Oeiras na Independência do Brasil
Reginaldo Miranda [1]
Contudo, essa manifestação
contrariava os interesses colonialistas dos constituintes de Portugal, que nos
queriam reduzir à situação de colônia e explorar nossos recursos naturais de
forma predatória, escravizando-nos. Por essa razão, para abafar essas
manifestações, marchou o comandante das armas para Parnaíba, obrigando a
retirada dos conspiradores para o Ceará e reduzindo aquela vila à obediência.
No entanto, os fatos que se sucederam naquela vila litorânea, as idas e vindas,
os altos e baixos, escapam aos objetivos desta solenidade. Aqui, agora, estamos
para dizer da participação de Oeiras, a velha capital, nesses sucessos da
Independência.
Desde que o major Fidié deixara a
cidade de Oeiras, a situação modificara-se sensivelmente. Aqueles em que ele
mais confiava foram os primeiros que se levantaram em armas para depô-lo e
proclamar nossa solene e completa independência do reino de Portugal. Fidié
deixara Oeiras em 13 de novembro de 1822, à frente do Batalhão de Primeira
Linha e da tropa miliciana. Simbolicamente, trinta dias depois, em 13 de
dezembro – Dia de Santa Luzia – seis homens encapuzados invadiram a Casa da
Pólvora, surpreendendo os guardas, tomando-lhes as armas e lhes aplicando
algumas chibatadas, sem que ninguém os socorresse. Em torno do episódio houve
devassa, mas nada foi apurado, sendo o silêncio bastante eloquente. Oeiras
tramava. Oeiras conspirava. No silêncio da noite, urdia-se a tessitura da
Independência.
Esse silêncio só era quebrado
pelos sermões de um padre pró-lusitano, vigário colado José Joaquim Monteiro de
Carvalho e Oliveira, que pressentia os fatos e fazia alardes, chegando a firmar
uma representação, em 31 de dezembro, pedindo a convocação de um conselho civil
e militar para apurar assunto muito sério, segundo ele. Reunido o conselho no
dia seguinte, com a presença das principais autoridades civis e militares,
escusou-se o vigário de indicar nomes alegando que essa indiscrição seria
incompatível com seu ministério sagrado. No entanto, depois de votação secreta,
deliberou-se pela prisão em suas próprias casas, com sentinela à vista, por
conspiração, de José de Sousa Coelho de Faria, José Félix Barbosa, Lourenço de
Araújo Barbosa, João Barbosa de Freitas e tenente Ignacio Gomes Correia. Nenhum
membro da elite dominante, sendo essa uma mera satisfação momentânea, para
continuarem a tramar com segurança.
Nessa altura dos acontecimentos
chega a Oeiras um correio de Jacobina, na Bahia. Era 11 de janeiro de 1823. Foi
quando, depois de quatro meses, as autoridades locais tomaram conhecimento do
Grito do Ipiranga e da aclamação de D. Pedro como Imperador Constitucional do
Brasil. A situação mudava de figura. Uma portaria e proclamações do novo
governo imperial brasileiro noticiava os fatos e os conclamava à adesão. O
general Labatut informava que, por ordem do novo imperador brasileiro, se
encontrava à frente de um grande exército, sitiando a cidade da Bahia; que no
último dia 8 de novembro, patriotas baianos, de armas à mão, haviam mostrado
seu valor aos portugueses, matando em combate mais de 200 e ferindo 300, além
de fazerem muitos prisioneiros; informava dos reforços que esperava e
assegurava-lhes que tão logo subjugasse os lusitanos de Salvador marcharia
sobre o Piauí, para ajudar os patriotas locais. Essa notícia coincidia com um
levante do destacamento militar da vila de Marvão, hoje Castelo do Piauí, que
aderira à Independência. O vale do Crateús ameaçava a capital.
Mesmo diante desses fatos, a
temerosa e vacilante Junta de Governo do Piauí, avisou ao general Labatut, pelo
mesmo estafeta, que permanecia fiel ao governo de Lisboa. E toma medidas
tendentes a evitar ser surpreendida pela invasão de patriotas pela divisa
cearense. Contudo, sabiam que sua causa estava severamente ameaçada e perdendo
apoios. Não sabiam mais em quem confiar. Por essa razão, o ouvidor da comarca,
Dr. Francisco Zuzarte Mendes Barreto pede licença para retornar a Portugal, o
que foi negado pela Junta de Governo. Era desconfortável a situação para os
defensores da causa lusitana.
Estavam as coisas nesses termos
quando um alvoroço tomou conta da cidade de Oeiras, na manhã de 24 de janeiro de
1823. A cidade acordara novidadesca, com movimento de tropas no largo da
matriz. Fugiram na madrugada alguns membros da Junta. Novo governo se
instalava. Também, novo sistema político, nova realidade. Estavam completamente
desligados de Lisboa e para sempre unidos politicamente ao Rio de Janeiro. Ao
romper do dia era grande a agitação e todos buscavam saber das novidades,
entender o que realmente acontecia. Os relatos ainda eram desencontrados e
somente aos poucos as peças iam se encaixando.
De fato, seguindo um plano
adredemente traçado, na madrugada daquele dia os patriotas que tramavam em
silêncio, derrubaram o governo pró-lusitano e assumiram as rédeas da província.
Lideraram o levante o brigadeiro Manuel de Sousa Martins e seu irmão
tenente-coronel Joaquim de Sousa Martins, que ficara no comando da força, como
delegado de Fidié. Naquela madrugada, Raimundo de Sousa Martins e Francisco
Manuel de Araújo Costa, rebelaram o Regimento de Cavalaria n.º 1; Manuel
Pinheiro de Miranda Osório e José de Sousa Martins, assaltaram o Quartel de
Linha; Ignácio Francisco de Araújo Costa e José Martins de Sousa, cada uma por
sua parte, cercaram as residências e prenderam dois comandantes militares
pró-lusitanos[3]; Manuel Clementino de Sousa Martins tomou a Casa da Pólvora.
Enquanto esses fatos se desenrolavam, faziam patrulha pela cidade, com seu
regimento de cavalaria rebelado, os majores Bernardo Antônio Saraiva e Honorato
José de Moraes Rego, para apoiarem onde se fizesse necessário.
Enfim, assim se desenrolaram os
fatos e ao romper do dia o povo respondeu com vivas, aos brados que os irmãos
Sousa Martins, os irmãos Araújo Costa, Miranda Osório e outros erguiam à
Independência e ao Imperador.
Reunidos naquela manhã, os
vereadores, chefes militares, juiz de fora e os demais graúdos, em sessão
extraordinária do senado da câmara, por unanimidade, ratificaram os fatos e
aclamaram com entusiasmo o príncipe D. Pedro como Imperador Constitucional do Brasil. Em seguida, foi eleita a Junta Provisória
de Governo, assim composta: presidente Manuel de Sousa Martins; secretário
Manuel Pinheiro de Miranda Osório; e vogais Miguel José Ferreira, Ignacio
Francisco de Araújo Costa e Honorato José de Moraes Rego. Na mesma ocasião
fizeram os eleitos o juramento e tomaram posse de seus respectivos cargos, de
tudo lavrando-se ata de vereação para a perpétua memória dos tempos.
Desde então, foi ação primordial
do novo governo cooptar as demais vilas da província, arregimentar os corpos
militares e consolidar o movimento emancipacionista. No dia seguinte,
despacharam mensagem às câmaras das seis vilas piauienses, comunicando os fatos
e ordenando que fizessem o mesmo imediatamente; aos dois comandantes militares
de Campo Maior, ordenaram que cessassem suas ações e não embaraçassem, direta
ou indiretamente, o Sistema do Brasil; ao major Fidié, para abandonar o Piauí;
e ao governo pró-lusitano do Maranhão, para guardar neutralidade. Por via das
dúvidas, suspenderam a exportação de carnes e tomaram medidas de segurança com
relação à divisa maranhense.
Aliás, foi preocupação permanente
do governo proteger as passagens do rio Parnaíba, com receio de invasão de
tropas maranhenses. Não mostraram
receios do retorno de Fidié, mas temiam ataques do governo do Maranhão, que não
se concretizou. Talvez, se tivessem concentrado suas ações para deter o major
Fidié, em vez de preocupar-se com o Maranhão, teríamos tido melhor sorte na
Batalha do Jenipapo.
De toda forma, o presidente Manuel
de Sousa Martins e seus aliados juntaram tropas e as enviaram para as passagens
do rio Parnaíba. Em pouco tempo o capitão Francisco Manuel de Araújo Costa está
com sua tropa nos portos de São Gonçalo, Santo Antônio e Poti, onde vai
reunir-se ao tenente-coronel Raimundo de Sousa Martins, seu primo e cunhado.
Foram dois denodados lutadores. Recebem reforços de Valença, liderados por
Claro Luís Pereira de Abreu Bacelar, João da Costa Sousa e Antônio José Leite
Pereira de Castelo Branco, gente intemerata, representantes das principais
famílias do vale do Berlengas; de Parnaguá, veio somar-se a eles o capitão
Tibúrcio José de Borges; cujo contingente engrossa as fileiras do capitão-mor
João Gomes Caminha, oeirense que liderava um regimento de Jerumenha.
Não se pode esquecer os nomes de
Thomé Mendes Vieira, Arnaldo José de Carvalho, José Ignácio Madeira, Mathias de
Sousa Rebelo, Francisco Irineu Gomes Correia, João Damasceno Rodrigues, para
ficar apenas entre os combatentes do centro e sul piauiense. Tudo gente
denodada, brava, que não fugiu ao chamado da pátria.
Entram os cearenses
arregimentados por Simplício Dias da Silva, João Cândido de Deus e Silva e
outros lidadores parnaibanos.
Enfim, vem a Batalha do Jenipapo
e o posterior cerco de Caxias obrigando a rendição do major João José da Cunha
Fidié, que vem trazido para Oeiras e, posteriormente, enviado para a
Bahia. É importante ressaltar que o
brigadeiro Manuel de Sousa Martins, presidente da Junta de Governo do Piauí,
com o irmão Joaquim, governador das armas e os cearenses capitão-mor José
Pereira Filgueiras, comandante das armas do Ceará e Tristão Gonçalves Pereira,
vogal da Junta de Governo cearense, tomaram parte pessoalmente no cerco e nas
negociações para rendição de Caxias.
Depois vieram as chantagens a
aleivosias dos cearenses, mas é assunto para outra oportunidade.
Manuel de Sousa Martins foi o
braço forte, o grande líder desse movimento, por isso assumindo a testa do
governo da província, como presidente da Junta de Governo. Não esmoreceu com a
derrota dos patriotas em 13 de março, na histórica Batalha do Jenipapo, em
Campo Maior, só descansando com a derrota total dos portugueses e prisão de
Fidié, depois do cerco de Caxias, em agosto de 1823. É a grande referência da
política piauiense durante a fase provincial, com poder inconteste, daí que
somente conseguiram transferir a capital quando ele já beirava à senilidade.
Concluindo, pode-se dizer que a
proclamação de Oeiras, em 24 de janeiro, foi a primeira declaração oficial dos
piauienses pela separação política de Portugal. Foi o primeiro ato que ecoou o
Grito do Ipiranga no Piauí. E a participação dos piauienses foi decisiva para
consolidação da unidade nacional, evitando que o Brasil se desintegrasse como
ocorrera na colônia espanhola. Por essas razões, merecem figurar nossos
patriotas da Independência entre os heróis da pátria. Muito obrigado.
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado
com mais de 30 anos de efetiva atividade profissional, cofundador e
ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP),
ex-membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, em duas gestões,
ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Autor de
diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e
de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual
(UFPI-ESAPI). Contato: reginaldomirandaadv@gmail.com
[2] Antiga patente militar ou
correspondente a major.
[3] Capitão Agostinho Pires e
alferes Dâmaso Pinto da Veiga.
Texto muito bom. Possuo grande interesse pelo assunto. Há detalhes que sequer eu conhecia. Grato.
ResponderExcluirReginaldo Miranda em suas pesquisas vem encontrando muitas novidades.
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