quinta-feira, 27 de julho de 2023

O Menino do Canto Escuro

 


O Menino do Canto Escuro


Frederico A. Rebelo Torres (*)

 

Em maio deste ano, tive a honra de receber um convite do próprio autor, o advogado Dr. João Batista do Rêgo, para prestigiar o lançamento de sua obra inaugural. Ao receber o livro autografado, junto com outros exemplares para a Academia Miguel-alvense de Letras e para compartilhar com amigos, tive a oportunidade de mergulhar na cativante história que ele nos apresenta.

Pág.20 “A localidade Canto Escuro fica no município de Barras, no Estado do Piauí. Segundo as informações, o Canto Escuro era um lugar de mata muito fechada, com terras boas para a agricultura, e que começaram a ser exploradas pelos moradores das localidades Santa Bárbara e Bosque a partir do ano de 1920, cultivando ali suas roças. E por ser uma região de matas virgens, como era chamada naquela época, o sol praticamente não clareava o solo que ficava encoberto pelas árvores e pouco iluminava o chão, deixando os lugares sempre escuros. Daí então, os agricultores passaram a denominar essa localidade de Canto Escuro, nome que perdura até hoje.”

Ao eleger o título 'O Menino do Canto Escuro', o autor recorre à figura de linguagem denominada 'metáfora', empregando o termo ou expressão em um sentido figurado, evocando outras ideias e imagens além de seu significado literal. Neste contexto, a metáfora se revela no emprego da expressão 'Canto Escuro', que vai além da mera indicação geográfica. A locução 'Canto Escuro' é empregada como metáfora que simboliza a condição de pobreza e obscuridade social vivenciada pelo menino. A figura de linguagem utilizada na narrativa exalta a atmosfera emocional do livro, estabelecendo vínculos entre o ambiente físico e o contexto social e emocional do protagonista. Deste modo, o título 'O Menino do Canto Escuro' se destaca como uma poderosa metáfora, convidando o leitor a explorar a história de um garoto que enfrentou desafios e adversidades em um cenário marcado por dificuldades.

O Canto Escuro era o lugar onde o menino se escondia (ou estava escondido) do mundo, também era um lugar onde ele podia sonhar e criar suas próprias fantasias. O título expressa que o menino ainda vive dentro do autor, pode ser uma referência ao fato de que o menino era uma pessoa única e especial. O Menino do Canto Escuro foi capaz de ver a beleza no mundo, mesmo nos lugares mais obscuros, e capaz de encontrar esperança, mesmo nos momentos mais difíceis.

Ao utilizar o nome do lugar onde nasceu no título do livro, o autor quis prestar homenagem ao nome do logradouro onde nascera, dando-lhe conotações de santuário, para ele, para família e para posteridade. Revelando o caráter predominantemente sentimental, bairrista e saudosista do autor.

O livro é um testemunho personalíssimo da história do protagonista, sem cortes ou aparas, trazendo para as páginas todas as frestas e gargalos da vida desde o menino pobre daquela época até o homem bem-sucedido de hoje. Página a página, sem demonstrar o ódio abrasivo ou a fresa da vontade de vingança, o autor ritmiza a narrativa, pari passu, de forma sincera, nos guia em sua Odisseia.

O livro começa com o autor contando sobre sua infância numa pequena cidade do interior do Nordeste. Ele descreve sua família e os conflitos internos, a bigamia do pai, a intolerância parental por parte de alguns irmãos, a condição de quase sem teto, numa casa insalubre, a dificuldade para alimentação e etc... seus primeiros anos de vida. O livro é cheio de memórias afetivas e também de momentos de tristeza e dificuldade. O autor fala sobre a pobreza, o preconceito e a violência que ele e sua família enfrentaram. Além disso celebra, hoje, as conquistas de uma família e todas suas vitórias, mostrando-se inclusive um cidadão do mundo.

João Batista nasceu em 1949, e o trecho mais marcante da história se passa entre a cidade de Barras e a capital Teresina, no Piauí. A narrativa autobiográfica 'O Menino do Canto Escuro' revela um olhar perspicaz sobre a jornada de vida de João Batista, desde sua infância em uma pequena cidade no interior do Nordeste do Brasil. O autor nos transporta para o cenário do Piauí dos anos 1950 e 1960,70 até os dias atuais, onde ele enfrentou inúmeras dificuldades, mas soube encontrar esperança mesmo nos lugares mais sombrios.

É importante considerar o contexto histórico local, nacional e regional para entender a realidade de João Batista e de milhares de outros "Meninos do Canto Escuro" que viviam naquela região e época.

O Brasil passava por um período de transição nos anos 1950, movendo-se de uma economia agrária-exportadora para uma urbana-industrial. Isso foi devido ao processo de industrialização que começou em 1930 e que criou condições específicas para o aumento do êxodo rural. Em 1940, poucas pessoas da população brasileira viviam em cidades. No entanto, a partir de 1950, o processo de urbanização se intensificou, pois, a industrialização promovida por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek criou um mercado interno integrado que atraiu milhares de pessoas para o sudeste do país. Enquanto isso, boa parte da população rural do Piauí, que não tinha condições de migrar para o sudeste, região que possuía a maior infraestrutura e, consequentemente, concentrava o maior número de indústrias, migrava das cidades do interior para a capital piauiense, Teresina, em busca de melhores condições de vida e escolaridade e foi isso que aconteceu com nosso protagonista que em chegando à capital, deparou-se em ter que trabalhar em “Cantos” de caminhões, ambulante, empregado do comercio com e sem vínculo empregatício.

Enquanto João Batista tinha 21 anos e apenas lia e escrevia, os anos 1960, no Piauí, em especial em Teresina, foram marcados pela ascensão da geração CLIP, que significa "Círculo Literário Piauiense". Este grupo foi oficialmente fundado em 2 de abril de 1967, mas houve um período de preparação antes disso. O movimento começou com a associação dos escritores Herculano Moraes e Hardi Filho em meados de 1964. Eles eram jovens escritores e poetas que queriam divulgar seus livros.

Neste contexto, podemos afirmar que existiam dois "Piauí": o engajado econômica e culturalmente e o Piauí do obscurantismo. Nosso personagem desejoso a todo custo sair da obscuridade, fato que só aconteceu de forma efetiva em 1977, quando conseguiu seu primeiro trabalho na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), conquistando a estabilidade econômica, uma vida digna para si e sua família e posteriormente com seu ingresso efetivo como advogado na ordem.

O autor, durante todo o percurso do livro, mostra uma memória espetacular, apontando com precisão datas, lugares, nomes, paisagens, sequências de acontecimentos e sensações sentidas desde tenra idade. É impressionante que o autor ainda preserve na memória alguns termos ou terminologias que já caíram em desuso, a exemplo de “franzino”, para indicar indivíduo magro, além de outros termos e vocábulos do passado. Fato interessante que ainda nos anos de 1960, a figura do tropeiro ainda era viva e o próprio João Batista, fora tropeiro a transportar as bananas para “As Barras”, na companhia do padrinho.

Uma extraordinária ferramenta de registro histórico, pois o mesmo narra toda a jornada da profissão rural, tornando-se um referencial para aqueles que se dedicam à nobre missão de contar histórias.

Na obra “Os Sertões”, Euclides da Cunha afirma: “o nordestino antes de tudo é um forte. E podemos afirmar que João Batista é um desses nordestinos.

"Sou nordestino!

Sou do sertão, terra quente,

  Que é bem difícil chover.

 Nasci de um povo valente,

 acostumado a sofrer.

 Sou nordestino, oxente,

 E tenho orgulho de ser.

Autor: Guibson Medeiros"

Sobre a obra “O Menino do Canto Escuro”, diz o renomado Advogado e Historiador Piauiense, Imortal Reginaldo Miranda:

"Ler a presente autobiografia é viajar no tempo e no espaço, conduzido pela escrita do seu autor".

A literatura brasileira conta com muitas obras deste gênero, importantíssimas, seja ficção ou realidade. Cito Fernando Sabino e José Lins do Rêgo como exemplo nesse contexto.

Temos em "O Menino do Canto Escuro" uma obra que ultrapassa o simples relato de uma vida, representando um verdadeiro mergulho nas memórias do autor, Dr. João Batista do Rêgo. Ao longo das páginas, somos transportados para o interior do Piauí, para a pequena Barras, das décadas de 1950 e 1960, onde o cenário rico em detalhes nos permite vivenciar a infância e a juventude de um menino que enfrentou inúmeras dificuldades, mas soube encontrar luz mesmo nos lugares mais sombrios.

Essa autobiografia é um testemunho honesto e genuíno de uma vida repleta de desafios e superações. O autor não poupa detalhes ao retratar sua jornada, compartilhando tanto as alegrias quanto as dores que moldaram sua trajetória. A pobreza, o preconceito e a violência são abordados de forma corajosa, permitindo ao leitor vislumbrar a complexidade das experiências vividas.

Em meio aos desafios e oportunidades que a vida nos oferece, é essencial lembrar que todos nós somos protagonistas de nossa própria jornada. A trajetória de João Batista nos ensina que cada passo dado, cada escolha feita e cada sonho acalentado são peças fundamentais na construção do nosso destino. Sua obstinação pelo conhecimento.

Portanto, expresso minha admiração e gratidão a João Batista do Rêgo por compartilhar sua história com tanto vigor e profundidade. Sua obra é um verdadeiro legado, que nos inspira a enfrentar desafios e a valorizar cada passo dado em nossa própria jornada. Sua coragem em escrever sobre suas origens e suas lutas inspira a todos que buscam entender o verdadeiro significado da resiliência e da superação, para “As Barras do Maratauã” mais um filho desponta no cenário cultural do Piaui.

(*) Escritor, crítico literário e poeta. Membro da  Academia Miguel-alvense de Letras - AML, da Academia de Letras do Vale do Longá - ALVAL e da Confraria Camões ALB, AMLH, AHMOC e SOPIPO.   

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