terça-feira, 7 de maio de 2024

Conversa com o poeta Virgílio Queiroz

 



Conversa com o poeta Virgílio Queiroz

 

Elmar Carvalho

 

Conheço o poeta amarantino Virgílio Queiroz desde meados dos anos 1980. Nessa época, num hotel da Avenida Des. Amaral, situado numa das esquinas ao pé do Morro da Saudade, ele nos contou anedotas jocosas de sua terra natal, em que as figuras populares e folclóricas eram protagonistas. Era bem-humorado, bom de copo e de papo, como ainda o é. Agora, ele me mandou a seguinte mensagem escrita, por WhatsApp:

“Já vivi e já morri por dezenas de vezes e perdoem-me minha (in)credulidade. Não me interesso mais por questões profundas sobre a vida e regimes políticos e sociais. Estou no fim e já baixei a guarda. Não adianta lutar, a batalha é inglória. Os meus livros ficarão inéditos e minhas ideias sepultadas. A vida vai continuar apesar dessa minha metamorfose ambulante. E tudo passa e nós não morremos cedo ou tarde. Apenas morremos. Como fênix morri e renasci. Agora, jogo-me ao fogo dos deuses do esquecimento. Não haverá obra, não haverá sobra, apenas essa tolice de dizer que apesar do ódio, existe o amor. Grande besteira que não chega nem à beira do que posso pensar.”

Respondi-lhe haver notado certa sombra de pessimismo em suas palavras, mas que talvez fosse apenas reflexo da realidade pura e simples, que nos assola. Lhe disse já estar também um tanto desencantado, mesmo com a literatura, que já não me dá o mesmo prazer que me deu outrora, sobretudo nesta época em que já não temos bons leitores, em que todo mundo virou escritor. Aduzi que não tenho prazer com o ato de escrever, mas apenas com o texto final, quando algum leitor gosta, ou quando a minha implacável autocrítica me indica que fiz um bom texto.  

Virgílio respondeu:

“Realmente. Lembro-me que esse ‘pessimismo é moda em 73’. Naquele tempo existiam poucos cantores e bons letristas. Poucos e bons. Hoje, muitos e poucos [bons]. Grandes articulistas/jornalistas, embora pouco. Muito pouco. Hoje, milhões se dizem jornalistas e, com eles, a falta de ética, de conhecimento, de responsabilidade. De certa forma, acabou o pedantismo dos semideuses do saber. É, estou entrando no fogo dos deuses do esquecimento."

Repeti que já não há leitores, mas apenas escritores; que todo mundo se acha no direito de deitar falação sobre tudo e sobre todas as coisas. Citei Umberto Eco: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade”. Falei que a Bíblia nos adverte para não chamarmos nossos irmãos de tolos, mas o fato é que pessoas sem o devido preparo estão emitindo opiniões sobre assuntos complexos, que não dominam ou não conhecem bem. Sem falar nas chamadas fake news.

Resolvi “me citar-me a mim mesmo”: “Desmanchei / com minhas mãos / que os criara / os deuses em que cria”. Expliquei que nos tempos bíblicos havia os ídolos de metais, de barro, de madeira, mas que agora os ídolos eram cantores, políticos, moedas, carros, roupas e outros abjetos objetos. Para ilustrar o que dizia, resolvi escrever o poeminha abaixo, que imediatamente lhe enviei:

Meus ídolos

Eram de barro

E se quebraram;

Eram de madeira

E sem eira nem beira

Se queimaram.

Meus ídolos

Eram somente

Ídolos e não deuses.

Virgílio Queiroz, flamenguista como eu, não poderia perder a deixa; matou no peito, chutou com força, de forma rápida e certeira, e marcou um gol de placa, encerrando com chave de ouro, cravejada de diamante e outras pedras preciosas, o nosso diálogo:

“'OS ÍDOLOS SÃO DE BARRO’. Aos vinte anos eu lia Nietzsche e era repreendido pela minha irmã Fátima (de saudosa memória). Ela, muito religiosa, não entendia esse meu gosto literário. Para ela o ateísmo de Nietzsche se fazia presente em todo o seu pensamento e obra, numa constante e inexplicável batalha contra os ensinamentos cristãos (o ANTICRISTO). E eu, como forma de criar animosidade, dizia: os ídolos são de barro."

5 comentários:

  1. Marcos Lopes Vasconcelos7 de maio de 2024 às 12:06

    “Meus amigos da COMPROMOTEC”, este é um bordão que uso há várias décadas, geralmente quando preciso fazer um anúncio bem humorado para amigos ou familiares. Mas a autoria da frase não é minha… o autor é o entrevistado da coluna, Virgílio Queiroz, na época (1982) coordenador da Comissão Provisória do Movimento dos Tecnólogos (Compromotec), na UFPI. Ele iniciava seus discursos em assembleias sempre com essa frase… Eu achei bem curioso e acabei assimilando-a em situações mais relaxadas - e nunca mais deixei de usar! Isso mostra o poder da palavra e sua imensa capacidade de se perpetuar! Abraços para os dois poetas!

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  2. Muito obrigado, caro Marcos.

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  3. Eu gosto muito de ler e tenho uma Neta que é psicologa e gosta muito de ler e me incentivar pra.ler mais.Meu primo sou sempre sua admiradora.

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  4. Parabéns aos dois amigos: Elmar e Virgilio

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