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LIXÕES E MONTUROS
Elmar Carvalho
Muitos anos atrás, seguindo logo atrás de um carro de lixo,
senti um fedor incrível, medonho. Escorria do carro um líquido, que alguém
disse ser a origem daquele cheiro fétido, fino, ferino, que parecia tudo
impregnar. A catinga era tão assombrosa, que parecia contaminar o mundo todo.
Era como se um “perfumista” do mal estivesse a extrair a
essência de todas as matérias orgânicas em decomposição, e estivesse destilando
aquele odor nauseabundo pelas ruas da cidade.
E ao sentir tão desagradável odor, não pude deixar de me
lembrar do enorme poeta Augusto dos Anjos, que em sua originalidade visceral e
em versos, muitas vezes sublimes, belos e perfeitos, cantou a decomposição da
matéria, o horror dos sepulcros, dos esgotos e monturos, e a degradação da
carne:
“Atabalhoadamente pelo
becos,
Eu pensava nas coisas
que perecem,
Desde as musculaturas
que apodrecem
À ruína vegetal dos
lírios secos.”
A propósito de lixo, sujeira e
miséria, vejamos o que disse o poeta Manuel Bandeira, em poema claro,
autoexplicativo:
“O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os
detritos.
Quando achava alguma
coisa,
Não examinava nem
cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era
um homem.”
Em minhas viagens a cidadezinhas do Piauí, para minha
profunda tristeza, tenho visto nas beiras das estradas verdadeiros monturos e
lixões, sobrevoados pelas belas coreografias dos urubus, a farejar e cortejar
as sujeiras dessas urbes.
E o pior de tudo isso não é apenas a fealdade e o fedor
desses lixões. O pior é que esse chorume, se infiltrando pelo solo ou
escorrendo pelos regos e esgotos, vai contaminar os nossos lençóis freáticos e
os nossos rios e riachos. Acho que não preciso explicar o que isso significa,
qual a implicação de tudo isso, quando a água contaminada estiver nas torneiras
de nossas casas.
Tenho conhecimento de que Magno Pires, diretor-geral do
Instituto de Saneamento Básico do Piauí, há mais de dois anos vem tentando
acabar com esses lixões, ao menos em várias cidades do Piauí.
Contudo, vem encontrando resistência por parte de muitas
pessoas, que tiram proveito econômico desses monturos e até mesmo, o que nos
causa repulsa e estarrecimento, de gestores da administração pública.
Mas ele, de forma quixotesca, tenaz e resiliente, vem
insistindo nesse seu mais do que louvável objetivo, e agora começa a
sensibilizar os novos gestores municipais e, tudo indica, que começará a colher
resultados benéficos para a população piauiense.
Espero que ele consiga extinguir a maioria desses lixões, com
a implantação de manejo mais adequado desses monturos, sobretudo com a instalação
das suas usinas de lixo ou de resíduos.
Para que possamos cantar, não aqueles versos que transcrevi
acima, mas estes, abaixo, do mesmo e excelso poeta Augusto dos Anjos, em sua
outra nuança, menos conhecida:
“A Esperança não murcha, ela não
cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.”
E se Magno Pires atingir o seu desiderato, como desejo
sinceramente, passarei a considerá-lo um xerife do saneamento, e um legítimo
Trimegisto: três vezes mestre, três vezes magno.
Três vezes magno
ResponderExcluirUma crônica inteligente e gostosa de ler.
ResponderExcluirCom alegria e certo pesar, li que a Índia nos ultrapassou em saneamento básico. Que isso sirva de exemplo e alerta. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirFonte: https://claudiodantas.com.br/india-ultrapassa-brasil-em-saneamento-segundo-dados-da-oms