segunda-feira, 18 de abril de 2022

QUEM DERA ESTIVESSEM AS PESQUISAS EQUIVOCADAS

 

O culto a si mesma   Fonte: Google

QUEM DERA ESTIVESSEM AS PESQUISAS EQUIVOCADAS


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Isto não foi Sandoval que me contou: eu vi. Ao chegar, naquela mesa do restaurante, já lá estava um jovem casal. Pareceu-me que o moço queria fazer um pedido ao garçom; como a lhe pedir vênia, olhou, em vão, para a companheira, que não tirava o olho nem os dedos do aparelho - que, um dia, teve como principal função, fazer e receber ligações telefônicas -, ao qual, vez ou outra, colocava, horizontalmente, à altura do ouvido do lado contrário ao companheiro, quem sabe para que ele não ouvisse o que falavam do outro lado da linha. Fez o pedido, por conta própria.

                Minutos depois viria o garçom com um frasco de vinho e duas taças; colocou um pouco na sua para que o cidadão degustasse e, uma vez aprovado, completou-a; porém, não a da senhora, que continuava entretida na sua silenciosa atividade de comunicação. O moço fez sinal ao profissional para que levasse a garrafa, mas deixasse a taça vazia na mesa.

                Ao fundo dois violonistas e uma cantora alegravam o ambiente. Cruzando os braços, o cidadão virou-se o mais que pôde para melhor visualizar os músicos, quase em diagonal com sua acompanhante que, tudo indicava, sequer percebera a manobra e o reposicionamento do moço.

                Algum tempo depois, ele se levantou e foi à bancada de frios; no percurso, cruzou com o garçom, a quem pediu água mineral; em seguida, voltaria com sua tábua à mesa, onde chegaria ao mesmo tempo que o garçom com a água solicitada. O funcionário supriu-lhe a taça e decidiu conversar alguns minutos com o cliente, talvez, fazendo-lhe companhia, haja vista a cidadã continuar ensimesmada com seu smartphone, vagueando e zapeando por suas redes sociais.

                Mais ou menos uma hora após nossa chegada - minha com a patroa e um dos filhos -, o cidadão decidiu ir embora; já havia consumido a quantidade de vinho que pretendia e degustado os frios escolhidos. Pediu, com um gesto ao garçom, a conta, que ele trouxe rapidamente; conferida, aprovada e paga, levantou-se, deu um toque na patroa que parece haver se assustado com a inesperada ação. E saíram.

                Não sei se ela já teria chegado ao restaurante após jantar e tomar os drinques prediletos, fato é que eles não se falaram durante aquela mais de uma hora em que os vi. Se tal modo de agir era comum entre eles, ou não; se o pau comeria quando chegassem ao carro, em casa ou qualquer outro lugar, somente os jornais do dia seguinte diriam, ou não.

                A este episódio, também testemunhei, em outro restaurante. Na grande mesa à frente da nossa, estavam um casal mais idoso, duas mocinhas e três garotões. Todos, à exceção da matriarca e do marido, já armados e disparando seus smartphones rumo às redes sociais preferidas. Cabeças baixas, apenas a madame dava conta do que acontecia ao redor.

                Já que ninguém da mencionada mesa parecia manifestar qualquer interesse em ser atendido, os garçons passavam ao largo, indo ocupar-se de outros clientes. Lá pelas tantas, o senhor, como que assustado, virou-se para sua senhora e perguntou pelo garçom, ao que ela respondeu: “deve estar por aí”. Vendo um deles, chamou-o, sendo avisado pelo mesmo que outro é que atendia sua área. E este chegou. Pelo que pude perceber, o cidadão perguntou à patroa o que deveria pedir para a “meninada”. Ela lhe disse para ele pedir o que quisesse, pois a moçada se virava. Uma cerveja, um refrigerante e alguns copos traria o garçom, logo em seguida. E a rapaziada, literalmente, seguia cada um na sua: teclando, sorrindo, autofotografando-se, interagindo, se fosse o caso, com algo ou alguém do outro lado das telas.

                Um dos rapazes, mais tarde, sem largar seu aparelho, pediu ao pai – levantando o copo – cerveja. Brindou com ele, deu uma bicada e retornou à sua atividade solitária.

                Algum tempo depois, talvez já cansados com a falta de papo, ou do pessoal da mesa, dois jovens casais levantaram-se, acenaram, mecanicamente, despedindo-se dos que ficaram, e saíram, abalroando mesas e cadeiras, pois não conseguiam tirar o aparelho da frente dos olhos, nem os dedos dos viciantes teclados, onde digitavam, desvairadamente.

                Diante do que acabara de presenciar, quedei-me em indagações. Não consegui deixar de considerar inexplicável ou, no mínimo, desrespeitoso para com as demais pessoas da mesa, que, certamente, convidaram-nos para conversar, rirem, falar alto; bater papo, jogar conversa fora, discutir sobre política, futebol, religião, a violência das ruas, a incompetência dos governantes e parlamentares e, quem sabe, almoçar, tomar uns drinques, os que saíram terem se postado tanto tempo, silenciosamente conectados, comunicando-se, virtualmente, com alguém que talvez estivesse ao lado, em frente, ou a quilômetros de distância. Por que teriam aceitado o convite se não havia qualquer interesse em conversar, pessoalmente?

                Quiçá não venhamos reclamar do que pesquisas mais sérias, mesmo científicas, já andam anunciando: que estamos emburrecendo, ficando menos inteligentes, mais idiotas nestes tempos de permanente conexão à rede mundial de computadores e às redes sociais. Não é mesmo, Sandoval?            

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