sexta-feira, 9 de junho de 2023

Paçoca de gergelim

 


Paçoca de gergelim

 

Pádua Marques

Romancista, contista e contista

 

Nestes dias de junho, cheios de alegria por tudo quanto é canto por causa dos festejos de Santo Antônio, São João e São Pedro, me ocorre lembrar de uma comida que até hoje ainda me causa contentamento e saudade, a paçoca de gergelim. Na nossa casa era coisa de uma vez por outra minha mãe fazia com aquele capricho. Ninguém até hoje fez uma igual, bem pilada e fininha.

Minha mãe tinha uma paciência e uma resignação que até hoje me impressionam. Fosse na cozinha ou fazendo algum trabalho de costura de roupas, ao lavar as panelas e os pratos, lá estava ela de cabeça baixa e concentrada, de pouco falar com quem quer que fosse naquela hora. E era assim que minha mãe fazia a paçoca de gergelim, aguardada pelos meninos e meninas ali em volta da mesa grande de quase dois metros, hoje com mais de noventa anos.

Em nossa casa tinha um pilão, que a mamãe dizia e repetia ser ainda do tempo de minha avó. Tinha esse pilão pouco mais, se muito, de um metro, feito de madeira robusta, duas bocas e de cintura fina. Era um pilão que ficava sempre de pé. A mão dele era quase da mesma altura, com aquelas duas partes mais grossas que o meio do corpo. E minha mãe, depois de torrar numa panela de ferro o gergelim misturado com farinha branca e uma pitada de sal e açúcar, se punha a pilar com aquela cadência e uma paciência que só ela sabia ter.

Minha mãe sabia mais que ninguém pilar gergelim, milho pra aluá, arroz, farinha branca pra um caldo, fosse o que fosse. Às vezes quando havia necessidade, dava esse trabalho pra algum de nós meninos ou meninas, os maiores e já com sustança nos braços. E ficava ali por perto olhando se a paçoca estava no ponto.

Pouco tempo, não mais que alguns minutos, aquela farinha ia mudando de cor. E algum menino sempre ficava com vontade de meter a mão pra provar aquela farinha, assim num quase marrom, avermelhada. Paçoca de gergelim não era necessariamente comida dos tempos de São João. Mas era quase sempre feita naquele tempo. E servia e muito pra o café das três ou da noite. Depois de pronta e provada por minha mãe, a paçoca ia sendo distribuída a cada um de nós numa tigela.

Mas o gergelim não era apenas pra fazer paçoca. Era santo remédio, segundo minha mãe, pra curar gripes fortes porque, pisado no pilão e tirado o leite, era um expectorante, como hoje se diz. Curava catarro nos peitos e dava alívio quando a gente tossia.

E depois de beber aquele leite de gergelim sem açúcar lá íamos nós os de meninos gripados procurar os fundos de uma rede, se aquietar. Mas a gente gostava mesmo era da paçoca. Aquele gosto bom de, nem salgado e nem doce. Pra tomar com café era uma beleza!   

Depois o pilão voltava pra seu lugar na cozinha, o canto da parede, perto dos dois potes de barro, os dois ali silenciosos com aquelas tampas de folhas de Flandres pintadas de azul com flores brancas ou amarelas, compradas há muito tempo no Mercado da Coronel Jonas.

Esse pilão ficou até muitos anos em nossa casa. Até que por falta de uso, às vezes de ano em ano pra pilar o milho de nosso aluá de todos os meses de junho, o cupim foi comendo aos poucos até não servir mais, ficou velho igual aos homens. Virou um pilão velho coberto de poeira. Ninguém ligou mais pra ele, ninguém mais se lembrou dele ou tratou de perguntar se estava bem de saúde. A mão de pilão, essa durou mais tempo. Mas ficou a recordação da paçoca boa de gergelim, fininha, de cor rosada, grudando no céu da boca.

(Extraída do livro O Menino, de Pádua Marques) 

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