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Regando o Meu Pai
Fabrício Carvalho Amorim Leite
Hoje foi Dia dos Pais.
Se fosse qualquer outro dia, talvez fosse apenas ruim.
Mas começar uma data assim, já carregada de ausência, é como
amanhecer com o peso de uma pedra no peito.
O meu pai, há pouco, mudou-se para aquele jardim.
Pensei, num desvio quase onírico, se seria o Éden, ou alguma
paisagem inventada pela memória.
No fundo, era só um buraco enfeitado. Uma moldura para o
invisível.
Um ponto fixo onde ele habitava agora, dissolvido em
silêncio e matéria orgânica.
Olhei a grama verde e, por um instante, o vi. Menos triste,
mais inteiro.
Ele sempre gostou de plantas.
Pássaros giravam no ar, pousando perto, como se partilhassem
a solidão do dia.
Meu pai agora era grama.
E o funcionário do cemitério, ao regar o gramado, regava o
meu pai.
Ali, repousava também um jovem pai: o meu irmão, que foi pai
e filho. Ao menos, naquele dia, estiveram juntos: grama e terra.
Os pássaros encerravam seu banquete de insetos, de pequenos
seres rastejantes e voadores,
enquanto o vento levava restos de asas invisíveis pelo ar.
Um dia, serei eu também terra, grama, pó, pássaro, inseto e
o que mais couber no ciclo desse lugar.
O sino das seis tocou longe, mas atravessou o vento até mim,
açoitando o corpo já envergado. E, ali, saudades viraram lágrimas. E nada mais.
Agosto, 2025
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