quinta-feira, 13 de março de 2025

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS

Elmar, Miguel e Rosália



 

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS


Elmar Carvalho

 

Conversei, neste domingo, no shopping, com dona Inês, irmã do desembargador Antônio Gonçalves. Perguntou-me pela Fátima, de quem foi colega nos Correios. Falamos do tempo em que fui juiz em Inhuma, sua terra natal, em substituição à juíza titular, que se encontrava de licença. Fomos abordados pela professora Glória Soares, sua amiga, e velha amiga de meus pais, embora bem mais nova que eles. Na rápida conversa que entretivemos, falamos em Francinópolis, o antigo povoado de Papagaio.  Disse que tinha um livro da história desse município para entregar a meu pai. Prometi-lhe que qualquer dia iria buscá-lo.

 

Disse-me ela que tinha algumas fotos minhas, de quanto eu era criança; acrescentou que eu fora um dos meninos mais bonitos que ela já vira. Pedi-lhe que escaneasse as fotografias, e me mandasse por e-mail, o que ela o fez, em tempo recorde. Numa delas, estou entre meus irmãos João e Antônio; em outra, estou a fazer pose, como pequeno e amestrado galã de cinema; na terceira, talvez aos dois anos de idade, caminho despido na rua arenosa, feliz, de pança cheia, tendo por fundo uma casa em ruínas.

 

Não pude deixar de me lembrar, vendo essa terceira foto, dos versos do poeta, que dizem que, no verdor dos anos, as graças e as esperanças vão florindo à nossa frente, enquanto os desenganos vão ficando para trás, mas que, no crepúsculo da vida, as flores e as esperanças vão ficando para trás, enquanto os desenganos e as ilusões vão marchando à nossa frente.

Foto recente. (c) Cláucio Carvalho

Meus pais moraram no povoado Papagaio de dezembro de 1957 a janeiro de 1959. Eu era filho único na época. O segundo filho do casal nasceu no começo de 1958. Portanto, lá cheguei com um ano e oito meses e de lá saí com dois anos e nove meses. Fico imaginando a vida de meus pais nesses tempos longínquos. Ainda jovens, recém-casados, distantes dos parentes e dos pagos natais, começando a vida matrimonial num pequeno povoado, encravado na paisagem adusta do agreste. Mas foram anos felizes, pois eles guardaram boas e alegres recordações desse período.

 

Meu pai fora tomar posse de seu emprego no DCT, em cujo mister percorria a linha telegráfica, em plena Chapada Grande, então ainda mais desértica, quase intocada, pois os nativos preferiam as proximidades dos córregos e dos rios e a exuberância fértil dos brejos. Quando meu pai chegou de mudança, o seu colega, amigo e compadre Joel, que não o conhecia, havia colocado provisão de lenha na casa e água nos potes, num gesto de lhaneza, que meu pai nunca esqueceu. Hoje seu filho, o médico Ozael dos Santos, é o prefeito do município.

 

No alto do morro, então terra nua, sem benfeitorias, vestido apenas de árvores nativas, havia a pequena e singela ermida, sob a invocação de São Francisco, onde meus pais devem ter rezado tantas vezes, sobretudo meu pai, rezador fervoroso. Tive durante algum tempo um sonho repetitivo, talvez falsa memória das conversas paternas, em que eu passava por uma pequena cidade, que tinha uma espécie de mureta com degraus a perlongar um morro, no qual havia um cemitério.

(c) Cláucio Carvalho

Cerca de dois anos atrás, quando meus pais, eu e meu irmão César fomos visitar Francinópolis, pude ver o morro com suas palmeiras imperiais, seus belos jardins, e os degraus que seguiam em direção à igrejinha, que tivera uma pequena ampliação. A escadaria era ladeada por uma mureta cheia de ondulações, e no cimo do outeiro, na frente do templo, havia um Cristo Redentor, de braços bem abertos, como a dar boas-vindas aos visitantes.

 

Depois, vimos o cemitério, com as sepulturas encarapitadas nas encostas de outro morro. E o meu sonho recorrente como que se concretizou.

27 de outubro de 2010

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Elmar, essa foto na escadaria fez--me lembrar do Seu Miguel, quando no início dos anos 80 chefiou os Correios em Parnaíba, eu no labor das postagens da empresa em que trabalhava. Ele como sempre muito cortês e atencioso.
    Abraço,
    Everardo-Parnaíba-PI.

    ResponderExcluir
  2. A gente cresce, corre muitas paragens do mundo, vive belas ou enfadonhas histórias, no entanto, nada parece se comparar aos momentos da infância e adolescência. Quando lemos qualquer Escritor, percebemos o encanto com que tratam esse período. Elmar, Mestre da literatura, homem bem viajado na leitura de clássicos e literatos tantos, Brasil distante. Juntando com o talento nato, traz-nos com sutil sensibilidade, esta memória, com um texto emocionante e bem construido.
    Wilton Porto

    ResponderExcluir
  3. Vou fazer referência ao próprio amigo Elmar: Eterno retorno

    memória:

    lâmina de desassossego

    cornucópia insana insaciável

    a jorrar o passado

    que não morre nunca

    sempre ressuscitado

    no eterno regresso

    a nós mesmos. (...)

    ResponderExcluir
  4. Que memória primorosa, poeta! E o texto é de uma beleza sem par! Chego mesmo a dizer que um homem observador, percuciente e talentoso, vive bem mais intensamente a vida que um reles mortal que não o serva os sinais da natureza!
    Édison Rogério.

    ResponderExcluir
  5. Muito obrigado, estimados amigos Everardo, Wilton Porto, Fabrício Leite e Édison Rogério. Forte abraço.

    ResponderExcluir