AS CAPAS CARDINALÍCIAS
Elmar Carvalho
Recebi recentemente o livro
titulado Contos, de José de Ribamar Freitas, do qual fui aluno na UFPI. Tenho
procurado cultivar a sua amizade, talvez um pouco por egoísmo, pois com isso
tenho desfrutado de sua conversa agradável e tenho procurado sorver sua
erudição. As ficções, como não poderiam deixar de ser, são escritas no estilo
elevado e austero do mestre, naquela linguagem clássica, que nada fica a dever
a Antônio Vieira ou Manuel Bernardes.
Dizia Mário de Andrade que conto
é o que se chama conto. Com essa resposta, talvez, pretendesse dizer que um
conto deve contar algo; ou que um texto que narrasse alguma coisa teria que ser
considerado um conto. Com efeito, os textos da obra de Ribamar Freitas, nessa
interpretação, são legítimos contos, porque são narrativas, porque contam uma
história, porque descrevem acontecimentos e fatos imaginários.
O mestre tem uma imaginação
fértil, poderosa, e sabe criar o suspense, ao prender a atenção do leitor, com
a descrição do ambiente, com a intercalação de episódios menores, porém
importantes, com a caracterização psicológica e física da personagem, com diálogos
atraentes, em que as suas criaturas revelam o seu espírito e a sua cultura.
Ribamar Freitas teve a ousadia
intelectual de cometer um longo conto histórico, quase uma novela, cuja
personagem principal é nada mais nada menos que o célebre rei Dom Sebastião,
desaparecido na Batalha de Alcácer-Kebir, em terras africanas, cujo cadáver
nunca foi encontrado, o que fez surgir a lenda e o misticismo do Sebastianismo,
em que os portugueses sonhavam com o retorno dele à governança de sua pátria.
O mestre fez um belo trabalho de
pesquisa, e soube urdir a ambientação e a linguagem da época, sem descurar do
contexto histórico em que o texto está inserido. A capa não poderia ser mais
atraente em sua singeleza: em letras brancas, encimando-a, vê-se o nome completo do autor, José de Ribamar Freitas, e
no meio, em letras maiores e níveas, o título CONTOS, tudo vazado sobre um
fundo vermelho.
Essa capa vermelha me fez
recordar o tratamento gentil que o mestre Ribamar Freitas dedicou a meus
humildes livros, que lhe autografei em sua portentosa biblioteca. Entreguei-lhe
a segunda edição de Rosa dos Ventos Gerais, que tem um belo estudo dele sobre
figuras de linguagem que tenho usado em meus poemas, e conversamos um pouco.
Quando eu já me preparava para
descer os degraus de sua cobertura, o mestre me fez voltar, e me chamou para
ver onde ele iria colocar o exemplar. Acompanhei-o, entre apreensivo e curioso,
até um dos compartimentos de sua avantajada biblioteca. O mestre, apontando
para o alto de uma das estantes, exclamou: “É ali, entre os poetas ilustres do
Piauí, que vai ficar o seu livro”. Não irei, nesta ocasião, ter o cabotinismo
de declinar os nomes dos poetas que lá estavam.
Depois, em novo critério de
arrumação bibliotecária, ele houve por bem colocar meu livro entre outros que
tinham textos seus. Não lhe disse, mas é claro que preferia que ele ficasse no
lugar que lhe coubera anteriormente. Porém, tempos depois, como uma compensação
de que não me acho merecedor, o professor Freitas mandou colocar capas duras,
protetoras, vermelhas, sanguíneas, com letras e ornatos dourados, em meus
livros. Pareciam vestes talares e cardinalícias, a cobrir a simplicidade de
Rosa dos Ventos Gerais e Lira dos Cinqüentanos.
Após essa nova indumentária, ele
os depôs entre os seus aedos prediletos, em lugar de destaque. Fiquei com a
leve desconfiança de que o Mestre, em lugar de me homenagear, queria me matar
de emoção. Afinal, já não sou mais nenhum garoto.
Devo acrescentar que um gesto
espontâneo e sincero como esse tem para mim muito mais valor do que certas
medalhas e comendas, que se azinhavram e desbotam ao longo de pouco tempo.
13 de outubro de 2010
Acho interessante, a preocupação que você teve em datar os seus escritos. Em termos de fatos históricos, ou bibiográficos, situar a época, vale muito. Estou, neste momento, escrevendo sobre a nossa Associação. Neste instante, valho-me das lembranças. Chegará a hora em que terei que ter datas e valores numéricos das ações. Você, além da excelente memória costuma ter datada as ações literárias. Não escreveria poemas e crônicas tão bem conceituadas, caso não se preocupasse em ter nos arquivos, dados relevantes, que somam às recordações.
ResponderExcluirBela crônica , que bem revela o seu talento.
Wilton Porto
Excelente comentário, caro amigo. O motivo da data no vertente texto, é que ele faz parte de um Diário, em formato de crônicas memorialísticas e de outras temáticas.
ResponderExcluirObrigado, Poeta!
ResponderExcluirWilton Porto