Foto meramente ilustrativa |
Cunha
e Silva Filho
Um
ônibus, em paz, sai da Avenida Brasil, principal via terrestre de
acesso à cidade do Rio de Janeiro. Passa pelo Viaduto e entra no
velho bairro suburbano da Penha Circular. Prossegue na sua rota.
Atravessa o Viaduto João XXIII. Entra, em seguida, na rua Irapuã –
rua mais de residências, algumas bem velhas. Ao entrar nesta rua, o
motorista, de repente, recebe o aceno de duas adolescentes para que
pare o ônibus.
Os
passageiros, cansado da jornada de trabalho daquela dia aguardam com
ansiedade chegar a seus lares. “Quantas vezes tomei esse ônibus do
centro do Rio à Vila da Penha, outro bairro fazendo esse mesmo
percurso?” Este ônibus, se me recordo bem, até aparece num dos
poemas do grande poeta paraense Jurandyr Bezerra, autor da obra Os
limites do pássaro (Belém: CEJUP, 1993, 67 p.). Jurandyr há anos é
morador na Vila da Penha.
O
motorista, então, atende ao aceno das meninas que esperavam, num
ponto da citada rua, qualquer ônibus desde que fosse este tipo de
veículo. Tudo, todavia, não passava de uma cilada. Eram
aproximadamente dez horas da noite. Ao parar o veículo, de imediato
um ou dois homens, surgem, como num passo de mágica -
homens-demônios - dispostos a tudo, implantando o terror e o pânico.
Arrancam, furiosos, o motorista do volante. Outros homens permanecem
do lado de fora, dando-lhes cobertura. Em movimentos rápidos,
despejam gasolina no interior do carro e, em questão de segundos,
ateiam fogo diante de passageiros tomados de surpresa, atônitos, sem
mesmo tempo de reação. Alguns passageiros, cochilavam ou mesmo
dormiam até aquele instante dessa viagem dantesca.
No
veículo, havia um casal com um bebê de um ano. A mãe e o bebê ,
na confusão, em meio às labaredas crescentes, sumiram da vista do
pai, ele próprio apavorado e impotente diante da situação
horrenda. Alguns outros passageiros, quebrando vidros das janelas,
puderam escapar ainda que sofrendo os horrores das chamas que se
alastravam pelos seus corpos. Era o inferno na Terra ou a Terra no
inferno.
A
porta de saída ficara fechada. Não houve tempo a fim de que o
motorista conseguisse abri-la. Os passageiros, encurralados, só
tinham a porta de entrada, já e chamas, e a possibilidade de pular
pelas janelas, igualmente em chamas. Houve uma explosão. O coletivo,
em fração de minutos, era engolido pelas labaredas.
Quadro
aterrador! Passageiros saindo do veículo, com dores intensas, os
corpos em chamas, correndo, desesperados, pela rua. Um saldo de cinco
mortes instantâneas. Muitos feridos gravemente. Os culpados: um dez
monstros seguramente saídos das profundezas do inferno. As
adolescentes, manipuladas pelos patifes, sumiram do local, quem sabe,
para servirem de instrumentos diabólicos desses criminosos que
nascem como ratos espalhando o terror e o cheiro de enxofre pelas
narinas nauseabundas.
Não
eram terroristas, como um amigo meu, jornalista, me corrigiu: não
defendiam nenhuma ideologia, nem princípios, nem causas sociais,
Eram animais selvagens, mentecaptos, tresloucados, cruéis, covardes
brutamontes, energúmenos, psicopatas sociais, talvez incuráveis,
que mereciam permanecer trancafiados pelo resto da vida, que não
merecem misericórdia.
Quando,
em meio à nossa indignação pelo ato bárbaro, tomamos conhecimento
desse plano satânico, tramado seguramente por Belzebu, nossa
indignação foge aos princípios ético-religiosos normais e
passamos a comungar com um tipo de punição – a pena capital -
para esses escroques, incendiários, monstros saídos da nossa
sociedade afluente,ou melhor, construídos talvez por essa sociedade
desigual, individualista e indiferente.
O
ônibus 350, que eu soubesse, nunca fora alvo de atentados dessa
natureza. O motorista da tragédia, que escapou ileso, já declarou
que deixará de trabalhar na empresa. Dizem que os culpados já foram
punidos com a pena de morte perpetrada por outros bando de uma facção
adversária no mundo do tráfico de drogas, armas e de outros crimes
abomináveis. A vida em si punira os culpados.
Enquanto
isso, a cidade do Rio de Janeiro perde sobretudo no campo do turismo,
que sofreu mais um golpe em face da incapacidade das autoridades de
segurança, as quais, por incompetência e imprevidência, não dão
conta da escalada do crime organizado, das máfias dos morros em suas
lutas intestinas pelo controle do narcotráfico, com rivais do mesmo
naipe da bandidagem instalada na cidade do Rio de Janeiro e em outras
capitais do país..
Se
para cada marginal morto pela polícia carioca corresponder uma
retaliação da parte dos criminosos do tráfico, é de se recear
pela integridade física dos cariocas, que poderão ser outras tantas
vítimas inocentes da selvageria de monstros mefistofélicos em pele
de humanos, prontos a transformar a bela cidade de São Sebastião em
presa fácil de sua sanha em novos atos semelhantes aos do ônibus
350.
* Nota do autor: A tragédia ocorreu em 2005.
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