segunda-feira, 30 de junho de 2025

DISCURSO DE RECEPÇÃO A DOMINGOS JOSÉ (NA ALVAL)

 



DISCURSO DE RECEPÇÃO A DOMINGOS JOSÉ (NA ALVAL)

(Saudação ao Trimegisto Domingos José de Carvalho)

 

Elmar Carvalho

 

Nesta festa solene da Literatura Piauiense, vamos receber na Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL o médico e escritor Domingos José de Carvalho, que merece todo o nosso respeito e acolhimento pelas inúmeras qualidades que ornam sua personalidade de escol.

Muitos anos atrás, mais precisamente no dia 23 de maio de 1997, tomava eu posse nesta Academia, em linda solenidade realizada no IATE Clube, às margens encantadas do nosso pequenino Açude Grande. Nessa festiva noite de cultura e de letras, estavam presentes vários barrenses e parentes meus e do novel confrade Domingos José, entre os quais cito meus pais, Rosália e Miguel Arcângelo de Deus Carvalho; Geraldo Majella Carvalho; Bilé Carvalho; Lázaro Carvalho; Antenor Rego Filho; Francy Monte (talvez Monte Filho); e o próprio Domingos José de Carvalho, além de vários amigos, muitos vindos de Teresina.

José dos Santos Carvalho (Bilé) e Geraldo Majella, que já partiram para o Oriente Eterno, eram tios de nosso neófito imortal, pela linhagem materna.

Bilé, com sua voz grave, vibrante e ressoante — com um timbre levemente metálico, quase um trombone —, tinha uma simpatia contagiante, sobretudo quando desfiava suas histórias e estórias barrenses, quase sempre de caráter anedótico e jocoso. Patrono da cadeira 20 da ACALE, ocupada por Domingos José. Era um grande causeur, que sabia atrair e seduzir o ouvinte com o suspense e a mise-en-scène que criava, ator que fora em seus tempos juvenis.

Geraldo Majella, de gestual elegante, quase hierático, era ligado à música coral; compusera a letra de uma linda valsa à sua Barras. Escritor de muito mérito e orador de vastos recursos, tanto pela postura como pelo ritmo, timbre e dicção de sua voz melodiosa. Nessa solenidade, na qual se encontrava presente Domingos José, nos prestigiando, fui recebido por Geraldo Majella Carvalho, que pronunciou um magnífico discurso, no qual proferiu palavras bondosas sobre mim e sobre meus pais, exaltando a beleza ímpar das campinas verdejantes de nossa Campo Maior, de seus belos tabuleiros enfeitados de carnaúbas, rios e lagoas. Foi o primeiro presidente desta Academia e da AMALPI.

Deixando de lado essa breve digressão saudosista, em que quis homenagear dois ilustres membros de nosso silogeu, passo a me focar em nosso recipiendário Domingos José de Carvalho.

Ocupará a cadeira de número 10, que tem como patrono a figura exponencial de David Moreira Caldas. Foram seus antecessores Raimundo Antunes Ribeiro e João Alves Filho. Creio ter ouvido falar em David Caldas, pela primeira vez, num livro didático intitulado, salvo engano, Nosso Tesouro, num de seus “serões”. Nasceu em Barras em 22 de maio de 1836 e faleceu em Teresina, em 3 de janeiro de 1879. Escreveu em vários periódicos.

David Moreira Caldas elaborou matérias de cunho historiográfico e biografias. Consta haver escrito um Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí, que terminou não sendo encontrado entre seus papéis ou espólio. Fundou alguns jornais, um dos quais se chamava O Amigo do Povo, que mais tarde passou a informar que era órgão do Partido Republicano da Província do Piauí. Em 1873, David Caldas muda o nome do periódico para Oitenta e Nove. Nesse jornal, defendeu seu ideário republicano e predisse que a Proclamação da República ocorreria no ano de 1889, pelo que recebeu o epíteto de “Profeta da República”. Foi sepultado do lado de fora do Cemitério São José, por causa de suas convicções republicanas, sob a alegação de que seria ateu — embora fosse um homem temente a Deus.

O primeiro ocupante da cadeira 10, Raimundo Antunes Ribeiro (Totó Ribeiro), é patrono da cadeira 6 da ACALE. Nascido em Manaus, em 29 de março de 1907, radicou-se em Campo Maior, onde faleceu em 21 de setembro de 1992. Na Terra dos Carnaubais exerceu várias atividades, entre as quais a de vereador e assessor de comunicação da Prefeitura Municipal. Foi maçom e funcionário público. Jornalista, político, orador, teatrólogo, contabilista. Mereceu o respeito e a amizade dos campomaiorenses.

João Alves Filho é o antecessor imediato de Domingos José. Sua lembrança ainda está muito viva entre nós. Nasceu em Campo Maior, em 5 de junho de 1944, e faleceu em 26 de junho de 2022. Foi vereador, presidente da Câmara Municipal e vice-prefeito de sua terra natal. Servidor público federal. Maçom. Venerável de sua loja maçônica. Escritor e historiador. Publicou vários livros. Fundou ou presidiu inúmeras associações, entre as quais cito apenas as seguintes: ACALE, ALVAL, Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Maior, Centro Operário Campomaiorense, AMALPI, União Brasileira de Escritores do Piauí e Lions Clube de Campo Maior. Orador de amplos e variados recursos. Mestre do improviso retórico. Com sua bela, grave e poderosa voz, quando faleceu, bem poderia ser considerado o maior orador campomaiorense de sua época.

Domingos José de Carvalho nasceu em Barras, das sinuosas e belas barras do Marataoã — do Marataoã das lindas margens verdejantes, das barragens encantadas e encantadoras e da idílica e bucólica Ilha dos Amores —, em 27 de agosto de 1943. Filho de Dayton Alves de Carvalho e Maria Judite de Carvalho. Pelo lado dos Carvalho de Granja (CE) ele descende de seu homônimo Domingos José de Carvalho e de Quitéria de Brito Passos, pais de meu tetravô José Eusébio, cujo saga relatei em meu trabalho “Um certo ten.-cel. José Eusébio de Carvalho”, que se encontra disponível na internet.

Formou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Fez vários cursos de especialização ou pós-graduação lato sensu, além de outros cursos e seminários. Membro do Conselho Regional de Medicina desde 1993. Fundador e membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Barras e da Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras. Integrante da Academia Maçônica de Letras do Piauí.

É o atual decano dos médicos em atividade em Campo Maior. Concluiu o curso de Medicina em 20 de dezembro de 1969 e, já em janeiro de 1970, começou a clinicar em Campo Maior. Foi Secretário de Saúde de 1982 a 1988, diretor do Hospital Regional por quatro vezes e Diretor Regional de Saúde por quatro anos. Exerceu os cargos de conselheiro do CRM por vários anos e de presidente da APM (seccional de Campo Maior). Especializou-se em Medicina do Trabalho e Administração Hospitalar. É Perito Médico do Trânsito. Atuou nos municípios de Campo Maior, Barras, Nossa Senhora de Nazaré, Boqueirão, Sigefredo Pacheco, São Miguel do Tapuio, Assunção do Piauí, Piracuruca e Teresina.

Dentre outras, recebeu as seguintes honrarias: Medalha do Mérito Heróis do Jenipapo, Medalha da Ordem do Mérito Renascença, Medalha da Distinção Maçônica e Medalha D. Pedro I, outorgada pelo Grande Oriente do Brasil, em virtude de haver completado mais de cinquenta anos de atividade maçônica. Foram-lhe ainda concedidos os títulos de Benemérito da Maçonaria Piauiense e de Benemérito do Grande Oriente do Brasil, pelo seu meio século de vida maçônica. Cidadão probo e honrado, médico competente, zeloso e humanitário, maçom dedicado e paradigmático, bem fez por merecer todas essas honrarias e homenagens.

Nascido em Barras, veio muito jovem residir em Campo Maior, com sua família, onde se tornou tão campomaiorense quanto os que mais o sejam, mercê de seu amor e dedicação a esta terra de muita história e encantos mil — com seus tabuleiros verdejantes, campinas floridas e mimosas lagoas pontilhadas de garças e outras aves aquáticas, em cujas águas as elegantes e esbeltas carnaubeiras se refletem, ostentando suas palmas em forma de leque.

No lindo discurso pronunciado na noite de 17 de abril de 2015, por ocasião do lançamento de meu livro Confissões de um Juiz, em solenidade realizada na Câmara Municipal de Campo Maior, logo no início, Domingos José disse que procurou “resgatar nos escaninhos da memória, através de uma busca inglória, a data, mês e ano” em que me conhecera.

Também não tenho essa data. Sei que o conhecia de vista, à distância, no início dos anos 1970, quando eu ainda era um garoto, um tanto tímido. Sentia orgulho desse parente que, numa época difícil, de poucos médicos, quando ainda não fora instalada a Universidade Federal do Piauí, viera clinicar em Campo Maior. Sabia de seu namoro com Jesus, irmã de quatro amigos meus: Milton, Nonato, Cláudio (in memoriam) e Wilson — exemplos em nossa terra, pois, ainda adolescentes ou garotos, já exerciam atividades laborais. Em 1975, aos 19 anos, fui morar em Parnaíba, e nos perdemos de vista. Domingos José e Jesus constituíram uma bela família, com o advento dos filhos Érico, Yuri e Marília. A partir dos anos 1990, mediante eventos literários e sociais, estreitamos amizade por meio da Maçonaria, da ACALE, da AMALPI e de outras entidades como a nossa ALVAL.

No dia 7 de julho de 2017, meu romance Histórias de Évora foi lançado em Campo Maior, no auditório do SENAC. Por ser minha Évora uma cidade fictícia, mistura de Campo Maior e Parnaíba, e pela obra ter como pano de fundo a decadência da cera de carnaúba e dos velhos cabarés — como a Zona Planetária, o prostíbulo de nome mais bonito do mundo, Venezuela, Pau Num Cessa e Isabelão —, pedi ao nosso novel confrade que apresentasse um trabalho sobre a Campo Maior das décadas de 1960 a 1980.

Ele realizou um magnífico estudo, verdadeiro ensaio histórico, antropológico e sociológico, em que abordou nossa cidade em sua realidade social, costumes, anedotário e diversões, revelando aspectos culturais, folclóricos, religiosos, esportivos, políticos, urbanísticos e socioeconômicos desse período. Falou sobre as demolições de velhos casarões solarengos, sobre as cacimbas que existiam à margem do açude, sobre os ônibus da empresa Zezé Paz e sobre as intervenções em antigos logradouros. Vejamos dois pequenos trechos desse excelente texto:

“O Açude Grande sofreu muitas intervenções. Os poços que margeavam o esplêndido espelho d’água foram soterrados, dando início a várias modificações, como a atual Alameda Dirceu Arcoverde, churrascarias, bares e lanchonetes.

O mercado público da Praça Luís Miranda foi demolido para a construção da atual sede da Prefeitura Municipal. A antiga e bela sede da Prefeitura, localizada na Praça Bona Primo, veio a ruir por desleixo da administração municipal que, posteriormente, transformou o local no Espaço Cultural Dom Abel Alonso Nunez, nosso operoso e querido primeiro bispo diocesano.”

Aproveito o ensejo da citação acima para conclamar aos confrades da ALVAL e da ACALE a que lutemos pelo tombamento dos sobrados e casarões solarengos do entorno das praças Bona Primo e Rui Barbosa, para que sejam preservados, sobretudo considerando que muitos já foram demolidos ou descaracterizados nas últimas décadas. Devem ser preservados também o nosso velho cemitério — arquivo de nossa rica história e memorial de nossos antepassados — e o prédio da Estação Ferroviária, monumento de uma época gloriosa, em que as locomotivas chegaram à nossa terra como símbolos do progresso que aqui desembarcava.

Em 15 de janeiro do corrente ano, nosso confrade Domingos José presenteou Campo Maior, Barras e o Piauí com o lançamento de sua obra magna, o excelente livro Tempos Idos e Vividos, em bela solenidade da ACALE, no plenário da Câmara Municipal, que se encontrava lotado. Sobre esse volume, tive a oportunidade de dizer:

“O livro tem uma excelente programação visual, em papel de alta qualidade (couchê), uma revisão primorosa (professor Moisés Andrade e Antonio Soares) e várias fotografias. Foi dividido em quatro partes:

1 - Acrósticos;

2 - Poemas;

3 - Crônicas e Contos;

4 - Prefácios, Homenagens e Discursos.

 

Da sequência de acrósticos, em que homenageia filhos, netos, pais, irmãos e esposa, destaco o seguinte:

Jesus – esposa

Justamente foi você a musa

Encantadora dos meus sentimentos

Suave como o voar das brancas garças

Universo de compreensão, amor e ternura

Sonho realizado dos meus afetos”.

 

Para não me alongar além do necessário — e sei que já me alongo em laudas —, quero tecer breve comentário sobre Tempos Idos e Vividos. Esse livro reúne a essência da produção literária de nosso novel confrade. Demonstra o talento, os dotes e os dons que possui. Atende aos requisitos que uma boa redação exige, tais como concisão, clareza, objetividade, correção gramatical e elegância na construção das frases — porém, sem firulas, gramatiquices ou preciosismos desnecessários.

Nota-se que o autor tem forte capacidade argumentativa, o que o torna persuasivo; possui poder de observação, sem, contudo, cair em detalhismos excessivos. Em seus contos e “causos”, quase sempre impregnados de gostosa jocosidade, sabe construir o necessário suspense, para nos surpreender com um desfecho inesperado ou imprevisível. Para não me repetir ou “chover no molhado”, transcrevo breve trecho do que disse em minha apresentação:

“Seus trabalhos são frutos de pesquisa, reflexões, senso de observação, em que revela conhecimento, argúcia e perspicácia, ao se aprofundar no assunto ou tema que desenvolve. Assim, é um literato de muito mérito e valor, que merece os nossos efusivos aplausos e admiração.”

Em suas palavras preambulares, afirmou não ter a pretensão de ser literato, mas que seu livro expressa o desejo de registrar para a posteridade um pouco de sua vivência como médico, maçom e cidadão.

Exatamente nesses três pontos posso dizer que Domingos José de Carvalho é um verdadeiro Trimegisto — ou três vezes mestre:

Como médico há várias décadas, jamais descumpriu o juramento de Hipócrates, para tornar-se um hipócrita. Sempre exerceu sua profissão de esculápio com invulgar competência e proverbial dedicação, podendo-se dizer que é humanitário e caridoso para com todos, sobretudo os mais pobres e necessitados.

Maçom paradigmático, nunca foi perjuro e, portanto, jamais deslustrou seu avental ou maculou as vestes maçônicas que envergou ao longo de várias décadas, como obreiro dinâmico, estudioso e dedicado.

Como cidadão, tem sido exemplar. Nunca se ouviu falar de qualquer ato ou conduta que lhe pudesse macular a honorabilidade. Os cargos que ocupou foram exercidos com competência, correção e zelo, de modo que nenhum reparo se lhe pode fazer.

Portanto, invocando a excelsa beleza de nossa serra — a pequenina Serra Grande, que mais parece uma dobra do céu que se desdobra sobre a vetusta Bitorocara —, as louçanias de nossas várzeas e tabuleiros, o espelho d’água de nossas lagoas deslumbrantes, pontilhadas pela graça das garças e pela elegância esbelta de nossas carnaubeiras, em nome de todos os ilustres alvalenses, dou as nossas efusivas boas-vindas ao valoroso confrade Domingos José de Carvalho, que decerto honrará e fortalecerá as pilastras e colunas de nossa augusta Academia.

(*) Discurso de recepção a Domingos José de Carvalho, pronunciado por José Elmar de Mélo Carvalho na manhã do dia 29/06/2025, em sessão solene da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL, realizada no plenário da Câmara Municipal de Campo Maior. Várias Academias de Letras se fizeram presentes, através de representes e acadêmicos, entre as quais a Piauiense, a de Miguel Alves e a de Pedro II. A Acale teve presença marcante com o comparecimento de 15 membros, inclusive a presidente Ana Maria Cunha.

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