NA CASA DO ESTUDANTE E NO LICEU
Elmar Carvalho
Passando ontem pela rua Rui
Barbosa, em direção ao bairro Tabuleta, vi o velho prédio da Casa do Estudante,
que fica perto do Verdão e do Estádio Lindolfo Monteiro. Recordei o jovem de 16
anos, prenhe de esperanças e de sonhos, que fui um dia. Nessa época, consegui
com o Gilberto Ferreira, então seu presidente, meu conterrâneo, uma vaga,
disputadíssima, considerando que em 1973 poucas cidades do interior do Piauí
possuíam o 2º Grau.
Cheguei a esse abrigo em março
desse ano, na época das chuvas, com pouca bagagem e uma velha cama de campanha,
de lona verde, creio, que meu pai tinha e me deu. Os apartamentos já estavam
lotados, de modo que fui designado para ficar num grande alojamento, que mais
se assemelhava a uma enfermaria de um hospital público, com dezenas de camas
bem próximas, espalhadas pelo vasto recinto.
Restou-me um local perto de uma
janela de venezianas. Na hora, não atinei por que aquele local ainda estava
vago. De repente, acordo atordoado, em meio a grande alvoroço. Chovera, e todos
que ficáramos perto da janela recebíamos os respingos da chuva. Não me recordo
de como consegui voltar a dormir. O chamado prédio novo estava quase concluído.
Os veteranos iriam ocupá-lo.
O Gilberto Ferreira, irmão do
Paulo Ferreira, hoje médico bem-sucedido e humanitário, dono do Hospital das
Clínicas de Teresina, e do Clemilton, de estrepitosa e contagiante gargalhada,
meus amigos, prometeu que os quatro de Campo Maior iríamos “herdar” o seu
apartamento, que era um dos melhores do prédio velho, tão logo ocorresse a
mudança.
O quarteto éramos eu, o Rui Lima,
o Edmar Pinto, já falecido, um dos maiores craques do futebol piauiense, e Alfredo
da Paz Neto, hoje advogado da CEPISA. A promessa foi cumprida. As instalações
hidráulicas e elétricas eram antigas e já estavam comprometidas, de modo que,
às vezes, sofríamos pequenos choques, na hora do banho, o que me deixava sempre
apreensivo.
Quando eu passava o final de
semana em Teresina, o principal lazer consistia em irmos, em pequenos grupos, a
pé, à Praça Pedro II, e contemplarmos os volteios das raparigas em flor, na
expressão feliz e poética de célebre escritor.
Eu estudava, à noite, no velho
Liceu Piauiense. Quando meu pai foi ali me matricular no primeiro ano do antigo
Científico, recebeu a notícia de que não havia mais vagas, o que foi um choque
para mim. Meu pai pediu para falar com o diretor. O professor Olímpio Castro
nos recebeu. Meu velho lhe explicou a situação, tendo ele dito que só dava para
arranjar uma vaga no turno da noite. Dei-me por satisfeito, e fui matriculado.
Achava bonito, como mais ainda
acho, o velho educandário. Contemplava, encantado, o seu auditório, e
menino-poeta interiorano me sentia o próprio Castro Alves, a recitar os seus
versos condoreiros no Teatro Santa Isabel, no Recife. Eu havia lido o ABC de
Castro Alves, de Jorge Amado, e aquilo tudo me deslumbrava. As estátuas das
mulheres, simulando verdadeiras cariátides, que pareciam sustentar o teto do
auditório, se me afiguravam enormes e belas deusas gregas, e a minha imaginação
me transportava à Grécia de que ouvira falar através de minhas leituras.
Pouco tempo atrás, revi esse
auditório. O recinto já não me pareceu tão grande, e as mulheres já não me
pareceram deusas e nem tão belas. Era a diferença entre as perspectivas de um
rapazola ingênuo, cheio de sonhos, expectativas e devaneios, e um homem maduro,
que já não acalenta ilusões.
Saudoso de minha terra e de meus
pais, voltei, como diz a música do Roberto Carlos. Lá concluí o primeiro e fiz
o segundo ano letivo. Tive bons mestres, cujos nomes, com alguma involuntária
omissão, declino: Altivo da Costa Araújo, odontólogo, homem bom e bem-humorado,
José Martins, bioquímico, meu irmão maçônico, Luís Francisco Miranda, meu
vizinho, em cuja motoneta, uma Vespa ou Lambreta, peguei carona algumas vezes,
Iracema Gomes e Margarida Alacoc, todos competentes e dedicados.
De modo que o meu retorno ao
aconchego do lar paterno e materno em nada me prejudicou.
5 de junho de 2010
Com muita satisfação, recebi, por WhatsApp, o comentário abaixo do amigo e poeta Wilton Porto:
Caneta de um Mestre das letras.
O Liceu tem uma arquitetura de imponente atração.
Fincado após uma praça de área sugestiva, não tem como não chamar a atenção.
Nunca adentrei naquele educandário. O próprio Olímpio escreveu um livro sobre essa escola.
O "menino-poeta interiorano", hoje tem muitos auditórios à disposição para declamar e ser aplaudido.
Aprendi que, temos que sonhar grande. Ninguém conquista nada, se nos alforges de viagem, não tiver sonhos dourados e imensos.
Elmar sempre foi um el mar de sonhos, potencialidade literária e inteligência plausível.
Parabéns, por mais uma crônica iluminada!
Sempre admirei a imponente arquitetura do Liceu Piauiense. Sempre conclui que a arquitetura da escola é um atrativo a mais. Como o da arquitetura antiga dos Colégios das Irmãs e do Diocesano, os quais estudei e sempre admirei. Uma curiosidade, na época do Diocesano, as salas ainda eram no ventilador, quando todas as escolas já possuíam os refrigeradores de ar.
ResponderExcluirMuito obrigado, João Miguel.
ResponderExcluirPoeta, duas coisas em comum com o seu belo texto: primeiro, estudei no Liceu nos anos setenta também, mais precisamente nos anos 70 e 71, e também à noite. Segundo, fui conhecer a Casa do Estudante nessa época para uma visita ao amigo Vagner Moura, dentista e professor da UFPI, que residia por lá. Ele me levou para conhecer o quarto em que dormia, exatamente o salão enorme e cheio de camas de campanha espalhados por todos os lados, molas rangendo feito cãezinhos esfomeados. Era noite e muitos estudantes estavam deitados já àquela hora. Não esqueço uma frase bem humorada dita por um deles quando me viu entrar naquele imenso salão: Ele começou a bocejar estrepitosamente, e um colega ao lado, para coadjuvá-lo, perguntou-lhe: Por que você não dorme? Ao que ele respondeu: Não posso, tenho visita!
ResponderExcluirSe referia a mim, o gaiato. Foi uma gargalhada geral e estrondosa no imenso salão.
Depois, fui lá algumas vezes para assistir a alguns jogos no Lindolfinho diretamente de uma janela no segundo andar daquele velho prédio. O problema era que só dava para ver uma das traves, a que ficava do lado direito. Tornava-se um suplício observar os jogadores atacando para o lado esquerdo do campo, e depois sumindo das nossas vistas. Tínhamos que aguardar pelo grito ou não da galera para saber se havia sido gol. Muitos profissionais de renome da nossa terra hoje, dormiram e sonharam grande naquele velho depósito de estudantes, meu caro amigo.