segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Regando o Meu Pai

Fonte: Google


Regando o Meu Pai

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

Hoje foi Dia dos Pais.

Se fosse qualquer outro dia, talvez fosse apenas ruim.

Mas começar uma data assim, já carregada de ausência, é como amanhecer com o peso de uma pedra no peito.

 

O meu pai, há pouco, mudou-se para aquele jardim.

 

Pensei, num desvio quase onírico, se seria o Éden, ou alguma paisagem inventada pela memória.

No fundo, era só um buraco enfeitado. Uma moldura para o invisível.

Um ponto fixo onde ele habitava agora, dissolvido em silêncio e matéria orgânica.

 

Olhei a grama verde e, por um instante, o vi. Menos triste, mais inteiro.

Ele sempre gostou de plantas.

Pássaros giravam no ar, pousando perto, como se partilhassem a solidão do dia.

 

Meu pai agora era grama.

E o funcionário do cemitério, ao regar o gramado, regava o meu pai.

 

Ali, repousava também um jovem pai: o meu irmão, que foi pai e filho. Ao menos, naquele dia, estiveram juntos: grama e terra.

Os pássaros encerravam seu banquete de insetos, de pequenos seres rastejantes e voadores,

enquanto o vento levava restos de asas invisíveis pelo ar.

 

Um dia, serei eu também terra, grama, pó, pássaro, inseto e o que mais couber no ciclo desse lugar.

 

O sino das seis tocou longe, mas atravessou o vento até mim, açoitando o corpo já envergado. E, ali, saudades viraram lágrimas. E nada mais.

 

Agosto, 2025   

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