segunda-feira, 23 de junho de 2025

O MORRO

Fonte: Google
Imagem criada pela IA Gemini, com sugestões minhas


O Morro

 

Elmar Carvalho

 

Morei em José de Freitas em 1970, quando a Seleção Brasileira se sagrou tricampeã da Copa do Mundo. Era uma pequena, linda e bucólica cidade. Nela fiz o meu segundo ano ginasial, no Colégio Moderno Estadual Antônio Freitas. Os quintais tinham muitas árvores frutíferas, sobretudo copadas mangueiras, de sombra verdoenga, como versejei.

Quase todo dia eu brincava à sombra de uma imensa mangueira, no quintal de nossa vizinha, a viúva dona Irá, e ia jogar bola num campinho arenoso, que ficava na frente da casa do grande marceneiro Zezé Barros, que era um de nossos colegas de futebol. Não quero ser gabola ou cabotino, mas comentava-se que eu era um bom goleiro.

Por falar em futebol, quero abrir um parêntese, para contar uma breve história. Um dia eu estava jogando bola no meio da rua, perto da casa dos Santana, quando surgiu o Pe. Deusdedit Craveiro de Melo em seu fusca. Ele era o diretor do Ginásio e meu professor de Português. Chamou-me e me perguntou porque eu estava jogando numa via pública. Disse-lhe que o campo onde costumávamos jogar fora fechado. Ele me sugeriu que eu e meus colegas limpássemos um terreno baldio, que havia na frente do cemitério velho. Prometeu que nos daria as traves, os tornos de marcação do campo, uma bola de couro e um apito.

Arrancamos os mata-pasto e outras ervas daninhas. O Pe. Deusdedit cumpriu integralmente sua palavra. Diante disso, fiz uma carta ao Armazém Paraíba, relatando esses fatos, e solicitando uma equipe de time de futebol. Numa bela noite, a empresa mandou entregar os uniformes em minha casa. Assim, posso dizer que durante o ano que morei em José de Freitas contribuí para a criação de um campo de futebol e do Santos freitense. Fecho o parêntese.

Duas ou três vezes por semana, no mínimo, íamos tomar banho no açude Pitombeira, que na época tinha um bela paisagem, emoldurada por uma pequena e esverdeada serra e pelos criolis, que ornavam o seu paredão. Pulávamos do trampolim, que já não existe.

Com essa mesma frequência, escalávamos o Morro. Não tinha nome ou pelo menos nunca ouvi alguém pronunciá-lo. Às vezes, íamos reverenciar o Cristo em ascenção, no cimo do Morro, outras vezes íamos nos postar aos pés da escultura de Nossa Senhora do Carmo.

Vários anos mais tarde, mais precisamente na madrugada de 26/08/1991, o evoquei no meu poema Livramento: Pedra e Abstração, no qual eu  disse que José de Freitas, a antiga Livramento, era uma revoada de santos, anjos e meninos sobre um morro, que também voava.

Eu era um desses garotos. Tinha 14 anos, completados no dia 9 de abril. Com muita emoção e entusiasmo, recitei esse poema evocativo, pela primeira vez, para os meus amigos freitenses Francisco da Costa e Silva, então delegado da SUNAB no Piauí, e Francisco Costa, auditor-fiscal da Receita Estadual. Eu o escalava por diferentes lados, quase nunca pela escadaria de 140 degraus.

Tive a certeza de que começava a envelhecer quando, aos 50 anos de idade, fui tentar subi-la em passos apressados, e logo fiquei ofegante.

O Morro era quase uma entidade onipresente, por que era visto de quase todo local da cidade. Eu morava numa casa branca, onde terminava a rua que passava na  frente do teatro, ao lado do principal Clube Social da pequenina urbe; passava em frente da casa do senhor Levi Carvalho, prosseguia pela lateral da casa dos Santana e terminava na pequena casa caiada, onde morávamos.

Da mureta dessa residência eu avistava o Morro; praticamente ele estava me convidando para nele eu ir fazer traquinagem com algum irmão e dois ou três amigos. Nesse tempo a floresta que cobria o morro era muito densa, muito verde. Tinha árvores enormes, frondosas, de onde desciam retorcidos cipós. Acostumado a assistir filmes de Tarzan, no reino encantado e mágico do Cine Nazaré, um dia me senti o próprio Rei da Selva, e dei um salto sobre o despenhadeiro.

Senti medo, mas então já era tarde para arrependimento. Todavia, tudo ocorreu bem, e retornei são e salvo para a base de onde pulara.

Reivindiquei que o Morro se chamasse do Livramento, em homenagem ao nome antigo de José de Freitas e a sua padroeira Nossa Senhora do Livramento. Recentemente soube que ele já teve o nome de Morro da Esperança. Tenho a esperança de que os senhores vereadores lhe mudem o nome para Morro do Livramento ou Morro da Esperança. Ele tem sido agredido com abertura de ruas e enfeiado com enormes antenas.

O Morro continua a voar em minha memória e em minha incessante saudade, tal como era em minha meninice: lindo, coberto por uma quase floresta virgem, e sem as horrorosas antenas. Morro do Livramento, Morro da Esperança, morro de minha saudade.  


3 comentários:

  1. Ah, Escritor Elmar, o Morro que já foi chamado de Esperança recebeu dos vereadores o nome de Morro do Cristo. Em 1993, por sugestão de um técnico de turismo do estado, colocamos o apelido de Morro do Fidié e construímos o "Memorial do Fidié" na sua base. Foi uma grande sacada turística, pois chamou a atenção da região. Bem, o importante é que o Morro é uma APA e está mais ou menos preservado. Estamos vigilantes! Abraço grande.

    ResponderExcluir
  2. Certo. O importante mesmo é que esteja preservado. Grande abraço.

    ResponderExcluir