiro e fisiculturista, daí ter-lhe advindo a alcunha de Sansão, que lhe foi atribuída também por conta das longas madeixas que, então, usava e continuaria usando por anos. Ranzinza e falastrão, com nenhuma afirmação, fato ou notícia a que lhe dávamos conhecer, concordava ou anuía; não porque fosse sábio, mas por ser um toleirão. Costumava se defender, quando lhe dizíamos, por exemplo, que andava jogando mal, que aquilo era fase; que deveríamos tê-lo visto atuando antes, nos locais, onde, segundo ele, dava shows com a bola para quem quisesse ver. No intuito de colocar a verdade às claras, incumbi-me, certa feita, de realizar uma pesquisa junto a amigos e companheiros da época em que dizia haver sido boleiro diferenciado, a fim de saber deles o que poderiam dizer a respeito do nosso Sansão. Informaram-me alguns dos ouvidos, que, de fato, antes do inchaço muscular, ele “comia” a bola, destroçava, jogava feito gente grande.

                Primeira oportunidade depois da pesquisa de campo e das apurações obtidas, levaria o “relatório” para ciência dos nossos companheiros de então. Na presença de Sebastião, informei-lhes que, segundo velhos camaradas dele, antes de se transformar naquela massa de músculos, fora mesmo um craque. Foi suficiente a informação para que ele voltasse ao estado normal, mostrando-se contrário e discordando de tudo que apurara, e até adiantasse que havia inventado aquele monte de tolices e inverdades sobre seus áureos tempos de jogador; sua atual fase no futebol era a melhor das já vividas. A turma caiu-lhe nos costados dizendo que como fisiculturista, ele era um péssimo peladeiro, mas, se queria parecer modesto, honesto, simples e humilde, aspirante a filósofo, precisava conversar bastante com os velhos amigos, de modo a demover-lhes a ideia de lhe atribuir virtudes que ele, estoicamente, julgava não as possuir.

                Por algum tempo, além de peladeiro chinfrim, Sansão ficaria famoso como mentiroso e dissimulado. Desde aquele período, à lembrança do caso dos gêmeos dos escribas de Zenão, anexou-se à minha memória, em relação a Sebastião, o Paradoxo do Mentiroso, de outro estoico, Crisipo: “não podemos crer em nada do que um verdadeiro mentiroso fala ou diz, mas poderíamos acreditar nele quando afirmasse estar mentindo?” Doravante, sempre que queríamos ouvir ou saber de Sansão a respeito de algo, do qual já conhecíamos a resposta verdadeira, fazíamos as perguntas induzindo-o a responder o contrário do que lhe questionávamos.

                De tanto escamotear, negar verdades e confirmar mentiras, chegaria o momento de nos sentirmos instados a pedir-lhe que mudasse; afinal, ele não era mais criança, mas um homem feito, com filhos para criar e educar. Contestador que era, desconfiávamos de que, certamente, não acharia estranho seu modo “natural” de ser.  De fato, isso aconteceu, tanto que não prometeu qualquer mudança dali para frente; todavia, ele mudou, e bastante. Passou a não contestar, apenas e tão somente pelo simples prazer – filosófico, seria? -  de parecer diferente – talvez, sábio? -, e se tornou menos cínico e irônico.

                Já não tem a compleição física que lhe garantira a alcunha de Sansão; coincidentemente, passou a usar cabelos curtos e, dali em diante, a jogar muito, até hoje, como os amigos de antanho, certa feita, nos informaram. A chegada da maturidade o ajudou a se transformar em uma figura virtuosa: empática, simpática, amiga, humilde: um estoico, quem sabe.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário