Uma Confissão Inconfessável
Fabrício Carvalho Amorim Leite
Uma mezzo-soprano destacou-se entre as velhas vozes fanhosas do
coral. Hei de chamá-la Tâmara.
Poderia ser Adelaide, Elena… Mas insisti comigo mesmo: Tâmara.
Das últimas fileiras da igreja, pouco importava se ela não passava
de um vulto. Afinal, os olhos cansados dos quarenta haviam chegado. Imaginei-a
e ri — como os que erguem o rosto a Cristo em fervor, mas, por dentro, abraçam
a sólida indiferença moral. Coisas da falsa fé.
E então, senti um sutil incômodo — algo cutucando o juízo, um
pensamento errante que escapou sem que eu percebesse. Primeiro, a silhueta,
imóvel, intocada pela multidão. Depois, quando dei por mim, ela já era tamareira:
macia, fecunda, lasciva, abrindo-se em cachos e alma. Suas folhas, afiadas como
espinhos, curvavam-se sobre mim. E nos abraçamos com aleluias.
Eu lhe traria o adubo — aquele que faz os brotos mudarem de cor. Outro
formigamento — um leve sacrilégio ao invocar a árvore sagrada.
Foi então que pedi a Deus mil clemências. Os joelhos dobrados em
suplício — a alma, curvada, afligindo minha artrose. Ainda assim, persisti.
Insisti nos atos penitenciais, um após o outro.
E, direi mais baixinho — envergonhado, mas pretensioso — e ainda
assim confessarei: aproveitando-me da ausência do padre no seu caminho, ousei
também lançar-lhe meu olhar pagão.
Ela, de relance, sorriu — com piedade deste homem casado, cuja esposa, ao lado, já erguia o
salto fino e alto, diante do Altíssimo, pronta para infligir-me a derradeira
dor.
Fevereiro, 2025.
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