quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Uma Confissão Inconfessável

Fonte: Google


Uma Confissão Inconfessável


Fabrício Carvalho Amorim Leite


Uma mezzo-soprano destacou-se entre as velhas vozes fanhosas do coral. Hei de chamá-la Tâmara. Poderia ser Adelaide, Elena… Mas insisti comigo mesmo: Tâmara.

Das últimas fileiras da igreja, pouco importava se ela não passava de um vulto. Afinal, os olhos cansados dos quarenta haviam chegado. Imaginei-a e ri — como os que erguem o rosto a Cristo em fervor, mas, por dentro, abraçam a sólida indiferença moral. Coisas da falsa fé.

E então, senti um sutil incômodo — algo cutucando o juízo, um pensamento errante que escapou sem que eu percebesse. Primeiro, a silhueta, imóvel, intocada pela multidão. Depois, quando dei por mim, ela já era tamareira: macia, fecunda, lasciva, abrindo-se em cachos e alma. Suas folhas, afiadas como espinhos, curvavam-se sobre mim. E nos abraçamos com aleluias.

Eu lhe traria o adubo — aquele que faz os brotos mudarem de cor. Outro formigamento — um leve sacrilégio ao invocar a árvore sagrada.

Foi então que pedi a Deus mil clemências. Os joelhos dobrados em suplício — a alma, curvada, afligindo minha artrose. Ainda assim, persisti. Insisti nos atos penitenciais, um após o outro.

E, direi mais baixinho — envergonhado, mas pretensioso — e ainda assim confessarei: aproveitando-me da ausência do padre no seu caminho, ousei também lançar-lhe meu olhar pagão.

Ela, de relance, sorriu — com piedade deste homem casado, cuja esposa, ao lado, já erguia o salto fino e alto, diante do Altíssimo, pronta para infligir-me a derradeira dor.  

                                                                                                                             Fevereiro, 2025.

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