quarta-feira, 20 de abril de 2022

Possidônio continua esquecido



Possidônio continua esquecido 


Carlos Rubem 


No ano passado, neste mesmo espaço, o romancista José Expedito Rêgo escreveu um artigo no qual fez um pedido aos oeirenses e seus governantes “para que se publiquem os valiosos escritos de Possidônio Queiroz”.


De fato, da década de 20 para cá, tudo de sério que se fez em Oeiras contou com o concurso do velho professor. A criação da Associação Comercial, da União Artística, da Diocese, do Ginásio Municipal, do Instituto Histórico, apenas para citar estas instituições, foram forjadas com o seu decisivo despreendimento e talento. Só não ajudou a criar cabaré, mas escreveu um discurso para ser lido nesse ambiente, a pedido!


Diretor da Secretaria da Câmara Municipal por largo tempo. Aposentou-se neste cargo, compulsoriamente. “Era calígrafo incansável e ninguém melhor do que ele redigia uma ata com a devida clareza, correção de linguagem e perfeição de detalhes”. Certa feita, o Prof. A. Tito Filho declarou, também em artigo aqui estampado, que gostaria de vê-lo na APL.


Octogenário. Embora lúcido, vem padecendo dos achaques da vida: visão curta, ouve com dificuldade. O seu aparelho auditivo só vive no prego. Tem provisão de paciência bastante para esperar a publicação de sua preciosa obra musical através da Fundação José Elias Tjara. 


Quanto à sua prosa, não se ilude. Não dispõe mais de força física para coletar os seus escritos. Nem de recursos financeiros para tanto. Em verdade, nunca atinou para isto. Aliás, com a morte do literato Bugyja Britto (03.12.1992), seu admirado amigo, perguntei-lhe se já tinha passado telegrama de pêsames a D. Olívia, viúva. Com a natural dignidade ponderou: — Jovem, estou desfalcado. Fiquei inerte, um nó apertou minha garganta.


Quando de sua aposentadoria, os diligentes edis, num rasgo de compaixão, concederam-lhe, a partir de então, proventos na base de um salário mínimo. Ao passar para o quadro inativo, dito cargo já foi ocupado por duas senhoras inteligentes. A atual vem percebendo do erário público mais, muito mais do que um salário mínimo. Quanto a isto, nada tenho a acrescentar. Deve ser legítimo. O que me deixa intrigado, revoltado até, é saber que o modesto servidor continua recebendo aquela aviltante importância. 


Isto faz a gente lembrar, traçando um paralelo, as inúmeras sinecuras que existem por este Piauí afora, mormente na Assembleia Legislativa. Eita Brasil velho sem jeito!


Em razão destas garatujas, torço para que não aconteça com o Prof. Possidônio — mestre de todos nós — o que ocorreu com o José do Patrocínio, outro negro de alma pura. Com a derrocada do Império, “veio de queda em queda, até a miséria feroz”. Certa vez, Coelho Neto foi visitá-lo. Impressionou-se. Lançou um artigo descrevendo as privações do “Tigre da Abolição”. Resultado prático: o padeiro de Patrocínio cortou-lhe o crédito.


Vejamos, no dia me que o Prof. Possidônio Queiroz falecer haverá políticos e pessoas outras, com a sua fúria tribunícia, à beira da sepultura. Irão discursar exaltando as qualidades do grande sábio. Se Deus quiser, estarei presente. E direi entredentes: – Falsos! 


“O DIA” - 1º de setembro de 1993


Possidônio Queiroz - 17.05.1904 - 01.01.1996)

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