sábado, 21 de junho de 2025

Apresentação do Livro Os Primeiros Currais, de Odilon Nunes*

 

Fonte: Google
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Apresentação do Livro Os Primeiros Currais, de Odilon Nunes*


Felipe Mendes, Academia Piauiense de Letras, em 21.6.2025

 

Introdução

Aceitei, com satisfação, o convite do amigo João Batista Mendes Teles para apresentar este livro, que é um clássico da historiografia piauiense.

De volta a uma leitura prazerosa, aprendi novas lições sobre o nosso Estado.

Adicionalmente, por se tratar de uma sessão conjunta da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, tenho a responsabilidade de deixar alguma contribuição à análise do livro.

Inicio esta Apresentação com um breve currículo do Autor; em seguida, comento aspectos do tempo em que os fatos tratados no livro ocorreram e do ambiente em que o Autor o escreveu; por fim, concluo com alguns comentários pessoais.

Um bom livro é o que nele se contém e o que transmite ao leitor: um saber ou um sentimento, ou os dois.

 

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*Os Primeiros Currais – geografia e história do Piauí seiscentista. Prefácio Cláudio Barros. Teresina, PI: Área de Criação, 2025


 1.      O AUTOR

Odilon Nunes é um dos mais respeitados historiadores piauienses. Tinha conhecimentos básicos de outras disciplinas, como economia, finanças, estatística, geografia, sociologia e política, com os quais ilustrou suas pesquisas.

Nasceu em Amarante, Piauí (10.10.1899), onde fez os primeiros estudos e, com sua iniciativa de professor, nasceu o Colégio Amarantino. Mais tarde, em Teresina, foi professor e diretor da Escola Normal Oficial e do Liceu Piauiense, diretor da Instrução Pública do Estado (Secretário de Educação, hoje), coordenador do Censo Estatístico Escolar (daí a sistematização dos dados estatísticos apresentados em seus livros), membro do Conselho Estadual de Educação, entre outras atividades relevantes.

Integrou a Comissão criada pelo Decreto n° 1416, de 17 de janeiro de 1972, para realizar o levantamento do acervo bibliográfico de autores piauienses, ou de obras relativas ao Piauí, para elaboração do Plano Editorial do Estado do Piauí.

Por sua vida dedicada à pesquisa sobre a História do Piauí, e por sua contribuição ao Ensino, Odilon Nunes recebeu homenagens da Universidade Federal do Piauí (Doutor Honoris Causa), da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, de Pernambuco (Medalha do Mérito) e do Instituto Histórico de Oeiras (Mérito Visconde da Parnaíba).

 Doou sua biblioteca à Casa Odilon Nunes, em sua cidade, onde funciona um Museu e Biblioteca, no Casarão dos Nunes, hoje mantido pelo Governo do Estado.

O Museu do Piauí passou a denominar-se Casa de Odilon Nunes, conforme a Lei n° 5.086, de 30 de setembro de 1999, ano do centenário do historiador.

Em Teresina, a Prefeitura Municipal implantou um Centro de Formação Profissional com seu nome, que também denomina uma rua na Capital do Estado, onde faleceu em 22.8.1989. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

Escreveu, entre outros livros fundamentais para o estudo do Piauí, Economia e Finanças, Pesquisas para a História do Piauí (em quatro volumes), Depoimentos Históricos, O Piauí – seu povoamento e seu desenvolvimento, Estudos de História do Piauí e Piauí na História.

Quem não leu Odilon Nunes não conhece o Piauí.


 

José Honório Rodrigues, membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, manteve correspondência com Odilon Nunes, sobre quem escreveu: 

É um pesquisador notável, fiel à verdade histórica, buscada nas fontes primárias, e um historiador que, pela obra paciente de relembrar o passado de um povo tão agravado, tão empobrecido, mas tão leal ao Brasil, em tantas conjunturas extremas, se coloca na vanguarda da historiografia estadual. *

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*Publicado no Jornal do Brasil, de 28.4.1973, e transcrito no Prefácio do seu livro Depoimentos Históricos, publicado em 1981.

2.      O AMBIENTE

 

Conforme o próprio título indica, o livro trata de assuntos do Piauí seiscentista, ou melhor, das últimas décadas do século XVII, período em que foi iniciada a ocupação do território que viria a ser chamado Piauí. Odilon Nunes tomou como base o relatório do Padre Miguel de Carvalho, publicado em 1697, dirigido ao Bispo de Pernambuco, Dom Francisco de Lima, resultado de suas viagens pelo sertão, desde 1694. Nesse relatório, o Padre Miguel de Carvalho sugere a criação da freguesia de Nossa Senhora da Vitória, como veio a acontecer.

Odilon Nunes foi um pesquisador típico, mergulhado em livros, publicações e tudo o quanto pudesse conter as informações que buscava. O Arquivo Público do Piauí foi sua segunda casa, onde garimpava as gemas que ele transformaria em joias da historiografia piauiense.

Em seguida aos primeiros currais, chegou a primeira capela.

Vaqueiros, Currais e Capelas: assim começou o Piauí.

Fazendas de criação dispersas e distantes entre si, população reduzida e limitada ao serviço da criação do gado: eis o traço inicial da personalidade dos piauienses.

Logo na página 2, o Autor cita a data de 11 de fevereiro de 1697 como o primeiro evento ocorrido nas terras em ocupação, diferente de se erguer um curral ou uma casa rústica: a decisão de ser construída uma capela, para marcar a presença da Igreja Católica e, portanto, o começo da espiritualidade dos rústicos habitantes.

Ao lado do riacho da Mocha nasceu o Piauí, com a capela. Mais tarde, já Igreja de Nossa Senhora da Vitória, veio a criação da Vila e sua transformação em Capital, com a chegada do primeiro governador da Capitania, em 1759.

A capela, de taipa e coberta de palhas de pindoba, tinha vinte e quatro palmos de comprimento e doze de largo, e nela se levantou um altar feito de tábuas, com nove palmos de comprido e quatro de largo. (p. 19)

Feita a conversão para o sistema métrico, a capela tinha 5,28 m por 2,64 m, o que significa uma área de 13,9 m², enquanto o altar media 1,98 m por 0,88, ou seja, 1,74 m².

A capela recebeu a bênção de inauguração dezoito dias depois, em 2 de março de 1697. O novo século viria com as bênçãos de Deus para os habitantes deste nosso torrão.

Como escreveu Odilon Nunes, são as primeiras páginas de nossa história. É também nossa primeira geografia. (p. 23)

 

3.      O LIVRO

 

No início de seu livro Economia e Finanças, Odilon Nunes escreveu:

 

A história econômica do Piauí, no primeiro século, ou melhor, até a Independência, é a história de sua pecuária. A economia, as finanças, tudo emanava do curral. O comércio vivia do boi, ou de seus derivados. (p. 3)

 

Na verdade, podemos estender esse período em que a história econômica do Piauí é a história de sua pecuária até a fundação de Teresina, que teve como razão maior a navegação do rio Parnaíba, condição para o desenvolvimento do comércio, da agricultura e da exploração dos recursos do extrativismo vegetal e seu escoamento até Parnaíba, para industrialização e exportação. Nessa nova etapa da economia, a navegação permitiu os deslocamentos e a integração da população, e muita gente veio morar nos dois lados das ribeiras do Parnaíba, para onde o barco a vapor trazia notícias de terras civilizadas e longínquas.

Odilon Nunes transcreve do relatório do Padre Miguel de Carvalho* a relação das 129 fazendas existentes e seus 438 moradores (p.30), e apresenta os dados em forma de tabelas estatísticas (de sua experiência no Censo Escolar), tanto na edição publicada na Revista Econômica Piauiense** (de 1957) quanto na edição do Plano Editorial do Estado*** (de 1972), o que o torna um analista dos primórdios  da sociologia piauiense, inclusive com as anotações sobre a condição da mulher – no caso, as indígenas – perseguidas não para o trabalho braçal na fazenda, mas para a satisfação do prazer sexual dos vaqueiros e escravos, o que deu início, por sua vez, ao processo de miscigenação da raça piauiense.

 Nesta edição, ora lançada, as tabelas estatísticas ganharam aspecto gráfico moderno, graças à contribuição do patrocinador, o Estatístico João Batista Mendes Teles, e aos recursos técnicos da editora.

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* Pe. Miguel de Carvalho. Descrição do Sertão do Piauí. Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo. Teresina: Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, junho/1993

**Revista Econômica Piauiense, n° 4 – Vol. I – outubro-dezembro, 1957, p. 221-250. Diretor Superintendente: Petrônio Portela Nunes. Diretor Responsável: Raimundo N. M. de Santana. Disponível no Arquivo Público do Estado.

***Odilon Nunes. Os Primeiros Currais. Monografias do Piauí – Série Histórica. Teresina: COMEPI, 1972

A descrição dos rios e riachos do território, em cujos vales úmidos ergueram-se os currais, torna este livro, oriundo do relatório do Padre Miguel de Carvalho, a primeira lição de geografia do Piauí.

Rios e riachos que não têm merecido os cuidados devidos, tanto de moradores próximos quanto de autoridades que se distanciam do problema, haja vista a situação vergonhosa em que se encontra o Mocha, onde nasceram Oeiras e o Piauí, e a situação preocupante do rio Parnaíba, para citar os dois principais exemplos dos nossos recursos naturais – na História, na Geografia e na Economia. Água é vida, com sabemos.

Já não conto as vezes em que li e estudei Odilon Nunes.

Agora mesmo, nas leituras para esta Apresentação, percebi que ficou decidido, na reunião que marcou a construção da capelinha, que cada morador pagaria aos Padres a contribuição de 2000 réis, semelhante aos da matriz de Conceição do Rodela; e, pela parte dos escravos, dez tostões – convertendo, mil réis. Ou seja, o senhor pagava pelo escravo metade de sua própria contribuição. Devia achar um despropósito, mas pagava na intenção das indulgências para ter os pecados perdoados.

 

CONCLUSÃO

            Assim como o diamante bruto se transforma, pelas mãos do joalheiro, em uma peça de arte – um colar ou um anel de brilhante, por exemplo – a Descrição do Sertão do Piauí – um relatório de viagem do Padre Miguel de Carvalho - se transformou, pela mente inspirada e pelos conhecimentos de Odilon Nunes, em Os Primeiros Currais.

Primeiros currais, e por isso, primeiros registros da atividade econômica e dos primeiros atos da vida social da terra que hoje se chama Piauí, que começou com os currais e com a decisão de se construir uma capelinha para marcar a religiosidade de um povo que estava se formando.

Os primeiros currais significam os primeiros vaqueiros, personagem responsável pela ocupação do território, pela fortuna dos proprietários das terras, muitos deles ausentes: a classe dominante. Os vaqueiros, por mérito de seu trabalho, por uma instituição ainda vigente – de quatro bezerros nascidos, um era do vaqueiro – poderia ser a classe média daquele tempo, restando aos agregados, posseiros, escravos e retirantes constituírem a classe baixa da sociedade que nasceu naqueles últimos anos do século XVII.

A História guardou poucos registros dos vaqueiros do Piauí, mesmo na tradição oral. Assim, valho-me de Luís da Câmara Cascudo*, que escreveu, em sua magistral obra História do Rio Grande do Norte, que os vaqueiros daquele Estado vinham, por diversos caminhos, encontrar-se em Crateús, em demanda do Piauí:

De Crateús, comprava-se a gadaria em Santo Antônio do Surubim de Campo Maior, núcleo influenciador de cantigas sobre o ciclo do gado. Valença, Oeiras, que fora capital até 1852, Jatobá (São João do Piauí), e Picus, fornecedor dos primeiros cavalos pampas, ornamentais e vistosos, orgulho do patriarcado rural no Rio Grande do Norte. Uns vaqueiros arrastavam a jornada até S. Gonçalo do Amarante e outros a Jerumenha. As maiores feiras eram nas localidades citadas.

 

Do livro citado, de Câmara Cascudo, transcrevo parte da extensa Toada dos vaqueiros do Rio Grande do Norte, em suas viagens até o Piauí, envolvendo em dois perfis femininos os cuidados amorosos do vaqueiro cantador:

Como Xiquinha não tem,

Como Totonha não há;

....

Xiquinha nasceu nos Pico (Picos)

Totonha em Campo Maior”

 

Nossa homenagem a Odilon Nunes, o intérprete da formação econômica e social do Piauí.

Um VIVA! aos nossos vaqueiros, os heróis da ocupação do território do Piauí.

 

 

Felipe Mendes, 21 de junho de 2025

 

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* Luís da Câmara Cascudo. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Edições Achiamé Ltda. Natal: Fundação José Augusto, 1984.

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