DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS
Elmar Carvalho
Conversei, neste domingo, no
shopping, com dona Inês, irmã do desembargador Antônio Gonçalves. Perguntou-me
pela Fátima, de quem foi colega nos Correios. Falamos do tempo em que fui juiz
em Inhuma, sua terra natal, em substituição à juíza titular, que se encontrava
de licença. Fomos abordados pela professora Glória Soares, sua amiga, e velha
amiga de meus pais, embora bem mais nova que eles. Na rápida conversa que
entretivemos, falamos em Francinópolis, o antigo povoado de Papagaio. Disse que tinha um livro da história desse
município para entregar a meu pai. Prometi-lhe que qualquer dia iria buscá-lo.
Disse-me ela que tinha algumas
fotos minhas, de quanto eu era criança; acrescentou que eu fora um dos meninos
mais bonitos que ela já vira. Pedi-lhe que escaneasse as fotografias, e me
mandasse por e-mail, o que ela o fez, em tempo recorde. Numa delas, estou entre
meus irmãos João e Antônio; em outra, estou a fazer pose, como pequeno e
amestrado galã de cinema; na terceira, talvez aos dois anos de idade, caminho
despido na rua arenosa, feliz, de pança cheia, tendo por fundo uma casa em
ruínas.
Não pude deixar de me lembrar,
vendo essa terceira foto, dos versos do poeta, que dizem que, no verdor dos
anos, as graças e as esperanças vão florindo à nossa frente, enquanto os
desenganos vão ficando para trás, mas que, no crepúsculo da vida, as flores e
as esperanças vão ficando para trás, enquanto os desenganos e as ilusões vão
marchando à nossa frente.
Foto recente. (c) Cláucio Carvalho |
Meu pai fora tomar posse de seu
emprego no DCT, em cujo mister percorria a linha telegráfica, em plena Chapada
Grande, então ainda mais desértica, quase intocada, pois os nativos preferiam
as proximidades dos córregos e dos rios e a exuberância fértil dos brejos.
Quando meu pai chegou de mudança, o seu colega, amigo e compadre Joel, que não
o conhecia, havia colocado provisão de lenha na casa e água nos potes, num
gesto de lhaneza, que meu pai nunca esqueceu. Hoje seu filho, o médico Ozael
dos Santos, é o prefeito do município.
No alto do morro, então terra
nua, sem benfeitorias, vestido apenas de árvores nativas, havia a pequena e
singela ermida, sob a invocação de São Francisco, onde meus pais devem ter
rezado tantas vezes, sobretudo meu pai, rezador fervoroso. Tive durante algum
tempo um sonho repetitivo, talvez falsa memória das conversas paternas, em que
eu passava por uma pequena cidade, que tinha uma espécie de mureta com degraus
a perlongar um morro, no qual havia um cemitério.
(c) Cláucio Carvalho |
Cerca de dois anos atrás, quando meus pais, eu e meu irmão César fomos visitar Francinópolis, pude ver o morro com suas palmeiras imperiais, seus belos jardins, e os degraus que seguiam em direção à igrejinha, que tivera uma pequena ampliação. A escadaria era ladeada por uma mureta cheia de ondulações, e no cimo do outeiro, na frente do templo, havia um Cristo Redentor, de braços bem abertos, como a dar boas-vindas aos visitantes.
Depois, vimos o cemitério, com as
sepulturas encarapitadas nas encostas de outro morro. E o meu sonho recorrente
como que se concretizou.
27 de outubro de 2010
Parabéns pelo texto, Elmar, essa foto na escadaria fez--me lembrar do Seu Miguel, quando no início dos anos 80 chefiou os Correios em Parnaíba, eu no labor das postagens da empresa em que trabalhava. Ele como sempre muito cortês e atencioso.
ResponderExcluirAbraço,
Everardo-Parnaíba-PI.
A gente cresce, corre muitas paragens do mundo, vive belas ou enfadonhas histórias, no entanto, nada parece se comparar aos momentos da infância e adolescência. Quando lemos qualquer Escritor, percebemos o encanto com que tratam esse período. Elmar, Mestre da literatura, homem bem viajado na leitura de clássicos e literatos tantos, Brasil distante. Juntando com o talento nato, traz-nos com sutil sensibilidade, esta memória, com um texto emocionante e bem construido.
ResponderExcluirWilton Porto
Vou fazer referência ao próprio amigo Elmar: Eterno retorno
ResponderExcluirmemória:
lâmina de desassossego
cornucópia insana insaciável
a jorrar o passado
que não morre nunca
sempre ressuscitado
no eterno regresso
a nós mesmos. (...)
Que memória primorosa, poeta! E o texto é de uma beleza sem par! Chego mesmo a dizer que um homem observador, percuciente e talentoso, vive bem mais intensamente a vida que um reles mortal que não o serva os sinais da natureza!
ResponderExcluirÉdison Rogério.
Muito obrigado, estimados amigos Everardo, Wilton Porto, Fabrício Leite e Édison Rogério. Forte abraço.
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