Fonseca Neto
“As
cidades têm chão: o espaço que nos limita, as coordenadas de sua
geografia, céus e clima, o sabor de seu alimento, a sombra que nos
agasalha, deuses de nossos lares, culto de comuns antepassados. Mas
as cidades têm tempo, e por isso têm alma, como as pessoas”
(Sebastião Moreira Duarte).
Em tais
“espaço” e “coordenadas” elas se fazem corpo físico,
artistica e utilitariamente elaborados, assim historiculturalmente
ofertados ao “tempo”.
Teresina é
uma cidade oitocentista e do século de sua criação permanece,
imutável, o riscado de suas ruas e praças mesopotâmicas centrais,o
que se poderia conceituar de “centro histórico”. Uma exceção
que diz muito: do plano fundador, da área proposta para uma grande
praça, campo ou parque, de 400x400 metros, conservou-se apenas o
correspondente a um quarteirão, de 80x80, a hoje praça João Luís.
Especulação imobiliária de nascença?
Da
prediaria edificada, em sua forma original, e com idade
sesquicentenária, tem-se a capela do cemitério São José e alguns
mausoléus que a entornam e pertencem a antigas famílias brancas
abonadas,o sobradão que serviu de palácio do governodo Piauí,
agora o Museu, além de um obelisco a Saraiva. Das décadas finais do
Oitocentos, há a igreja de São Benedito, e o Teatro 4 de Setembro.
De pé, ainda, muitos edifícios públicos e particularesabaldramados
nesse tempo e que forammodificados, ou simplesmente mascarados à
usança diversa, com outra arte ou não-arte, filha de danada
sabença.E, mais relevante, negativamente: o velho Centro deixou de
ser o lugar preferencial de moradia da maioria da população, em que
pese ainda sediar a Administração pública municipal e estadual –
com equipamentos dos serviços respectivos, tipo escolas, hospitais e
afins, comunicações, etc. – e também muito da atividade
comercial, assim de pequena e micro-indústria e artesanato. Deve-se
ressaltar que, em se tratando de escolas e serviços de saúde, já
preponderam nessa área os estabelecimentos de iniciativa privada,
com forte impacto nas aludidas alterações da vida da capital.
Ande-se pelas praças e nos quarteirões do entorno das três igrejas
primeiras da capital e ateste-se um semideserto de gente e de vida.Em
determinado sentido, apenas ruínas prostituídas da cidade que
passou a habitar a memória de seus filhos nascidos e criados ontem,
anteontem. Aliás, a penumbra sensual dos seus cabarés, também se
diluiu em novas zonas fronteiriças, ainda pecadoras, sempre
edênicas.
Obra do
século XX, há a cidade fisicamente expandida (qual um leque) para
muito além do projeto do mestre João Isidoro e de outros
idealizadores de sua criação. Em dezesseis décadas, porém, essa
expansão (desejável e necessária sob vários aspectos)
processou-se de modo tal que o sítio edificado das primeiras cinco
décadas (1852-1902) restou quase irreconhecívelaos olhos dos
moradores de hoje.Ainda que de maneira difusa, disso decorre a
percepção de certo descuido quanto à “cidade velha que se vai
demolindo” para ceder lugar a lucrativos estacionamentos, por
exemplo.
Que fazer?
Que fazer se as cidades são mesmo corpos vivos e mutantes? Se sua
perenidade implica ter reelaborado seu destino por artes de seus
hodiernos planejadores e poetas? Destino? Aqui, em Milton Santos,
docemente sociologal e em férrea poética, uma direta ao planejador,
no batente: “Destinos que precisam ser bem interpretados e
compreendidos, para evitar que as nossas metrópoles, convertidas em
ruínas e cemitérios, passem a ser meros aglomeradosde ‘frios
cubos entregues a bestas menos destruidoras que o homem’”.
Aqui
convém atentar para a maximização de Duarte de que têm alma as
cidades: Teresina tem alma acrisolada nas carcaças da prediaria que
vai virando “o pó dos pósteros”; força que anima no presente a
memória dos antepassantes; alma que resiste ser hospedeira dos tais
“frios cubos...”.
Teresina: centro antigo esvaziado de habitantes e com o investimento de séculos de labor e drama; cidade de periferias repletas de gente e desinvestidas da ludicidade do existir urbano. Tarefa: solar e cálida, costure-se as nesgas sobre esse abismo de diferenças.
Teresina: centro antigo esvaziado de habitantes e com o investimento de séculos de labor e drama; cidade de periferias repletas de gente e desinvestidas da ludicidade do existir urbano. Tarefa: solar e cálida, costure-se as nesgas sobre esse abismo de diferenças.
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