segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Missivas de Elisabeto Ribeiro Gonçalves

Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves


Belo Horizonte, 24 de agosto de 2022.

 

Meu querido amigo, Poeta ELMAR CARVALHO,

 

Recebi há uma duas semanas o seu opúsculo, OEIRAS NA ALMA E NO CORÇÃO.

Nem preciso dizer-lhe, Poeta, que fiquei (fiquei, não, estou) muito feliz com o presente, um régio presente.

Oeiras, minha velha e amada Oeiras, deve-lhe muito. E é uma dívida gigante, impagável, dessas que nenhuma moeda, de prata ou mesmo ouro, pode abater. Mas, se o vil metal (será mesmo vil, poeta?) não pode reduzi-la, um único sentimento, aninhado bem fundo em nossos corações oeirenses,  pode fazê-lo ou, pelo menos, tentar: a gratidão.

Nessa linha de tentar mostrar-lhe um mínimo desse sentimento de gratidão, não lhe fez nenhum favor a Câmara Municipal  em outorgar-lhe o Título de Cidadão Honorário de Oeiras. Poeta, minha cidade, Oeiras, por maiores que sejam seus méritos e por mais notáveis que sejam sua história, suas conquistas, seu passado de glórias, suas lendas e seu presente de realizações, com tudo isso, Poeta, e tudo isso é verdade verdadeira, Oeiras não o honra com essa comenda, com esse título, mas é você que acrescenta, que a honra, que a enobrece.

Eu, confesso-lhe sinceramente, gostaria de integrar a Câmara Municipal de Oeiras, gostaria de ser um desses cidadãos oeirenses ilustres e iluminados que, endossando a oportuna e justa iniciativa do vereador Neander Francisco da Silva Moura, apoiaram a concessão do título a você.

Mas, fique certo, Poeta, que, não obstante afastado fisicamente de minha terra, emocionalmente eu sou, antes de tudo, oeirense, por nada neste mundo  renuncio a esse privilégio e como oeirense, eu estava presente à sessão que o distinguiu com título e o assinei também, transbordando de orgulhoso e inebriado, como os outros Colegas, da mais sincera gratidão a você.

De agora em diante poderei, legitimamente, me gabar que nasci numa cidade que escolheu um homem e cidadão do seu porte intelectual e ético para ser um de seus filhos. Veja bem, Poeta, eu sou oeirense, e obrigatoriamente teria de sê-lo, por ter nascido lá; ao contrário, você, sem ter nascido em Oeiras, e unicamente por suas avultadas qualidades e por tanto amor dedicado a ela, foi intimado a ser também filho de minha cidade. Isso é pra poucos!

Agora, ambos somos oeirenses: eu, obrigatoriamente, por ter nascido do ventre de Oeiras; você, não, você foi convidado a ser filho da antiga Vila o Mocha, do que faz toda a diferença.

Acho que, em correspondência anterior, citei o grande poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade, filho de Itabira, cidadezinha próxima de BH: Itabira é apenas um retrato na parede, mas como dói. Eu diria que Oeiras, apropriando-me de palavras suas, “é também um retrato,  não só na parede, mas também na alma e  o coração”.

E no coração estão grandes amigos de minha infância, citados por você: Ferrer, grande intelectual, cronista de mão cheia, um dos melhores e maiores amigos meus, costumava chamá-lo de Farroz; seus irmãos, Luiz Toscano, Afonsina, Benedito...Seus pais, Lilásia e João Burane, eram grandes amigos dos meus; Luiz Ronaldo, Luiz de Xé, meu primo (falecido); Jose Ribamar de Matos, poeta e  tantos outros.

Como esquecer de Gerson Campo, poeta bissexto, talvez, mas com poemas lindos. Nogueira Tapety: cresci em Oeiras ouvindo falar da sensibilidade e talento do grande poeta que ele fora. Um dos seus sonetos mais conhecidos e recitados – Senhora da Bondade – andava na boca do povo e na minha. Grande Poeta...! 

Você certamente conhece a obra de Nogueira Tapety e eu guardo na memória o belíssimo “Senhora de Bondade”:

Não te quero por tua formosura

De Rainha da Graça entre as mulheres;

Quero-te, porque és boa, porque és pura

E, inda mais, porque sei que tu me queres.

 

A beleza exterior nem sempre dura,

E a d’alma, esteja tu onde estiveres,

Ungirá de virtude e de doçura

Tudo em que a  bênção deste olhar puseres.

 

Eu sou artista – encanta-me a beleza.

Em ti, porém, abstraio-a inteiramente,

E penso amar-te, assim,  com mais nobreza,

 

Pois se te esqueço a forma e a mocidade,

É para amar em ti unicamente

A Encarnação Suprema da Bondade.

 

Outros sonetos belíssimos como “Camoniano”. “Holocausto”, “Restos” “Ad eterno”, “Adoração” Enfim, vale a pena ser lida e relida  toda a produção poética do grande vate Nogueira Tapety .

Minha infância em Oeiras, ah se me lembro...!  Eu formava, com meus dois irmãos mais próximos (Luiz, falecido, e Paulo de Tarso) um trio da pesada: toda travessura, tudo que não de tão bom acontecia na cidade, era imediatamente atribuído ”aos moleques de doutor Tarso”, nosso pai, médico. Vida mansa, não Elmar?

Bem, estimado Poeta, já escrevi mais do que devia e certamente seu tempo, além de curto, é precioso.

                Anatália, minha irmã, tem muita e sincera  amizade e admiração  por você.

Fico-me por aqui, Poeta, com o afetuoso abraço do amigo,

Elisabeto

 

Enviei a seguinte carta eletrônica ao prezado amigo:

 

Caro amigo Dr. Elisabeto,

Fiquei muito feliz e comovido com suas belas palavras.

Sei que não as mereço na íntegra, mas mesmo assim fiquei lisonjeado em tê-las lido.

Acabei há pouco, na reunião da APL, de comentar sua carta virtual e virtuosa, ao confrade e amigo Moisés Reis, que lhe teceu justos elogios.

Seu texto tem as mesmas virtudes e sabor das antológicas missivas dos grandes escritores de outrora.

Eu gostaria de saber se posso publicá-la em meu blog e outras redes sociais?

Muito obrigado, caro amigo, por suas lindas e bondosas palavras.

Forte abraço.

Elmar Carvalho

 

O nobre Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves, um dos maiores oftalmologistas do Brasil, me respondeu da seguinte forma, em outra missiva paradigmática, verdadeira obra-prima:

 

Belo Horizonte, 29 de agosto de 2022.

 

Meu estimado Poeta e amigo ELMAR CARVALHO,

Acabei de ler o que você me escreveu a propósito da carta que lhe enviei, via e-mail, há poucos dias. Terminei a leitura com a firme convicção de que houvera um engano e que eu não seria o destinatário de sua correspondência. Pois não mereço os elogios nem seus nem os do Moisés Reis, cidadão, como eu, de Oeiras e filho de um dos maiores intelectuais oeirense, Hipólito Reis, muito amigo dos meus pais.

O Moisés é mais novo que eu, mas vivemos praticamente os bons tempos de meninice descuidada na primeira capital piauiense, a Vila do Mocha, depois Oeiras. Nessa época, Elmar, a meninada, até os 15 anos, usava calças curtas. E o trocar as curtas pelas compridas consistia   num verdadeiro ritual de passagem, com as quais conquistávamos o direito à doce atividade do flerte, da conquista, do namoro.  Regulando com a minha idade estava o irmão do Moisés, Pedro, um dos grandes e bons amigos de minha vida de total e plena irresponsabilidade em Oeiras. Irresponsável, descuidada, feliz e generosa a minha e a vida dos amigos, entre eles Pedro.  Família de intelectuais, a começar pelo pai, Hipólito. O mais velho dos irmãos (Antônio Epifânio) é intelectual de mão cheia, cedo mudou-se para São Paulo, onde acredito viver até hoje.

Eram tempos de assalto às quintas oeirenses em busca das saborosas mangas (rosa, principalmente), dos suculentos umbus, goiabas e araçás. Moisés também deve ter participado dessas molecagens, desses “pulares” de cerca das quintas do meu avô, Cel. Orlando, do “seu” Mário Freitas, do “seu” Tibério Siqueira, do “seu” Doca Nunes e dona Clarice Reis.

Eu sempre me pergunto se o passado existe e minha resposta é não. O passado, como o entendemos, é invenção puramente humana, dessa mania que temos de dividir o tempo para que ele funcione como uma espécie de quarto de despejos onde jogamos tudo o que não nos serve mais, ou que já perdeu a importância ou, pelo menos, parte dela. Mas nada deixa e existir, nada perde sua importância. O menino que fomos continua em nós, somos os mesmos moleques de anos atrás, e foi esse menino e essa menina, esses moleques irreverentes com as normas dos adultos, dos mais velhos, que inventaram e pariram as mulheres e homens que hoje somos.

Alguém já disse que o menino é o pai do homem. Se o homem, o adulto são o presente, não há como abrigar, lado a lado, a noção de passado e presente, mas de futuro, sim, essa mata fechada que tanto nos assusta, nos assombra quanto seduz. Mas, o que podemos fazer? Enfrentá-lo e incorporá-lo ao nosso presente.

Já me alonguei demais e a culpa é de sua generosidade. Não sei se vale a pena, mas você tem autorização para dar a minha carta a publicidade que achar conveniente. Mas não sei mesmo, repito, se   vale a pena!

Não, não tenho palavras bondosas para você, mas, sim, palavras e sentimentos verdadeiros, sinceros.  Anatália, minha querida irmã, é minha cúmplice nessa admiração e carinho por você, pois, por seu intermédio, pudemos nos corresponder e estreitar a amizade. E isso me deixa muito feliz: finalmente não é todo o dia que temos a grata oportunidade de ter um Poeta na relação de amigos.

Abraços afetuosos do amigo que o estima e admira muito,

Elisabeto

 

Acabei de lhe encaminhar o seguinte bilhete em resposta:

 

Caro amigo Dr. Elisabeto,

O amigo, com essa nova carta, acaba de provar que a minha resposta era mesmo para o seu destinatário, nela nomeado.

Essa carta, que ora estou a responder, se reveste das qualidades da anterior, o que demonstra, por a mais b, que o amigo é mesmo um extraordinário missivista, tanto pelo estilo, quanto pelo conteúdo.

Vou fazer a publicação solicitada.

Forte abraço.

Elmar Carvalho   

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