O culto a si mesma Fonte: Google |
QUEM DERA ESTIVESSEM AS PESQUISAS
EQUIVOCADAS
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Isto
não foi Sandoval que me contou: eu vi. Ao chegar, naquela mesa do restaurante,
já lá estava um jovem casal. Pareceu-me que o moço queria fazer um pedido ao
garçom; como a lhe pedir vênia, olhou, em vão, para a companheira, que não
tirava o olho nem os dedos do aparelho - que, um dia, teve como principal
função, fazer e receber ligações telefônicas -, ao qual, vez ou outra,
colocava, horizontalmente, à altura do ouvido do lado contrário ao companheiro,
quem sabe para que ele não ouvisse o que falavam do outro lado da linha. Fez o
pedido, por conta própria.
Minutos
depois viria o garçom com um frasco de vinho e duas taças; colocou um pouco na
sua para que o cidadão degustasse e, uma vez aprovado, completou-a; porém, não
a da senhora, que continuava entretida na sua silenciosa atividade de
comunicação. O moço fez sinal ao profissional para que levasse a garrafa, mas
deixasse a taça vazia na mesa.
Ao
fundo dois violonistas e uma cantora alegravam o ambiente. Cruzando os braços,
o cidadão virou-se o mais que pôde para melhor visualizar os músicos, quase em
diagonal com sua acompanhante que, tudo indicava, sequer percebera a manobra e
o reposicionamento do moço.
Algum
tempo depois, ele se levantou e foi à bancada de frios; no percurso, cruzou com
o garçom, a quem pediu água mineral; em seguida, voltaria com sua tábua à mesa,
onde chegaria ao mesmo tempo que o garçom com a água solicitada. O funcionário
supriu-lhe a taça e decidiu conversar alguns minutos com o cliente, talvez,
fazendo-lhe companhia, haja vista a cidadã continuar ensimesmada com seu
smartphone, vagueando e zapeando por suas redes sociais.
Mais
ou menos uma hora após nossa chegada - minha com a patroa e um dos filhos -, o
cidadão decidiu ir embora; já havia consumido a quantidade de vinho que
pretendia e degustado os frios escolhidos. Pediu, com um gesto ao garçom, a
conta, que ele trouxe rapidamente; conferida, aprovada e paga, levantou-se, deu
um toque na patroa que parece haver se assustado com a inesperada ação. E
saíram.
Não
sei se ela já teria chegado ao restaurante após jantar e tomar os drinques
prediletos, fato é que eles não se falaram durante aquela mais de uma hora em
que os vi. Se tal modo de agir era comum entre eles, ou não; se o pau comeria
quando chegassem ao carro, em casa ou qualquer outro lugar, somente os jornais
do dia seguinte diriam, ou não.
A
este episódio, também testemunhei, em outro restaurante. Na grande mesa à
frente da nossa, estavam um casal mais idoso, duas mocinhas e três garotões.
Todos, à exceção da matriarca e do marido, já armados e disparando seus
smartphones rumo às redes sociais preferidas. Cabeças baixas, apenas a madame
dava conta do que acontecia ao redor.
Já
que ninguém da mencionada mesa parecia manifestar qualquer interesse em ser
atendido, os garçons passavam ao largo, indo ocupar-se de outros clientes. Lá
pelas tantas, o senhor, como que assustado, virou-se para sua senhora e
perguntou pelo garçom, ao que ela respondeu: “deve estar por aí”. Vendo um
deles, chamou-o, sendo avisado pelo mesmo que outro é que atendia sua área. E
este chegou. Pelo que pude perceber, o cidadão perguntou à patroa o que deveria
pedir para a “meninada”. Ela lhe disse para ele pedir o que quisesse, pois a
moçada se virava. Uma cerveja, um refrigerante e alguns copos traria o garçom,
logo em seguida. E a rapaziada, literalmente, seguia cada um na sua: teclando,
sorrindo, autofotografando-se, interagindo, se fosse o caso, com algo ou alguém
do outro lado das telas.
Um
dos rapazes, mais tarde, sem largar seu aparelho, pediu ao pai – levantando o
copo – cerveja. Brindou com ele, deu uma bicada e retornou à sua atividade
solitária.
Algum
tempo depois, talvez já cansados com a falta de papo, ou do pessoal da mesa,
dois jovens casais levantaram-se, acenaram, mecanicamente, despedindo-se dos
que ficaram, e saíram, abalroando mesas e cadeiras, pois não conseguiam tirar o
aparelho da frente dos olhos, nem os dedos dos viciantes teclados, onde
digitavam, desvairadamente.
Diante
do que acabara de presenciar, quedei-me em indagações. Não consegui deixar de
considerar inexplicável ou, no mínimo, desrespeitoso para com as demais pessoas
da mesa, que, certamente, convidaram-nos para conversar, rirem, falar alto;
bater papo, jogar conversa fora, discutir sobre política, futebol, religião, a
violência das ruas, a incompetência dos governantes e parlamentares e, quem
sabe, almoçar, tomar uns drinques, os que saíram terem se postado tanto tempo,
silenciosamente conectados, comunicando-se, virtualmente, com alguém que talvez
estivesse ao lado, em frente, ou a quilômetros de distância. Por que teriam
aceitado o convite se não havia qualquer interesse em conversar, pessoalmente?
Quiçá não venhamos reclamar do que pesquisas mais sérias, mesmo científicas, já andam anunciando: que estamos emburrecendo, ficando menos inteligentes, mais idiotas nestes tempos de permanente conexão à rede mundial de computadores e às redes sociais. Não é mesmo, Sandoval?
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