Dom Augusto da Munguba e Dourado, em frente ao célebre Recanto da Saudade Charges de Gervásio Castro
DOURADO E O TANGOLOMANGO DO
MACACO
Minha mulher, ao selecionar umas
fotografias de um álbum antigo, para digitalizá-las, encontrou uma em que o
saudoso Dourado aparece, numa casa da Várzea do Simão, onde nasceram ela,
Fátima, e seus irmãos. Preparava um churrasco, já que vivia desse biscate e,
também, de pescaria.
Conheci-o por ocasião de um
festival, acontecido na década de 70, no auditório do SESI, na avenida
Presidente Vargas, em que o jornalista B. Silva foi um dos vencedores. Ele era
engraçado, já a partir de seu próprio biótipo; baixinho, gordo, atarracado, de
gargalhada longa, espichada, levemente aguda e com certa musicalidade. Tinha
senso de humor.
Nessa ocasião, após o término do
evento, seguimos pela avenida, em direção ao centro. Dourado cantarolou uma
música em que falava de um macaco tangolomango a dançar tango. Disse ser a
composição de sua autoria. De fato, ele parecia ter pendores artísticos,
sobretudo voltados para a música e para a encenação.
Seu reduto predileto era o bar de
Dom Augusto, comandante do Recanto da Saudade, situado na Munguba City, nas
imediações da Vala da Quarenta, onde outrora aconteceram os famosos Bailes
Azuis e outros bailes da zona meretrícia que ali existira, que sobrevivem ainda
nas páginas do romance Beira Rio Beira Vida, de Assis Brasil, e no livro
Vareiros do Parnaíba e Outras Histórias, do jornalista Sousa Lima, que cheguei
a conhecer.
Nesses livros continuam quase
vivos os porcos d'água e as meretrizes de antigamente, que fervilhavam no cais
do Igaraçu. Várias pessoas ilustres de Parnaíba, como advogados, médicos,
funcionários públicos e comerciantes, frequentavam o bar do Augusto e tinham
amizade e consideração ao Dourado, que muitas vezes lhes acompanhava às
pescarias e lhes preparava o churrasco das “bebecomemorações”.
Em alguns carnavais, ele, dando
mostra de sua capacidade teatral, caracterizava-se como determinada
personalidade nacional. Certa feita, encarnou P. C. Farias, tristemente
célebre, pelas razões que todos conhecem. Parecia o próprio P. C., com o mesmo
corte de cabelo, o mesmo tipo de óculos e uma pasta modelo 007, certamente
vazia de dinheiro.
Mas Dourado não era apenas um
homem bem-humorado, um tipo histriônico e boêmio, no bom sentido da palavra;
era também uma pessoa boa, agradável e sensível. Vivia, ao que me parece,
sozinho, num pequeno quarto do bairro da Quarenta, posto que seus irmãos moravam
fora do Piauí. Certa vez, ao me falar de sua infância, de seus pais, de seus
irmãos, no bar do Augusto, já levemente tocado pelo álcool, começou a chorar
convulsivamente, numa viva demonstração de que não era e de que jamais fora um
bobo da corte.
Era um ser humano completo, com
alegrias e tristezas, qualidades e defeitos. Mas, para mim, as suas tristezas
eram quase invisíveis; e os seus defeitos, irrelevantes.
2 de julho de 2010
Excelente crônica. Quantas figuras ímpares como a descrita cruzam nossas estradas? Parabéns.
ResponderExcluirExcelente texto do Dourado. Completa-se com o Bar do Augusto um soneto bem harmonioso e gostoso de ler. Parabéns, poeta.
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