quinta-feira, 30 de maio de 2013

CRIMES E PECADOS




30 de maio

CRIMES E PECADOS

Elmar Carvalho

Lendo o livro Só, do poeta português Antônio Nobre, numa das estrofes do poema Antônio, encontro os seguintes versos: “Os presos, às grades da triste cadeia, / Olhavam-me em face! / E eu ia à pousada do guarda da aldeia / Pedir que os soltasse...” No meu íntimo, exclamei: Bons tempos aqueles, em que os encarcerados mereciam a piedade de um bardo da estirpe de um Antônio Nobre.

Até duas ou três décadas atrás, na maioria das cidades piauienses era uma grande novidade quando acontecia um roubo ou um homicídio. Latrocínio quase inexistia. Não existia assalto à mão armada. Parece que um ladrão tinha vergonha do seu ofício, pois só praticava suas incursões em busca do alheio à noite.

Eram verdadeiros mestres nas artes e artimanhas de escalar um muro, de destelhar uma casa, de abrir uma fechadura ou um cadeado. Assemelhavam-se nesses misteres a verdadeiros artistas de circo. Geralmente, não cometiam violências e nem roubavam coisas de muito valor. Muitas vezes, surrupiavam apenas produtos alimentícios.

Um jovem ia a uma festa à pé ou de bicicleta, pois poucas famílias tinham carros, e raramente possuíam uma motocicleta. A porta ficava apenas encostada, para que quando o rapaz retornasse não fosse necessário acordar seus pais. O moço ia, dançava à vontade; por vezes, na volta, dava uma passadinha em algum cabaré, e nada lhe acontecia de mal, a não ser o fato de que algumas vezes retornava montado numa “mula” ou em árdego “cavalo de crista”, famosas doenças venéreas desse tempo. Porém, ninguém lhes agredia e nenhum larápio adentrava a casa de seus pais.

Hoje vemos na imprensa, de forma banalizada, notícias sobre bárbaros assaltos e latrocínios. Muitas vezes a vítima entrega seu dinheiro ou seus pertences ao bandido, e ainda assim é morta. Muitas vezes o ofendido é morto por não conduzir uma quantia aceitável pelo assaltante. Não faz muito tempo, uma dentista foi queimada viva pelos bandidos, simplesmente por possuir em sua conta bancária apenas a importância de R$ 30,00.

Parece que a bola da vez agora são os dentistas. Ainda ontem e anteontem a televisão noticiava que os odontólogos estão atraindo o interesse dos assaltantes, na ilusão de que nos consultórios dentários circula muito dinheiro, o que parece não condizer com a realidade. Algumas pessoas mais prevenidas costumeiramente portam uma quantia que possa satisfazer o eventual larápio. Quer dizer, o assaltado ainda tem que ter uma importância monetária que o criminoso considere digna de sua excelentíssima pessoa.

Muitas vezes o assaltante pratica o crime sob o efeito de drogas poderosas, como o crack, e por qualquer reação da vítima, que possa lhe desagradar, por misterioso motivo, não hesita em ceifar-lhe a vida. Não lhe interessa saber se aquela pessoa vai deixar órfãos e viúva, ou outra pessoa da qual era arrimo. Também não lhe importa se a pessoa que ele vai assassinar é um médico renomado, com muita experiência e cursos, que ainda pudesse continuar salvando muitas vidas com o seu trabalho.

Tenho dito que qualquer pessoa, em momento infeliz, poderá cometer um homicídio ou uma agressão, mormente quando humilhada e ofendida física e/ou moralmente pela vítima. Mas sendo esse agressor ou homicida uma pessoa de bem vai remoer amargamente o seu remorso por anos a fio, talvez para sempre, e nunca mais reincidirá no crime que praticou, sem a mínima premeditação.

Contudo, um matador de aluguel, um estuprador, um ladrão contumaz, um estelionatário, um traficante de drogas quase sempre voltam a praticar esses mesmos crimes, que deliberadamente cometeram, tão logo sejam postos em liberdade. Creio que o motivo da altíssima reincidência desses criminosos é que eles são dotados de alto grau de egoísmo, e agem movidos apenas pela ganância ou por hedonismo.

Ao pistoleiro interessa apenas o dinheiro que vai receber; ao estuprador, o prazer sexual que pretende ter; ao ladrão, o objeto que furtará ou roubará; ao traficante, o que lhe importa é o lucro que irá obter. A esses criminosos não tem a menor importância a desgraça e prejuízo que irão causar à vítima, à sociedade ou às famílias. Não é desnecessário lembrar que o tráfico e uso de drogas tem contribuído bastante para o aumento da criminalidade. E o consumo de substâncias tóxicas tem potencializado a violência no cometimento desses crimes, muitas vezes perpetrados no interior da própria residência do autor do delito.

No seio da sociedade farisaica e hipócrita de agora, em que imperam, por vezes, o demagógico patrulhamento dos autoproclamados politicamente corretos, ouço altas e verborrágicas vozes se levantando em favor de presos. Por vezes com razão, admito. Mas não tenho ouvido essas tonitruantes proclamações se erguendo em favor das vítimas, dos mutilados, das viúvas e dos órfãos, que a prática desses crimes hediondos deixaram ao desamparo e ao sofrimento.

É necessário que um outro Cícero surja nos dias de hoje, a bradar contra esse tempo e esses costumes. Ou que surja um novo João Batista a vociferar contra essas mazelas e contra a falta de vontade política de certos gestores em adotarem medidas preventivas e repressivas eficazes. Algo profundo precisa ser feito, com urgência, no campo da prevenção contra as drogas, no tratamento dos dependentes químicos, na educação (com a inclusão de disciplina sobre os perigos da droga e sobre ética e cidadania) e na segurança pública.


Deve haver a criação de políticas públicas vigorosas, direcionadas ao combate às drogas e à formação moral do jovem, com o incentivo para que ele se ocupe em atividades esportivas, artísticas e culturais, que lhe afaste do ócio. Este, muitas vezes, é um mau “conselheiro”. Com essas medidas é possível que diminua o uso de entorpecentes e o cometimento de crimes, sobretudo por parte dos jovens. E por falar em crime, um dos maiores crimes é a omissão das autoridades (in)competentes.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

PROJETO VIVENDA SÃO FRANCISCO


César Carvalho, Elmar e Zé Francisco



O José Francisco Marques, no sábado passado, dia 25, deu o pontapé inicial na construção de seu sítio, já batizado de Vivenda São Francisco. Fica perto da estrada que segue para Barras, a 15 quilômetros de Campo Maior. O terreno é situado em suave colina, de onde se descortina uma nesga da pequenina Serra Grande de Campo Maior, também chamada Serra Azul. Na oportunidade, o professor estava acompanhado de sua esposa Rosinha, dos filhos Jackson e Gabriel.
Um mestre da picareta, e não um mestre picareta
Estavam ainda presentes Joana, namorada de Jackson, Elmar e César (Neném) Carvalho, que foram prestigiar o lançamento dos fundamentos da vivenda, que na verdade foram algumas árvores, plantadas pelo professor Zé Francisco e pelos seus familiares. O mestre literalmente suou a camisa, ao manejar pesada picareta. Elmar Carvalho, brincando, disse que ainda bem que ele apenas usava o instrumento, mas ele próprio não era um “picareta”. Como diz a anedota, Zé Francisco Marques suou mais que macumbeiro a tirar espírito teimoso. Só lhe falta agora escrever um livro, pois tem filhos e já plantou pelo menos uma árvore. 
Zé Francisco e César Carvalho, lançando uma pedra fundamental, ou seja, uma árvore

BOFETADAS, TORTURA E MORTE DE BISPO


José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Enquanto aguardava o início da missa das 18 horas, na igreja de Fátima, sentei-me no banco morno da pracinha. Comecei a ler um texto de renomado cronista. A princípio, a matéria pouco me atraía, por se tratar de violência e execução, tema exaustivo dos noticiários.

A crueldade não escolhe vítimas. Mata-se com requintes de perversidade, queima-se jovem dentista, atira-se em crianças, acidenta-se um ciclista, decepando-lhe o braço, que é lançado no esgoto aberto. Aquela crônica, porém, abordava um servo de Deus, bispo de reconhecida pastoral.

Bofetadas, tortura, execução. Pouco importa a notícia. A opinião pública acostumou-se a conviver com carrascos e bandidos em cada esquina. E, como essa gente má, a sociedade perde, também, a sensibilidade às tragédias, esquecendo-as em seguida. Assaltos, sequestros, estupros, pedofilia, assassinatos em família, corriqueiros como o pão nosso de cada dia. O "crime da doméstica", anos 70, assombrou Teresina durante longo tempo. Hoje, tudo se transforma em lapsos de memória.

A execução de um bispo parece não sensibilizar mais a sociedade, já acostumada à perversa violência urbana. Eu já tinha lido relatos de assassinatos de padres, freiras, bispos e pastores, que chocaram o país. Dom Frei Vital, bispo de Olinda na segunda metade do século 19, morto em suposto envenenamento. Dom Expedito Lopes, bispo de Oeiras-PI, depois Garanhuns-PE, na década de 1950, assassinado a tiros pelo padre Ozanan. A emoção coletiva, na época, chegava a histeria.

A sociedade acostumou-se a não reagir a fortes reações do sofrimento do próximo. Nem mesmo de um prelado da Igreja? O cronista, porém, desabafa forte comoção ao se reportar às agruras de um prelado antes de morrer: "Não saberia encontrar palavras para descrever...O diabo entrou e fundou o reino dos infernos..."

O reino do diabo não é de agora. Vem desde o princípio do mundo. Por isso, nada de esmorecer no exercício do bem. O mundo do mal não aceita convivência com as pessoas do bem. Jesus Cristo adverte: "Vós não sois deste mundo, por isso o mundo vos odeia." Nessas alturas, você morre de curiosidade sobre trágico fim do bispo. Engaiolei você até agora, mas liberte-se: a crônica foi produzida por Eusébio, bispo de Cesareia, Israel, século terceiro da era cristã. O autor descreve a heroica convivência dos cristãos de Lion, França, com a violência daquela cidade: "Foram batidos e insultados... esbofetearam o bispo Pontino, de 90 anos, meteram-no numa cela fétida superlotada, vindo a morrer dois dias depois... pessoas sofreram lâminas ardentes nas partes íntimas... suas carnes estavam inchadas... os carrascos recomeçavam a sessão de tortura... pés violentamente separados por uma trave... chamavam-nos de velhacos e sujos... fizeram-nos sentar em cadeira de ferro ardente... sentia-se o cheiro de gordura queimada que subia das carnes tostadas... abusaram sexualmente da jovem Blandina, a fim de arrancar-lhe confissão..."


Levantei-me do banco escaldante da pracinha, incômodo infinitamente inferior ao dos irmãos de Lion, aos cidadãos de bem, hoje.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Praticando a escrita na Internet


Cunha e Silva Filho

Há algum tempo já se falou que nossos alunos não escreviam redações porque não tinham suficiente prática de expor-se pela palavra escrita. Mesmo alguns professores – e me refiro principalmente aos de língua portuguesa - pouco ou nada escreviam a não ser para algumas finalidades básicas da vida cotidiana. Os professores desta disciplina, sobretudo os do ensino fundamental ou médio, o que mais desenvolviam em atividade envolvendo   a habilidade da escrita,  quando o  faziam na verdade,  era ler e corrigir  redações de seus alunos, i.e., eram profissionais que corrigiam aquilo que, na prática, eles próprios não faziam. Alguns deles me confessavam que    não tinham  talento  para escrever, até mesmo do ponto de vista teórico!
É possível corrigir bem uma redação sem que o que corrige domine bem a habilidade escrita? Não há aí uma certa contradictio in teminis? Como exigir do aluno uma boa redação se o próprio educador não a tem no exercício de ensinar a língua portuguesa e, no caso específico, de ensinar redação?

Corrigir redação não se cinge a reconhecer os erros de gramática do aluno, mas sim avaliar a capacidade de desenvolvimento do pensamento crítico do discente ao se lhe propor um tema para expor com originalidade e discernimento.

É óbvio que o professor de língua portuguesa,com seu tirocínio, a sua experiência de leitor observará que um texto escrito não se limita a construções da língua normativa, mas a elementos essenciais que estão implicados na construção de um texto: a capacidade de criatividade, o horizonte cultural do aluno, a coerência textual, a coesão, um bom ou ótimo domínio da articulação das ideias com a habilidade de a elas dar uma forma  determinada.

Na realidade, há muitos professores que leem bem, mas escrevem mal, o que me leva a supor que existe alguma tendência ou vocação para escrever bem, não obstante haja  linguistas que não veem a questão sob este ângulo especulativo ou teórico. Eles, os linguistas (principalmente),  possivlemente alguns   gramáticos, e filólogos (estes últimos, infelizmene,  não estão mais em moda nos estudos de linguagem, sobretudo com a chegada da linguística, ciência da linguagem que se constituiu no final do século 19), negam  essa tndência inata para  escrever  bem. Alegam que, se bem  orientados e se bem  expostos  à prática da língua escrita,  será possível  alguém  melhorar  sua  capacidade  de  escrever
 Tudo dependeeria de uma  efetiva e fucional  forma de  ensino de redação,  mostrando ao discente  como  funciona  internamente o mecanismo  da estruturação   de um texto, através de estratégias linguísticas  aplicadas  que  proporcionem ao estudante   o que  tanto os linguístas   gostam  de  frisar  : a consciência  metalinguística  que os alunos devem ter  na elaboração  de  qualquer texto,  mesmo  que sejam  textos não-literários.
Meu pai, que foi um jornalista muito produtivo, costumava afirmar, citando provavelmente o velho gramático paulista Eduardo Carlos Pereira, que “Só se aprende a escrever, escrevendo.” Ou seja, é no batente do exercício da redação que se vai aprendendo e aperfeiçoando  a composição escrita. Eu diria, acrescentando, que esse aprendizado deve pressupor um background cultural do aprendiz, quer dizer, o aluno vai melhorando sua capacidade escrita com um combustível essencial: a constância da leitura de bons autores em língua portuguesa: ficcionistas, poetas, contistas, dramaturgos, em suma, de autores que saibam lidar com a habilidade  da  escrita, ainda que não só necessariamente escritores, ficcionistas ou poetas, mas historiadores, filósofos, matemáticos, físicos etc, ensaístas não apenas do âmbito literário estritamente falando, mas também do campo científico. O ato de escrever bem e com elegância e respeitando a variabilidade de natureza do texto pode ser executado por toda pessoa que tenha  adquirido a habilidade da escrita. Quem deseja aperfeiçoar a sua maneira de escrever também passa pela prática constante de ler bons jornais e revistas de alto nível no uso da competência linguística. O grande crítico Antonio Candido, certa vez, recomendou a leitura, diária se possível, de jornais para quem desejasse nutrir-se culturalmente e ao mesmo tempo aprimorar sua capacidade de escrita.

No domínio da Internet, tenho verificado que, ao contrário do que algumas pessoas andaram prognosticando ou apregoando, os seus usuários, sobretudo utilizando-se do Facebook e do e-mail, têm dado provas evidentes de exercitar a complexa atividade da escrita. Por um razão bem simples: quando o usuário da Internet recebe um e-mail, por exemplo, e vai  dar-lhe resposta,  estará empregando todo o seu esforço intelectivo  para  dar uma resposta bem clara e, quanto possível, bem organizada, e é aí que passa a desempenhar seu papel de autor de um texto que, tanto melhor será expresso quanto maior for seu repertório informativo-cultural. É lógico que não me atenho aqui àquele usuário amante e devoto das linguagens cifradas ( porém claríssimas para a faixa de jovens, principalmente no que concerne a abreviaturas, relaxamento da construção sintática e desprezo pela forma normativa de escrever).

Nesta situação pode-se falar de mau uso da comunicação escrita via Internet. No entanto, se o jovem ou o adulto precisam se exprimir por essa forma virtual, nada melhor do que aprimorar o domínio do texto escrito ao enviar e-mail ou ao escrever suas mensagens no Facebook., espaço virtual que, por sinal, tornou-se uma espécie de fórum em escala global para a expressão da troca de informações entre as pessoas e oportuna maneira de, sem que se perceba o fato,  atuar dinamicamente no processo da escrita, porquanto aquele espaço virtual muitas vezes tem virado verdadeira coluna de jornal com a finalidade de transmitir opiniões,  informação, tornando-se, assim,    locus propício para diálogos entre interlocutores em diversas áreas e riqueza de variabilidade de temas. Sem sombra de dúvida, têm sido agora esses espaços virtuais grandes estimuladores de melhoria de qualidade da escrita e de fonte contínua de ensejo para leituras e reflexões entre as pessoas.Ou, por outro lado, a  constância de fazer uso da escrita, por si só, se torna um inestimável espaço. Louvável se fez esse canal de comunicação escrita que só tem aumentado a possibilidade de transmitir ideias e pensamentos na prática da escrita, a grande vencedora em termos de melhoria de qualidade na práxis de provocar e de habituar seu usuário a redigir textos. Essa foi sua grande vitória  no campo virtual.

Reconheço, ademais, que a prática da redação foi grandemente melhorada com o avanço e desenvolvimento de campos de investigação da linguagem e entendimento de textos, como a análise do discurso, a  linguística textual. Novos aspectos do estudo da linguagem foram surgindo e se tornando  decisivos para a melhoria    de técnicas de redação. Só para ficar em alguns  exemplos, mencionaria  o estudo da constituição do parágrafo, a identificação do chamado tópico-frasal, a classificação de tipos diversos de parágrafos, o estudos dos conectores e de sua gama de sentidos, os quais  contribuíram sobejamente para o incremento do ato de redigir não só para fins de comunicação literária e não-literária, mas também para tornar os estudantes muito mais metalinguisticamente conscientes do “como” e do “por quê” no uso adequado de todos os elementos gramaticais e semânticos na estruturação adequada e na eficácia de um parágrafo e do todo de um texto. Grande conquista essa dos modernos estudos de língua e da linguagem! No exemplo acima, não cabe esquecer o grande contributo que deu para o ensino de redação no Brasil o professor e ensaísta Othon M.Garcia com o seu clássico livro Comunicação em prosamoderna ( Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1967). há poucos anos ainda muito recomendado a alunos de jornalismo. A originalidade do estudo aprofundado do parágrafo não foi dele, ele a trouxe dos americanos e, no país, teve uma fortuna crítica admirável avançando, desta maneira, os estudos de linguagem escrita e, portanto, de redação entre nós.


Lembro-me muito bem de um professor, que nem mesmo era formado em língua portuguesa, mas exercia a  função de professor desta disciplina num cursinho pré-vestibular. No Piauí, adolescente, já havia publicado diversos artigos em jornais, mas, apesar de tudo isso, ao redigir um texto sobre um tema proposto por aquele professor, a primeira coisa para qual me chamou a atenção foi, na folha escrita à  mão, a minha ausência de “dar margem aos parágrafos. Ora, nos jornais que publicava os meus artigos em Teresina esta minha “ausência” era corrigida na própria redação do periódico. Escritores antigos não tinham nenhuma noção linguísticamente orientada da importância de um parágrafo bem estruturado. Eles conseguiam formular seus enunciados graças ao talento, à observação meticulosa dos exemplos dos melhores autores, mas lhes faltava ainda a consciência metalinguística para estas noções da escrita.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Deusval Lacerda em Busca da Verdade


Virgílio Queiroz

Na tarde de 21/05/2013, ganhei, com dedicatória do autor, o livro “A Verdade como Ideal de Vida”, do intelectual piauiense Deusval Lacerda de Moraes, nascido no povoado “Costa”, na época pertencente ao município de São João do Piauí e hoje, após desmembramento, ao município de Paes Landim. Conhecedor da capacidade do autor, para mim, esta obra será uma das mais importantes, neste ano, na produção literária do Estado do Piauí. Na apresentação da sua seleção de artigos, Deusval escreve: “A julgar pela minha origem interiorana, nunca imaginei que escreveria sobre alguma coisa, pois quando nasci no então povoado Costa do município de São João do Piauí...não existia nenhum estabelecimento educacional. Na minha infância, iniciei meus estudos em meados da década de 1960, quando chegou para assumir o posto de primeiro Delegado de Polícia na recém-criada cidade de Paes Landim, oriundo de Teresina, o sargento PM Antônio, que, ao improvisar uma salinha de aula numa residência, e com todas as crianças sentadas no cimento frio, ministrou-nos as primeiras lições”. O seu apego à leitura, aos estudos, ele considera como um exemplo deixado pelos pais. E, sobre isso, ele evidencia em dedicatória: “A meu pai, Dico Moraes, que, não obstante ter recebido apenas trinta dias de aulas do A-B-C, empreendeu profícuo trabalho no ramo comercial e intensa realização na atividade pública, talvez por isso, acreditou na educação como processo de transformação da pessoa humana para o exercício pleno da cidadania, e assim envidou todos os esforços para oferecer boa educação aos seus filhos. À minha mãe, Odete, que, apesar de a vida não lhe oportunizar sequer um único dia de aula, criou os filhos imbuída do rigor no cumprimento dos deveres educacionais e incentivando-os sempre na busca da redenção pelo conhecimento e na profissionalização qualificada”.

Deusval Lacerda cursou o ensino básico na “Escola São João e o fundamental no Ginásio Frei Henrique, em São João do Piauí. Deixou o nosso Estado e, em Recife, no “Colégio União” conclui o ensino médio. Na capital pernambucana ele se graduou em Economia pela Faculdade de Ciências de Recife. Em Teresina, Deusval concluiu o curso de Direito pela Universidade Federal do Piauí e Pós-Graduação em Ciências Jurídicas pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí. Apesar de participar ativamente do mundo político, o nobre escritor nunca se enveredou em campanhas partidárias pleiteando uma eleição própria. Muito embora, o seu pai, Dico Moraes, em sua terra natal, tenha sido duas vezes vereador, duas vezes vice-prefeito e duas vezes prefeito.


O livro “A Verdade como Ideal de Vida”, coletânea de diversos artigos escritos ao longo dos anos, mostra-nos um homem inquieto com o tempo e com as pessoas. O autor não se prende em apenas um determinado assunto. Uma mente eclética que passeia, contempla e explora os acontecimentos em suas diversas matizes. Ora se apresenta como um economista. Em um dado momento é uma amante da história universal, e depois um sociólogo ou um jurista que se preocupa com a extensão da bandeira da democracia balouçando em todos os lares do nosso planeta. Firme, idealista e quem sabe até utopista, Deusval Lacerda acredita na verdade. Na verdade verdadeira da veia filosófica. Na verdade que engrandece o homem – que o torna virtuoso, tornando-o homem digno de ser chamado homem. Como Sócrates que buscou a verdade enfrentando os sofistas, Deusval busca a verdade no meio das demagogias para sustentar o seu ínclito desejo democrático. Em um mundo onde as mentiras são tonitruantes, capazes de dizimar construções sólidas da verdade, o nosso escritor, um Diógenes oriundo do sul do Piauí, sai com a sua lanterna a desafiar os que se julgam contentes, ludibriando a fé do nosso povo. Deusval Lacerda de Moraes, uma coisa eu lhe digo: o seu livro não é apenas o hoje; ele será um acervo para pesquisas de futuras gerações.

domingo, 26 de maio de 2013

Selo comemorativo dos 10 anos de criação da ACALE


Está sendo divulgado o selo comemorativo dos 10 anos de criação da ACALE.

O texto de apresentação da obra filatélica é da lavra do acadêmico, escritor e historiador Moacir Ximenes, também estudioso de heráldica regional e filatelia.


"O selo é construído em formato retangular com bordas em picote filatélico. No seu interior contem além do brasão da ACALE elementos constitutivos culturais de Campo Maior reunidos na própria bandeira do município, o campo verde com duas carnaubeiras. Ao centro repousa, em destaque, a identificação dos 10 anos da Academia Campomaiorense de Artes e Letras. O autor da ilustração do selo é Gleyson Carvalho.”

Lançamento da Revista da Acale


Em breve, dia 01 de junho, será o lançamento oficial da Revista da Academia Campomaiorense de Artes e Letras - ACALE.
Trata-se a edição Nº 01 e a ACALE tem a projeção que a Revista Acadêmica se consolide com periodicidade na cultura literária local. Nesta edição inaugural a revista traz como conteúdo a apresentação dos(as) patronos das cadeiras, bem como os/as respectivos(as) ocupantes dessas cadeiras e tráz, ainda, uma produção de cada membro seja uma prosa, um verso, uma arte plástica(pintura, escultura, xilogravura etc), uma composição musical. Enfim, a ACALE não foi pensada apenas para artes literárias, mas também de artes rítmicas e plásticas...

O projeto da segunda edição é para que seja aberta a participação da comunidade, ou seja, não será espaço somente do quadro de membros da instituição.

Texto: Comissão de divulgação social e imprensa.

Seleta Piauiense - Menezes y Morais


OFERENDA (SOL – ESTRELA)

Menezes y Morais (1951)

Trago-te esta estrela da tarde
colhida no azul do mais puro céu
E a certeza da vida que se faz sentida
com a argila das mãos
e o barro dos pés
- o sonho concretizado –
Trago-te ainda os metais desses pássaros de ofício
nos tons jorrantes de suas cachoeiras
E a ternura dessa tarde
que escorre macia
entre o cio da paz

e o por de sol dos teus cabelos

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O LIVRO MAIS TRISTE DE PORTUGAL





23 de maio   Diário Incontínuo

O LIVRO MAIS TRISTE DE PORTUGAL

Elmar Carvalho


No final da semana retrasada, ao retornar a Teresina, encontrei um livro, que algum carteiro deixara na portaria do condomínio onde moro, cuja chegada já me fora anunciada por minha mulher ao telefone. Ainda a velha empresa de Correios é usada, ao menos para o envio de livros e outros objetos. Já pouco se enviam carta e cartão-postal. Usa-se hoje, quase sempre, o recurso de e-mail, pela internet, ou de torpedos, pelo telefone celular. O mundo se torna cada vez mais instantâneo e virtual.

Não resta dúvida, as mensagens eletrônicas exigem menos trabalho e despesas. Não se precisa de envelope, cola, selo, papel, deslocamento para a agência postal, espera em fila e talvez mais algum inconveniente, que sempre surge. Entretanto, perdemos o romantismo da espera por uma carta, e de sua manual, singela e ansiosa abertura do envelope, seja com tesoura ou espátula, bem como o manuseio do papel onde a mensagem foi escrita. No caso de apaixonados missivistas, poderia haver vestígios de beijos, lágrimas ou perfumes, ou mesmo marcas vermelhas de batom ou sangue.

O livro era o Só, do poeta Antônio Nobre. Tratava-se de um exemplar da 4ª edição, publicada em 1921 pela tipografia de A Tribuna, sediada em Porto – Portugal. Em sua folha de rosto consta que “Deste livro, publicado por Augusto Nobre, tiraram-se três mil exemplares”. Certamente, a edição fora custeada pelo professor Augusto Nobre, irmão do poeta. O bardo já era falecido, desde precisamente 18 de março, domingo de 1900, às dez e meia da manhã. O próprio autor, referindo-se a esse livro, o único publicado em sua vida, o considerava o mais triste livro de Portugal.

O meu primeiro contato com esse grande poeta português data, aproximadamente, de 1972, quando eu tinha 16 anos de idade e cursava o terceiro ano do antigo ginásio. Seus poemas estavam na excelente Antologia Escolar Portuguesa, organizada por Marques Rebelo, e publicada pela extinta Fename, órgão do Ministério da Educação e Cultura. Para o meu gosto pessoal, trata-se de uma das melhores seletas em prosa e verso, tanto pela escolha rigorosa dos autores como dos textos.

Eu a adquiri através de uma negociação com minha mãe. Pedi-lhe dinheiro para comprá-la, alegando que não iria exigir que me fosse comprado um dos livros didáticos recomendados pelos professores. Um pouco depois, terminei conseguindo que meus pais me comprassem o compêndio de que havia dito abrir mão. Li e reli essa antologia várias vezes, sempre com muito encanto e atenção. Suponho que isso serviu para firmar o meu estilo. Através desse livro paradidático, tomei conhecimento dos clássicos e dos modernos escritores lusitanos, entre os quais Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro, posto que outros já conhecia, como Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Almeida Garrett, Bulhões Pato, Antônio Vieira e Camões.

Depois, voltei a reler o poeta em outras antologias, e sobretudo em exemplar da coleção Nossos Clássicos, da editora Agir, que relevantes serviços prestou à literatura, ao publicar textos dos principais poetas e escritores do Brasil e de Portugal. Essa coletânea era publicada sob a responsabilidade de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. O volume dedicado a Antônio Nobre era o de número 41, e o seu organizador era Luís da Câmara Cascudo, que lhe fez uma bela apresentação, erudita, lírica e concisa, vertida em prosa límpida, rítmica, elegante e castiça.

No domingo, dia 12, recebi uma ligação telefônica do amigo e poeta Walter Lima, hoje residente no Estado de São Paulo, perguntando-me se eu recebera o livro que ele me havia enviado, como presente de meu aniversário, ocorrido no dia 9 de abril. Walter é um leitor permanente e antenado. Lê os autores do passado e os atuais, de forma atenta e crítica, de modo a fazer pertinentes comentários. É também um poeta criativo e contido, sem explosões emocionais ou verborrágicas. No meu aniversário do ano passado, homenageou-me com um poema, em que faz verdadeiro malabarismo e ludismo em torno de meu nome.

O vate Walter Lima, na página de rosto, logo abaixo do título Só, escreveu os seguintes versos: “Nascemos sós. / Um pouco crescemos pós. / Por um instante, juntos / ficamos, parceiramente. / Mas no fim / Na chegada da infausta / A “indesejada das gentes” / Partimos sós. / In.feliz.mente / S.O.S”. Poema melancólico e verdadeiro, certeiro como um punhal na mão de um circense atirador de facas. O SOS do verso final parece o uivo de um homem solitário, abandonado, sem esperança em face da aparente indiferença do infinito e da vastidão do cosmos, como no poema elegíaco de Rainer Maria Rilk: “Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos / me ouviria?”

O livro que me foi enviado revela a sua idade, que remonta, como disse, a 1921, através de suas páginas encardidas e manchadas. A capa azul-escura já não estampa seu título, nem o nome do autor; ou talvez não seja a original. As folhas iniciais foram cortadas, por navalha afiada ou estilete. Algumas manchas podem ser de lágrimas ou de suor, ou apenas de prosaicos dedos sujos.

Isso me faz lembrar belo poema de Manuel Bandeira, em que ele fala de uma estatuazinha de gesso, que o tempo envelheceu e manchou de pátina. A vida nos marca com traumas, rugas e cicatrizes, e nos fere no corpo e na alma com sofrimentos que tentamos driblar ou suportar. Ou, ao menos, torná-los invisíveis, por orgulho ou pudor.  

quarta-feira, 22 de maio de 2013

JUVENTUDE E DROGAS: A CULPA NOSSA DE TODOS OS DIAS



Marcos Damasceno (*)

A juventude – na sua grande maioria – está sem rumo, sem valores, sem objetivos maiores, sem futuro. Mas a droga não é a grande vilã. A raiz do problema está na formação humana do indivíduo. A droga ganha importância na vida de pessoas rejeitadas, sem orientação humana; pessoas não amadas, excluídas, com fugas e depressão; pessoas com crises existenciais e com vazios espirituais. A crise de valores é que leva a essa crise social. O problema não é fácil! No entanto, não é invencível. As condições que geram a consciência de que existe o problema e a noção de que ele é preocupante, são as mesmas que dão o norte das soluções.

A responsabilidade dos pais. Não existe um pai ou uma mãe, em sã consciência, que não se preocupe com seus filhos em relação ao consumo de drogas; especialmente na fase da adolescência. Os pais devem, sempre que necessário, discordar das atitudes dos filhos e procurar corrigir seus atos e comportamentos. Pôr limite. Eles são – e sempre foram – os pedagogos de primeira ordem dos seus filhos... Falta ordem neste país! E a ordem social só ocorrerá depois da ordem familiar.

A família é a verdadeira rédea da sociedade, e não o governo. Quem tem, portanto, o poder de frear – notadamente - a violência é a própria família brasileira. O Brasil não precisa de opinião. Chega de opinião! Precisamos, já, de ação. Ação conjunta; pais, sociedade e governo de mãos dadas. E o que é verbalizado precisa, urgentemente, de sentido prático.

A responsabilidade da sociedade. Três características da sociedade são terríveis: a omissão, o egoísmo e o consumismo. Muitas vezes temos o medo, ou até a indiferença, de não abraçarmos ao próximo que está com problema. Achamos, equivocamente, e desumanamente, que o abraçando iremos abraçar também o seu problema. Você me diria: “Não queremos ônus, somente bônus”. Aí está a visão equivocada. Sempre jogamos o ônus para os outros, ou para o governo. Não é preciso querer ser herói; querer consertar o mundo ou salvar a pátria. Longe disso! Queira, e isso já é muito, fazer sua parte. Plante sua semente; dê sua contribuição. Edward Everett Hale, clérigo e escritor norte-americano, assinala: “... Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso”. Ficar omisso é o mesmo que ficar do lado do crime ou do criminoso, vendedor de drogas.

Vivemos, no mundo de hoje, desconfiados. A desconfiança, o medo e a insegurança nos acompanham. Eu, por exemplo, adotei uma medida severa: não saio de casa depois da meia noite; só se for por uma emergência. Impus, a mim mesmo, esse toque de recolher. Vi nas estatísticas que é a partir desse horário que mais incide a cultura da morte: bêbados dirigindo automóveis e pilotando motos, drogados perturbando as cidades, bandidos assaltando a tudo e a todos, etc.

A responsabilidade do governo. Temos que parar com esse costume de dizer que tudo é culpa do governo; parar de questionar somente políticas públicas. Isso é apequenar o debate e se omitir da sua parcela de culpa e de responsabilidade. Como cidadãos, ativos socialmente, somos parte do governo; integrantes do Poder Público. O poder do governo é o nosso poder. Graves são estas três situações sociais, quando elas existem: a posse ou a riqueza sem partilha, o poder com omissão e a vida sem solidariedade.

O Poder Público não é lugar, somente, para reclamações ou demandas. Numa relação pedagógica (a expressão certa é esta!) podemos contribuir, e muito, com o governo. Servir à coletividade. Temos que pregar e praticar. A ética do amor e proteção da vida está falida. O exercício da vida é de responsabilidade de cada um de nós.

O governo procura fazer sua parte, embora a legislação precisa de mudança; mas isso é papel do Congresso Nacional. O Poder Público não consegue, e não conseguirá jamais, ser eficiente numa ação pública sem a ajuda da sociedade. Se o governo não contar com o apoio da sociedade, suas ações serão sempre como “enxugar gelo”. As pessoas precisam, portanto, se relacionar ativamente melhor com o Poder Público e buscar ajudá-lo. Se observarmos as especificidades do problema, a sociedade está equivocada quando julga ser o governo o único responsável pela solução do problema. Nós temos parcela de culpa na existência do problema, assim como temos parcela de responsabilidade na solução do mesmo.

Jesus Cristo, inspirador e exemplar, fonte de toda glória e de vida, nos legou lições. Tudo que é suficiente para atender às necessidades humanas essenciais está garantido no mundo. Mas muitos seres humanos, egoístas e possuídos pela cobiça desenfreada, não se contentam com o essencial. Aí surge a turbulência – raiz da violência... O mundo não tem condições de atender a todas as cobiças humanas... Terá sempre alguém querendo tomar – à força – algo que é do próximo.

Nessa fase da adolescência, muitos jovens são tomados pelo espírito da rebeldia e procuram a todo tempo - e a todo custo - causar desobediência aos pais e desobediência civil. Não querem respeitar nenhuma regra. Nessa aventura, sem orientação, é que muitos se perdem; entram num caminho sem volta. Isso começa desde cedo. A permissividade, a desestruturação familiar, as facilidades mundanas, as más companhias e a banalização do sagrado fazem com que tais jovens percam seu norte. Há momentos que os jovens têm todas as dúvidas, em outros todas as certezas. O fato, é que eles precisam de valores e de limites. A cultura da morte surge como consequência desses dois pilares educacionais e socializantes.

Vivemos dois extremos: a ditadura e o excesso de democracia. Proibições nem sempre são censuras; tratam-se, às vezes, de um controle de qualidade ou de uma moralização. "Quem não for na direção da paz, caminha mais do que precisa andar" - Juraíldes da Cruz. Etiquetas... Assim assinala Frei Osmar Negreiros:

- Ninguém tem a receita pronta para formar um cidadão de bem, mas existem algumas atitudes e comportamentos que apontam para uma formação incorreta: deixar os filhos saírem sem dizer para onde, e com quem estão acompanhados; não estabelecer horário para voltar, não exigir cumprimento estrito do horário estabelecido; achar graça sobre atitudes deselegantes ou desrespeitosas nas relações interpessoais, dentre outras. Criar filho sem essas regras vai torná-lo um ser humano sem caráter e sem cidadania.

Eu acredito em terapia ocupacional; eu acredito em missões; eu acredito em perspectivas de vida. Vejo o esporte, a música, ações comunitárias, atividades nas igrejas, a cultura e o lazer – dentre outras medidas – como grandes agentes de estruturação sólida do ser humano e de transformação social. Além do entretenimento elas preenchem um vazio de fé e de esperança nesses seres educandos. São instrumentos de cidadania, além de ferramentas tanto defensivas quanto ofensivas nas lutas espirituais que sofremos, entre o caminho do mal e o caminho do bem. Elas salvam, sempre, as pessoas do caminho do mal; e são portas para o caminho do bem.
Na vida surgem algumas demandas. A principal: jamais tire Deus de sua vida. A segurança interior vem Dele. Nosso juízo - crítico - pode gerar problemas inexistentes ou piorar os existentes. Equilíbrio emocional é indispensável. Necessitamos de Deus. Sua palavra afasta a angústia existencial e o vazio de espírito. Só a relação com Ele resolve.

Nada é impossível àquele que tem fé. Saber é ser, querer é poder, compreender é viver. Quando o ser humano quer ele é capaz de se transformar, e transformar o mundo.

* Escritor e Doutor em Filosofia Política

terça-feira, 21 de maio de 2013

Joca Oeiras



Fonseca Neto

Parece, e é, “coisa de Oeiras”. Do tipo que, também parece, somente ocorre na Invicta. Taí o Quincas, “do oco do mundo”, que apareceu um dia qualquer por lá. E ficou. Sabe-se lá a razão de.

Invicta a póvoa do Mocha. Invicta é porque tem longo aprendizado em lidar com situações suigenéricas que o cotidiano foi colocando na experiência social que lhe é própria. Ele chegou em Oeiras, olhou o cenário em volta e adotou a cidade em seu juízo e labor. Veio de São Paulo; o Boy e o Bill chancelaram-lhe as chaves do lugar.


Antes de ele achar Oeiras, o Boy o achou pelas entretelas paulistanas. Veio abrir as portas da possidoniana, entrou, o Bill fazendo as tranqueiras honras. Entranhou-se e a tal ponto se aclimatou às intimidades da filha do “Pouca Vergonha”, que, doido, assim visto, em pouco tempo já o tinham, todos, por um dos seus, em ruas, praças, becos, altos e baixos. Em atos e desatos, calçadas e trilhas, salões e saguões, barzanias, forrós e bandolinagens. E claro: nos reinados do congal e nas procissões profusas – naquela procissão roxa, de trunfa bonina ele desceu; naquela outra vermelha, de casaca rubra, subiu. Pronto: o Joaquim autorrebatizou-se Joca Oeiras, uma marca, típica “metamorfose ambulante” – e para o que viesse, e desse, sua fama expandiu.  

Nada mais perceptível em seus agitos, além do visual, que o engajamento nos modos e fazenças culturais que perpassam e tipificam a cidade. Oeiras que, relembre-se, cultiva suas identidades costurando tradições, tendo como material os tecidos do tempo de suas trinta e uma décadas, desde a ousada reunião na casa de Touguia. Pois o Joca, qual um fio de fibra leve, logo encontrou um jeito de tocar e se deixar tocar por tais permeios, alinhavar-se nos percursos da velha urbs.

Os bálsamos de sertanidade do Piauí central fizeram-lhe muito bem. Claro que, assim abeberado das cousas oeiranas, umas e outras, aqui e acolá, o afetariam; trombou. Foi em frente, pegou estradas em direção aos pontos cardeais do labor cultural piauiense: Teresina, Picos, São Raimundo de Niède, Pedro II, Parnaíba – aqui ele ensaiou se demorar um pouco, mas outra vez o ímã centrípeto de Oeiras o puxou de volta.

Grande internauta, chegadas as infovias, idealizou (e modera) a “Confraria de Oeiras”, que, em poucos meses, eletrizou oeirenses de variadas latitudes. A cidade, suas histórias, lendas, a danada (que dizem parecer com nuvem) e um frenesi de gente “enfincando os dentes” e o verbo. Muita poesia terçada; o cronicão do burgo da Balbina. Agora, aos dez anos, esse Grupo constitui um acervo valioso de registros sobre Oeiras e seu povo, em meio eletrônico, incomparável, em certo sentido, com o disponível noutros suportes.

A Confraria, com auge mensageiro em janeiro de 2005, registra, agora, 7.950 entradas. Claro que o pau quebrou na cabeça de muito afoito. Mas também é duro suportar o sopapo do descortinar um palco onde, a cada momento, passa-se a limpo a vida de cada um e a vida inteira dos mochinos. E para infundir ainda mais as boas coisas do Piauí, Joca lançou o “Mais Charmoso”, distinguindo o Estado do Piauí entre as pérolas do Brasil. E pela Fundação Nogueira Tapety, o Portal do Sertão. Em Teresina, travou contato com uma geração inteira de obstinados. Louco por bar, pesquisou e puxou a memória do “Nós e Elis” e fez oportuno livro-depoimento. Amedalhado com a Renascença, no Karnak.

Afinal, quem é esse cara? “Anjo Andarilho”? É o Joaquim Luiz Mendes de Almeida. Um homem de apurada condição intelectual-literária que, idade avançando, avança mais rápido ainda, andarilhando, a viver, leve e solto, experiências sensíveis no coração do Brasil. Inclinações libertárias. Pai da Maíra Anapuru. Nasceu lá nas bandas do sul, mas é da extração dos notáveis Mendes de Almeida do Brejo dos Anapurus do Maranhão. Tem a primazia parentesca de Cândido Mendes, de Fernando, de Luciano, o bispo. Em Oeiras, além de pintar o sete, apenas “pingando” os is de sua ancestralidade vale-parnaibana. Figura singular.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O cheiro da grama: um flashback da memória



Cunha e Silva Filho

Já me encontrava com Elza, a minha mulher, no interior de um ônibus.Num banco pouco atrás de nós, estava meu filho Alexandre; íamos de volta pra casa. De chofre, ao dobrar a esquina para entrar na Marechal Câmara, pela abertura da janela do veículo, numa bela manhã de sol temperado, chegou-me até as narinas um cheiro gostoso de grama verde, circunvizinha daquele espaço de construção onde ficava o chamado Calabouço, o famoso restaurante dos estudantes no tempo da ditadura militar. Estudantes pobres ali tinham um lugar seguro onde podiam almoçar e jantar por um preço simbólico.

Um outro Rio era aquele dos período da ditadura militar a partir de 1964. As imagens jorram para trás no tempo provocadas pelo cheiro repentino que exalou num instante de menos de um minuto, talvez alguns segundos. Olhei, então, para o lado esquerdo da paisagem que dá para os velhos prédios da Avenida Beira-Mar, com aquela calçada que, uma vez, pisei pela primeira vez em direção ao conhecido restaurante. As  árvores, em frente dos prédios ainda ali estão, sempre dando sombra, generosa sombra, testemunha de tantas visões, movimentos, vozes e pensamentos diluídos pelo tempo.

Mas, o marco certo no qual ficava o restaurante está vazio das pessoas que naquele ano ali comiam, conversavam sobre política, sobre o futuro. Éramos muito jovens mesmo. A vida, uma incerteza. Os sonhos da juventude fervilhavam. Tinha poucos dias que chegara ao Rio e, ali, no Calabouço, à sua entrada, levava um documento, uns papéis.

Não me lembro para que eram. De repente, juntando-se a mim estavam outros piauienses que chegaram à cidade antes de mim. Um deles, malvadamente, tomou de mim aquele documento, que era para eu entregar a alguém, em algum lugar. O conterrâneo malvado, que havia sido colega meu no Liceu Piauiense, aos risos, se afastou sem me entregar de volta o documento.

Essa foi a pior impressão que tive de um conterrâneo de má índole. Não mais me avistei com ele para lhe cobrar o documento. Só o tempo cuidaria do mau-caráter. Deu péssimo exemplo de falta de solidariedade a um jovem recém-chegado em terra estranha. Não consigo esquecer as ações desonestas (que me perdoe Álvaro Moreyra, poeta, cronista e jornalista nascido em 1888 e falecido em 1964)) que me fazem. De um colega que morou na mesma Casa de Estudante que eu, a CESB, ouvi a seguinte afirmação: “Quando uma porta se fecha, outra se abre.”

Esse colega, o Anastácio Ferreira Morgado, leitor assíduo, na época, de Jiddu Krishinamurti (1895-1986), filósofo, escritor e educador indiano,da mesma forma, por coincidência estudou, no mesmo ano que eu, num curso preparatório a vestibular de medicina, jovem inteligente e muito estudioso, hoje, segundo me informaram, é um pesquisador de renome. O curso preparatório chamava-se “Curso Arquimedes, cujos professores eram jovens estudantes de medicina,” e ficava num dos andares do velho Edifício Santos Vale ( que vi citado numa obra de Álvaro Lins (1912-1970), Missão em Portugal: diário de uma experiência diplomática – I, 1960) numa conhecida rua do Centro, a Senador Dantas. Por mera falta de motivação, larguei o “Curso Arquimedes” no meio do ano.

No Calabouço, encontrei outros jovens, inclusive um piauiense, o Ribamar Garcia, que se tornou advogado trabalhista, escritor de ficção, com pelo menos, uma dezena de obras editadas. Um ano mais jovem do que eu, Garcia também conheci no Calabouço e logo fizemos amizade, amizade que começara pelo nosso interesse mútuo pela língua inglesa (ele estudava na Cultura Inglesa). Passei uns tempos sem ter notícias dele. Depois, por acaso, o reencontrei numa rua do Centro. Já era advogado militante. Retomamos a amizade até hoje.

.No restaurante tive o prazer de conhecer o Ary Medeiros. Ele trabalhava  na parte de assistência social do restaurante.. Ary se tornou professor da UFRJ, na área de Assistência Social. Aposentou-se, mas ainda tem vínculo docente com a universidade.È meu amgo até hoje.

Do ônibus, avisto agora, apenas uma passarela que dá para o Aeroporto Santos Dumont e, embaixo dela, abriram há tempos uma pista que segue pelo belo Aterro do Flamengo em direção a bairros da Zona Sul, como o Flamengo, Botafogo, Urca, Copacabana etc. O prédio do Calabouço, além do espaço destinado ao restaurante, oferecia, nos fundos, outros serviços, como lavanderia e diferentes lojinhas comerciais.

As gerações mais novas não sabem nada sobre aquele tempo do Calabouço, lugar muito associado aos rumos da política brasileira. Lá se misturavam estudantes apolíticos, estudantes da esquerda, militantes políticos contra a ditadura. O restaurante mereceu até um livro de um colega meu, que foi diretor da CESB, o Dirceu, um baiano amante da oratória e da poesia de Castro Alves, para ele o maior poeta que o país já deu.

Dirceu era emotivo, dinâmico, franco, solidário. Seu livro sobre o restaurante teve por títuloO canto do Calabouço. Não tive acesso ao livro, infelizmente.  Dirceu me deu uma demonstração de rara alegria e felicidade por saber que eu havia sido aprovado, em 1966, para o curso de Letras da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, depois chamada Universidade Federal do Rio de Janeiro.Até hoje, não esqueci o abraço caloroso deste jovem destemido e de temperamento político, combatente da ditadura. Tempos depois, soube que tinha ingressado no curso de Filosofia da Universidade Gama Filho.

A ditadura continuou, acabou e não mais tive nenhuma notícia do jovem e vibrante Dirceu, amante da cultura e da literatura, Um vez, conseguiu publicar um pequeno jornal da CESB, no qual entrei com um artigo,  de cujo tema não me lembro mais agora, afinal já se passaram quarenta e oito anos!. Outra vez, realizou uma noite literária, com discurso, declamações de poemas. Nesta noite, declamei o famoso soneto “Saudade”, do poeta piauiense Da Costa e Silva (1885-1950). Mal sabia eu que, anos mais tarde, escreveria uma dissertação de Mestrado enfocando  aspectos da obra do mais aclamado  poeta do Piauí,  Da Costa e Silva: uma leitura da saudade,  que, em 19996, seria publicada em livro pela Academia Piauiense de Letras em convênio com a Universidade Federal do Piauí, com prefácio da minha ex-professora de literatura brasileira do  Mestrado, Gilda Salem, já falecida.

domingo, 19 de maio de 2013

Seleta Piauiense - V. de Araújo



PROPOSIÇÃO POÉTICA

V. de Araújo (1950)

Se tu ainda não escreveste um poema,
tenta, escreve, escreve ao menos um verso,
um verso que não agrade a todos,
um verso que perturbe os hipócritas,
um verso... mesmo que ele seja imoral,
um verso SUJO como o POEMA de Gullar;
um verso audaz que irrite os santos,
que provoque insônia e afugente as FERAS,
um verso perfuro-contundente como o trauma,
e que descortine, de uma vez, as farisaicas aparências.


Se tu ainda não escreveste um poema,
tenta, escreve, escreve ao menos um verso,
um verso que por causa dele te critiquem,
um verso que machuque os covardes,
um verso... mesmo paranoico ou desarticulado,
um verso letífero como a faca de dois gumes,
um verso insolente que triture as convenções,
que seja lúbrico e desvirgine as verdades escondidas,
um verso etéreo que se desfaça num segundo,
mesmo que ele seja sem rima, sem rima e sem cadência.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

MIRANDA – UMA FAMÍLIA PIONEIRA DO PIAUÍ


Reginaldo Miranda

As origens da família Miranda mergulham fundo na história de Portugal e Espanha. Segundo alguns registros, ainda no recuado ano de 711, um cavaleiro de nome Obrão de Miranda, participando de guerra contra os mouros, luta bravamente ao lado de D. Rodrigo, último rei dos godos, na histórica Batalha de Guadelete, de que foi vítima o monarca, ruindo, então o Reino Visigótico de Toledo. Em 718, Obrão de Miranda foi um dos primeiros a empunhar armas ao lado do futuro rei Pelágio, de cujas lutas fundam o reino das Astúrias, embrião dos outros reinos cristãos ibéricos responsáveis pela reconquista da península. É possível que seja esse guerreiro cristão o primeiro tronco da família Miranda na península ibérica, com descendência espalhando-se por Portugal e Espanha. Ainda nas Astúrias, outro cavaleiro, este da casa de Ponce de Leon e, talvez descendente daquele, por nome Albar Diaz de Miranda deu origem à importante linhagem da família.
Não resta dúvida, porém, segundo a maioria dos dicionaristas e heráldicos, de que este sobrenome tem origem toponímica, relacionando-se à região norte portuguesa, no alto Douro, onde se situa a cidade de Miranda e tiveram a alcaidaria-mor. Provém do latim Miranda, “que é para admirar, coisa digna de admiração”. Os primeiros representantes dessa linhagem eram sempre identificados por “de Miranda”, a indicar a região de onde provinham. Foi nessa região, próxima às fronteiras de Leão, que, segundo alguns cronistas, os primeiros portugueses receberam títulos de nobreza e foram governantes de províncias. Portanto, é esta a mais plausível origem dessa família.
Por esses fatos, quase todos os genealogistas preferem apontar para uma origem espanhola, também ligada a domínios de terras, com posterior migração para Portugal através de casamentos entre nobres. A nosso sentir, porém, como a região de Miranda, no atual norte de Portugal, é fronteiriça com a Espanha, teriam aí mesmo surgidos os primeiros desse sobrenome, inclusive o cavaleiro Obrão, passando a descendência para os dois lados da península ibérica, sempre identificados com a origem geográfica “de Miranda”, como a não deixar dúvidas. Ademais, por aqueles dias tudo isso era muito emaranhado, às vezes surgindo domínios diferentes, com fronteiras imprecisas e mutáveis. Situada nesse imbróglio milenar, a referida Miranda do Douro, possui até idioma próprio, o mirandês3.
Muitos representantes dessa família, no outro lado da península ibérica, sempre trouxeram a indicação da origem de seus ancestrais, todos “de Miranda”, e não apenas “Miranda”. Um exemplo é o revolucionário Francisco de Miranda, descendente de espanhóis e precursor da independência venezuelana.
Todavia, é importante ressaltar que existem outras localidades com o nome de Miranda em Portugal, na serra pertencente ao Conselho de Arcos de Valdevez, distrito de Viana do Castelo; no Conselho de Guimarães; no Arcebispado de Braga; a conhecida Miranda do Corvo, vila e sede de Conselho, no distrito de Coimbra; Mirandas, em forma plural, na freguesia de Sacavém, margens do rio Tejo, encostada em Lisboa; e, por fim, uma Mirandela, belo diminutivo, nas margens do rio Tua, afluente do Douro, distrito de Bragança, província de Trás-os-Montes. Por seu turno, em Espanha existem ao menos dezenove localidades com o nome de Miranda. Fora da península, existe uma no distrito de Gers, na França, e outra na província de Isérnia, na Itália, nessa última existindo também a forma Mirândola. Por fim, o nome foi também bastante difundido nas colônias do Novo Mundo, nominando cidades, rios e províncias.
Pois, esquecidos daquele tal cavaleiro Obrão de Miranda, ou sem fontes documentais para traçarem a origem da família até àquele vetusto ancestral, antigos registros genealógicos somente traçam a origem dessa família aos descendentes de D. Martim Afonso e Emília Gonçalves de Miranda, esta de origem espanhola, além de Fernão Gonçalves de Miranda. Seguramente, é desta descendência que se originou o brasão dos Miranda, hoje consagrado na heráldica e muito conhecido entre os interessados pelos assuntos genealógicos.
Desde cedo, porém, representantes da família Miranda chegaram ao Brasil. É conhecido aquele Simeão de Miranda, que comandou uma das naus da esquadra de Pedro Álvares Cabral, que disseram ter descoberto o Brasil para os europeus, em 22 de abril de 1500. Presentes, portanto, desde o tal descobrimento, estão também entre os primeiros colonizadores da nova terra. Existem registros de colonizadores de sobrenome Miranda em praticamente todas as regiões do Brasil: São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso; no nordeste, desde cedo chegaram à Bahia, Pernambuco e Ceará.
Miranda é nome muito difundido no mundo ocidental, sobretudo na Europa e América Latina. Em Portugal, sobressaíram: o referido Simeão de Miranda(f. 1515), navegante, foi um dos capitães de caravelas da frota de Pedro Álvares Cabral; Francisco Sá de Miranda(1481 – 1558), festejado poeta, irmão do governador-geral Mem de Sá; Caetano Pinto de Miranda Montenegro(1748 – 1827), magistrado e político português com atuação no Brasil, primeiro barão, visconde com grandeza e marquês de Vila Real da Praia Grande. Na Espanha: Juan Carreño de Miranda(1614 – 1685), destacado pintor na corte espanhola de Felipe VI; Álvaro Fernández de Miranda(Oviedo, 1855 – 1924), escritor e político asturiano; Diego Arias de Miranda (1845 – 1929), político, foi senador vitalício e ministro da marinha(1910 – 1911) e da Justiça(1912); Torcuato Fernández-Miranda Hevia(1915 – 1980), político e jurista de Gijón (Asturias). Na América latina são inúmeros os exemplos.
No Piauí, os primeiros registros datam de 1712, quando o chantre Baltazar de Faria e Miranda foi nomeado vice-vigário da freguesia de N. Sra. da Vitória(Oeiras)3. Por esse tempo muitos religiosos que vinham catequizar rebanhos no Novo Mundo, costumavam trazer parentes, principalmente sobrinhos para colonizarem as novas terras recém-descobertas. Entre nós, o padre Tomé de Carvalho e Silva, primeiro vigário de Oeiras e ainda titular ao tempo de Baltazar Miranda, é um exemplo, ao trazer alguns sobrinhos que iniciaram a família Carvalho, no Piauí. Mais tarde, o padre português João Manoel d’Almendra, vigário de Campo Maior, no Piauí, trouxe os sobrinhos Jacob Manoel d’Almendra e José Almendra de Freitas, que iniciaram as famílias Almendra, Freitas e Gaioso, no Piauí. Portanto, não é despropósito se pensar que o vice-vigário Baltazar Miranda possa ter trazido para Oeiras alguns irmãos ou sobrinhos para iniciarem vida nesses dilatados sertões de dentro. Desde que tivemos notícia da existência desse religioso em Oeiras, alimentamos essa hipótese porque foi exatamente nos arredores dessa povoação, mais precisamente no vale do rio Piauí, que encontramos os primeiros membros da família na bacia parnaibana.
Parentes ou não daquele religioso, nesse mesmo período adentram o sertão, desbravam, colonizam e assentam as caiçaras de seus currais os irmãos João Rodrigues de Miranda e Francisca de Miranda do Rosário. Que motivos os teriam trazido ao Piauí? Não seria plausível a presença de outros parentes já aqui estabelecidos? Ou mesmo de conterrâneos? Por esses dias existem registros de muitos colonos do Alto Douro, de Algarve e até da Galícia.
O certo é que atuando firmemente na margem ocidental do rio Piauí, João Rodrigues de Miranda combate os índios que infestavam os vales do riacho Fundo e de seus afluentes, os riachos do Brejo e de Santa Maria. Então, estabelece seus primeiros rebanhos em fazenda que denomina Buriti, nas margens do riacho do Brejo, também chamado Brejo do Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí, onde constrói casa, curral, capela e primeiros roçados. No Mapa do Piauí, de Henrique Antonio Galluzzi(1760), aparece como fazenda com capela. Todavia, mesmo arriscando sua vida para colonizar essas terras, é obrigado a pagar renda aos Regulares, como sucessores de Domingos Afonso Sertão, no valor de 10$000 (dez mil réis) anuais(AHU-Piauí. Cx. 4, Doc. 4; Cx. 25, Doc. 60; AHU-ACL-CU-016, Cx. 4, Doc. 309). E com o crescimento de seu rebanho bovino e cavalar vai alargando seus domínios pela região, cedendo parte aos filhos à medida que vão crescendo e se estabelecendo. Assim, é que na relação de fazendas e criadores que o Conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia elabora e finaliza em 15 de novembro de 1762, aparece como possuidor e morador na “fazenda Buriti, com três léguas de comprido, e de largura em a metade de uma légua, e em outra nada, por serem matas bravas, do qual também foram (por ele) povoadas”. Informa que “destas duas fazendas também se pagou renda aos Regulares até o tempo que cessou a satisfação delas” em razão de sua expropriação e expulsão dos mesmos, assumindo aquele o domínio do imóvel(AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e 27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513).
Sobre seus filhos o mesmo documento informa que “Antonio Pereira de Miranda, possui uma fazenda chamada Trindade, com légua e meia de comprido, e de largura meia, a qual povoou com consentimento de seu pai, a quem pertenciam as terras dela” (AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e 27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513). Também, “Francisco Félix de Miranda, possui uma fazenda chamada as Guaribas, com duas léguas de comprido e uma de largura, a qual povoou também, por consentimento de seu pai, a quem pertenciam as terras/ por serem como as da sobredita fazenda/ da do Buriti, de que são possuidores os ditos seus pais” (AHU-Piauí. Cx. 07, Docs. 26 e 27; AHU-ACL-CU-018, Cx. 8, Doc. 513)). Essa fazenda Guaribas é, provavelmente, a origem da cidade de Canto do Buriti. Mais tarde, em 1764, o mencionado Francisco Félix de Miranda aparece como intendente na arrecadação de alimento(gado e farinha) para abastecer a tropa capitaneada pelo tenente-coronel João do Rego Castelo, e que ia ao mato combater os índios Gueguês, Timbiras e Acoroás. Fora designado pelo governador João Pereira Caldas para arrecadar esses mantimentos no médio curso do rio Piauí e lados dele(Arquivo Público do Piauí. Códice 146, p. 156/157).
Outro documento importante para se reconstituir a presença dessa família na colonização do vale do rio Piauí, é a relação de fazendas e moradas da freguesia de N. Sra. da Vitória, elaborada pelo vigário Dionísio José de Aguiar, em 29 de maio de 1763, com base nos róis de desobrigas do ano anterior. Segundo anotou o referido vigário, o pioneiro João Rodrigues de Miranda havia falecido, encontrando-se residindo na aludida fazenda Buriti, a viúva Josépha de Souza, com os filhos Ignácio, Luiz e João, mais quatorze escravos e um forro; também residiam na fazenda, Antonio Pereira e Julião Pereira, que devem ser seus filhos, embora o vigário não indique o parentesco, apenas dos que residiam sob o mesmo teto, e suas respectivas esposas Mariana da Silva e Inocência de Abreu; o último casal residia com os filhos solteiros José e Joana, além de Ignácia de Abreu, filha viúva(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). Antonio Pereira, não seria o mesmo Antonio Pereira de Miranda, do registro anterior, e que não aparece nesse? Também, nesse segundo registro não aparece Francisco Félix de Miranda, apenas Francisco Félix, residindo na fazenda Santa Maria, com sua esposa Eugênia Maria. Parece que o vigário gostava de economizar na tinta, abreviando os nomes.
Portanto, até o momento está comprovada a filiação de cinco filhos do casal João Rodrigues de Miranda e Josépha de Souza, faltando comprovar a filiação de outros.
Todavia, outros Miranda residiam no vale do rio Piauí, muito próximo desse casal e de seus filhos. Na fazenda São João, situada no riacho de Antonio Pereira, afluente do Piauí, residia a viúva Maria de Miranda, com os filhos Manoel, Joana, Ana, Ignácia, Antonia e Francisca; também, Manoel de Miranda, que aparece sem indicação de parentesco. A fazenda lhe pertencia “por falecimento de seu marido Antonio Pereira de Abreu, que a tinha descoberto e povoado”. Na fazenda Piripiri, residia Manoel Barbosa de Miranda, que a descobrira e povoara, já não existindo em 1762, apenas a viúva Helena de Brito, com dez escravos e dois forros(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547)..
Também, logo depois do rio Piauí, Canindé abaixo, na fazenda Retiro residia Joana de Miranda, com seu marido Manoel Ferreira Guimarães e os filhos José Rodrigues, Manoel Ferreira, Leonardo Ferreira, Joaquim Ferreira, Antonio Ferreira(menor), Maria da Purificação e Teresa de Jesus(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547).
Por fim, ainda na ribeira do Piauí, na fazenda Palmeira de São Tiago, morava a pioneira Francisca de Miranda do Rosário, viúva do capitão-mór Domingos de Abreu Valadares, com os filhos Gaspar de Abreu Valadares, que fora almotacé, vereador, juiz ordinário e de órfãos da vila da Mocha, depois cidade de Oeiras, José de Abreu Valadares e Francisca de Miranda. A filha Ignácia da Conceição, nossa ancestral, casara com o português Manuel Alves da Rocha e fora morar na fazenda Craíbas, vale do rio Gurguéia. Segundo uma petição datada de 24 de novembro de 1769, da “viúva que ficou do capitão-mór Domingos de Abreu Valadares(...), tem a trinta anos que (este) é falecido, ficando por seu falecimento de todo exaurido de bens, que todos os gastou no serviço de Sua Majestade, no princípio da povoação desta Capitania em desinfestar o gentio das ribeirras do Piauí, Canindé, Itaim e Itaueira, e à sua custa” (AHU – Piauí, Cx. 9, Doc. 22. AHU-ACL-CU-016, Cx. 10, Doc. 628; AHU-Piauí, Cx. 10., Docs, 3 e 19; AHU-ACL-CU-016, Cx. 11, Doc. 655).
Toda essa gente morava, com exceção de Joana de Miranda, na ribeira do Piauí e, certamente, era aparentada. É que, por esse tempo, essa proliferação de Miranda não existe em outros vales ribeirinhos, somente passando ao Itaueira e Gurguéia depois de alguns anos. E seria muita coincidência que todos eles fossem morar próximo sem serem parentes. Não há dúvida, porém, de que D. Francisca de Miranda do Rosário era irmã de João Rodrigues de Miranda. Então, os que não forem filhos de um serão filhos do outro. Existe documento que comprova o parentesco entre os filhos de ambos4.
E porque a ribeira do Piauí vai se consolidar como berço de nossa família durante o século XVIII, ainda citamos um casal de portugueses de avultados cabedais, segundo os cronistas, que também morava nesse vale e que seus descendentes iriam se entrelaçar com os Miranda. Segundo o relatório do vigário(1763), residia na fazenda das Mutucas(não seria Malhada?), os fazendeiros Antonio Pereira da Silva e Maria da Purificação, com os filhos Manoel Caetano, Antonio, Francisco(então menor, e nosso ancestral), Joséfa Maria(casada que era com o tenente Hilário Vieira de Carvalho, também nosso ancestral), Leandra e Simoa, com nove escravos, dois forros e um agregado. Por esse tempo, a filha Maria Pereira da Silva já não residia em companhia dos pais, e sim do marido José Vieira de Carvalho(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). Os filhos varões foram membros da Junta Trina de Governo do Piauí(1775 – 1798).
Também, outra família dessa ribeira e que iria se entrelaçar com a nossa seria a dos Ribeiro Soares, cujo embrião fora a viúva Maria Josépha de Jesus, cujo marido já não existia em 1765. Morava ela na fazenda da Onça, em companhia dos filhos José, Gabriel, Ana, Ignez, Izabel e Manuel Ribeiro Soares, este último casado com Iria Dias(AHU-Piauí. Cx 8., Doc. 13; Cx. 7, Doc. 13; AHU-ACL-CU-016, Cx 9, Doc. 547). A essas, mais tarde, iriam se juntar outras famílias de outros vales ribeirinhos.
Entre os filhos de João Rodrigues de Miranda, vai sobressair o capitão Ignácio Rodrigues de Miranda. Nascido em 1737, na fazenda Buriti, vale do rio Piauí, termo de Oeiras, inicia carreira militar desde muito cedo, quando sentou praça no posto de soldado da Companhia Franca de Dragões. Em pouco tempo foi promovido a Ajudante do Terço das Ordenanças(as primeiras que foram organizadas no Piauí, posteriormente extintas). Mais tarde(1777), quando foi novamente organizado o Terço de Ordenança do Piauí, teve ele o nome indicado novamente, sendo, porém, recusado pelo general do Estado, porque não se encontrava servindo na tropa ao tempo da proposta. Por esse tempo, a Junta Trina de Governo do Piauí, testemunha ser ele um “homem distinto” e merecedor da nomeação. No mesmo ano de 1777, em que ocorrem esses fatos, foi nomeado Capitão do Terço de Cavalaria da Capitania de São José do Piauí. Durante os anos de 1782/83, foi eleito Ouvidor-geral, e como tal assumiu a presidência da Junta Trina de Governo. Portanto, Ignácio de Miranda, em companhia de dois adjuntos(um vereador e um militar), por dois anos consecutivos governou a Capitania de S. José do Piauí. Posteriormente, em 1790 comandou a tropa militar que marchou para as cabeceiras do rio Piauí, em combate aos índios Pimenteiras. Após alguns entreveros, conseguiu aprisionar onze deles, tratando-os com todo o cuidado, sendo essa a primeira vez que índios dessa nação foram aprisionados no Piauí. Depois dessa campanha, permanece em sua fazenda Buriti, que fora de seu falecido pai. É que nomeado pela Junta Trina de Governo, assumiu o comando militar do rio Piauí. Nesse posto permanece até à morte em princípio do século XIX.
Por seu turno, no segundo lustro do século XIX, o governador Carlos César Burlamaque vai enfrentar firmemente a prepotência dos governantes do Maranhão, cuja capitania era geral, sendo-lhe a do Piauí subalterna. E como resultado desse conflito jurisdicional deflagrado pelo governador do Piauí, que não se conformava com a condição humilhante de subalterno do Maranhão, foi o mesmo preso e afastado de suas funções, por ordem daquele. Então, a sociedade piauiense levanta-se em defesa de seu governador e em protesto contra as arbitrariedades que se praticava, de que resultou na plena autonomia do Piauí, que foi elevado à categoria de capitania geral. O movimento de solidariedade foi liderado pelo Senado da Câmara de Oeiras, a ele se juntando o clero, os militares, a aristocracia rural e o povo em geral. A esse movimento não poderiam se furtar os Miranda, sempre afeitos à luta. Reunidos para esse fim, 79 fazendeiros do vale do rio Piauí, entre esses, treze Miranda e outros parentes, firmaram documento em defesa do governador. Embora o documento não seja datado, o despacho que o recebe é de 18 de agosto de 1807. Assinaram o mesmo, entre outros, os seguintes parentes6: Raimundo Pereira de Miranda, João Barbosa de Miranda, Felipe Neri de Miranda, Leandro Rodrigues de Miranda(1º), Ladislau Pereira de Miranda, Francisco Bernardino de Miranda, Manoel Pereira de Miranda, José Barbosa de Miranda, Manoel Barbosa de Miranda, Leandro Rodrigues de Miranda(2º), Pedro Rodrigues de Miranda, Cosme Barbosa de Miranda e José Pereira da Silva Miranda. Note-se que existem dois com o prenome Leandro, talvez tratando-se de pai e filho. Também, assinaram esse documento Francisco Pereira da Silva e João Vieira de Carvalho, nossos parentes. Entre os demais signatários do documento, alguns deveriam ser casados com mulheres de nossa família. É que por esse tempo apenas os homens participavam dessas reuniões. Também, aí já participaram representantes da segunda e terceira geração da família no vale do rio Piauí (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHU-ACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573).
Documentos com o mesmo teor foram firmados pelos fazendeiros de outras regiões da capitania. Entre os moradores do vale do rio Gurguéia aparecem as assinaturas de Antonio Rodrigues de Miranda e Albino Rodrigues de Miranda, além de Manoel Caetano da Rocha e Bernardo Luís da Rocha, todos nossos parentes. E entre os da vila de Jerumenha, firmam o requerimento Francisco Félix de Miranda e Lutero de Miranda, além de João Alves da Rocha e Antonio da Rocha, também parentes. (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHU-ACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573).
Então, esses documentos comprovam que no início do século XIX, os Miranda já começavam a migrar para os vales do Itaueira e Gurguéia, no termo de Jerumenha, onde vão aumentar vertiginosamente, entre esses Francisco Félix de Miranda.
Porém, Felipe Neri de Miranda ainda residia na ribeira do Piauí, onde assina o documento, logo mais passando para o Itaueira. Sobre esse antepassado ainda existe alguma dúvida a respeito de sua filiação. Na ausência de documentos, recorremos às probabilidades, ao entender ser ele filho de Ignácio Rodrigues de Miranda ou de seu irmão Francisco Félix de Miranda, ambos filhos do pioneiro João Rodrigues de Miranda. Assim pensamos porque, entre outros fatos, batizou um de seus sete filhos com o nome de Francisco Félix de Miranda(2º do nome) e outro com o nome de Ignácio Francisco de Miranda. E entre seus netos e bisnetos vamos encontrar muitos com o prenome “Ignácio” e outros com nome e sobrenome “Rodrigues de Miranda”. Inclusive, o próprio era tratado ora por Felipe Neri de Miranda, ora por Felipe Rodrigues de Miranda. Nos registros eclesiásticos aparece Joaquim Felipe Neri de Miranda. Embora ao final de sua vida fosse residente na fazenda Tabuleiro Grande, no vale do rio Itaueira, termo de Jerumenha, próximo aos limites com Oeiras, em 1807 ainda residia no vale do rio Piauí, onde firma o documento em apoio ao governador Burlamaque. Também, na relação de seus bens aparece uma propriedade denominada Buriti, no termo de Oeiras, em clara evidência ao imóvel de seus ancestrais. E o capitão Ignácio Francisco de Miranda, seu filho, por muito tempo residiu no termo de Oeiras, onde se casou, demonstrando a ligação deles com aquele termo, berço dos primeiros Miranda, aqui relacionados.
Não pense, porém, o leitor que em nossa pesquisa genealógica trabalha a fantasia, sendo ela toda calcada em fonte documental, principalmente autos de inventário e cíveis em geral, termos de qualificação eleitoral, atas de eleição, livros de registros de ofícios e correspondências oficiais, listas de recenseamentos descritivos, de fazendas e de criadores, registros de imóveis, livros de registros de nascimentos, batizados, casamentos e de óbitos, etc.
Formado em Direito em julho de 1988, desde então iniciamos na advocacia, nos primeiros anos com quase toda a militância no sul do Piauí. E nos primeiros três anos de advocacia, por todas as comarcas em que militamos, desde Floriano a Jerumenha, São João do Piauí, Bertolínia e Bom Jesus, onde nos levavam os interesses dos clientes, aproveitamos sempre essas oportunidades para bisbilhotar os arquivos judiciais e restaurar o passado dessa família sul-piauiense a que temos a honra de pertencer. Complementamos esses dados com pesquisas no Arquivo Público do Piauí, nosso velho conhecido desde a elaboração de um livro anterior sobre a cidade de Bertolínia, onde nascemos. Foram três anos de pesquisa, ao fim da qual elaboramos uma apostilha impressa e encadernada que traz na capa o ano de 1991. Desde então, conhecidas as informações centrais que fazem as ligações de Felipe Neri de Miranda com as atuais gerações, deixamos essa apostilha numa gaveta e de vez em quando anotávamos um dado novo fortuitamente encontrado. Recentemente, encontramos importantes informações na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino(AHU), de Lisboa. Assim nasceu a árvore genealógica da família Miranda e de outras que lhe são entrelaçadas.
Por fim, as probabilidades sobre os demais filhos de João Rodrigues de Miranda e sobre a ascendência de nosso ancestral Felipe Neri de Miranda, ficam como sugestões para outros interessados que desejem investigar as origens mais remotas dessa família. A documentação eclesiástica de Oeiras, à qual até agora não tivemos acesso, pode esclarecer tudo. Recomendamos, então, a análise de registros eclesiásticos dessa freguesia e de Jerumenha, documentação judicial da comarca de Oeiras, além de requerimentos e registros de sesmarias. A análise cuidadosa dessa documentação esclarecerá essas dúvidas, pois certamente existirão registros, vez que todos esses primeiros ancestrais foram militares, proprietários rurais, membros de câmaras municipais, juízes ordinários, etc., não sendo impossível se encontrar anotações sobre eles. A quem interessar, fica aberto o caminho através destas primeiras informações.
Também, gostaríamos de lembrar que essas informações genealógicas visam dar conhecimento aos descendentes e a quem interessar possa, sobre as origens da família Miranda e de outras que lhe são entrelaçadas. Traz o caule e os principais galhos da árvore, sem atualização das ramificações mais recentes. É que anotamos apenas os dados que encontramos nos arquivos. Não fomos buscar informações nos descendentes atuais dessas gerações, porque achamos enfadonha essa tarefa de incomodar os parentes com busca de informações pessoais. Sabe-se que, nessa luta renhida pelo capital, nem todos dão valor a estudos genealógicos. E para evitar dissabores preferimos não incomodar ninguém. Ficamos, porém, à disposição daqueles que desejem atualizar seus dados ou de seus respectivos ramos familiares, bastando nos entregar pessoalmente as informações ou enviá-las pelos correios ou via e-mail, a fim de que possamos inscrevê-los na árvore genealógica da família, o fazendo com o maior prazer. Por essa razão, as disponibilizamos na Internet, para facilitar a complementação. Por oportuno, esclarecemos que os dados da descendência do major José Felipe Neri de Miranda, nosso ancestral, quase todos sem o apelido Miranda, estão um pouco mais atualizados porque esses descendentes também são pertencentes à família Rocha6, do sul do Piauí, e tiveram a sua árvore genealógica atualizada recentemente, de onde retiramos algumas informações sobre pessoas mais recentes. Frise-se que além de termos participado daquela reedição (3ª), cedemos os originais desse livro para complementar aquela, de forma que se comparando a terceira edição com as anteriores de Dados Genealógicos da Família Rocha, verificaremos que muitas informações por nós levantadas foram ali incorporadas, com nossa aquiescência, constando, inclusive, na bibliografia. A bem da verdade, deixamos de traçar nesse estudo a genealogia completa da família Rocha, a que também pertencemos e sobre a qual temos muitas anotações, porque a mesma já foi levantada por outros pesquisadores, sendo desnecessário repeti-los. Por fim, outro fator que tem atrasado a publicação desse estudo é a necessidade de complementar a ascendência das famílias Brasil, Rodrigues, Santana, Martins e Ramos, do lado paterno, cuja tradição familiar remonta ao capitão Roberto Ramos da Silva7(Roberto da Cachoeira), fazendeiro estabelecido na fazenda Cachoeira, divisa do Piauí com Pernambuco, também entrelaçada aos Miranda. É que sendo descendentes do português estabelecido no Piauí, Valério Coelho Rodrigues, passaram para a divisa de Pernambuco, hoje Município de Afrânio(PE), e dali algumas gerações retornaram ao Piauí, de qualquer forma obrigando uma pesquisa em Pernambuco, a fim de fazer a ligação entre as gerações. Infelizmente, ainda não temos essas informações.



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JOÃO RODRIGUES DE MIRANDA, fazendeiro, pioneiro da colonização do Piauí, desbravador e povoador de extensas áreas no vale do rio Piauí e de seu afluente, o riacho Fundo, este formado pelos riachos de Santa Maria e do Buriti, que desinfestou do gentio e onde assentou a caiçara dos primeiros currais; residente na fazenda Buriti, hoje cidade de Brejo do Piauí; foi c.c. D. Josépha de Souza, que lhe sobreviveu; filhos(ao que conseguimos apurar):
F.1. Francisco Félix de Miranda(1º), fazendeiro, residente na fazenda Guaribas e depois na fazenda Santa Maria, ambas no vale do rio Piauí, de onde passou para o termo de Jerumenha no início do século XIX; foi c.c. D. Eugênia Maria; ainda sem filhos em 1765. (Nota: Na relação de fazendas do Conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia, aparece como rendeiro da fazenda Guaribas, por disposição de seu pai; e na lista dos moradores, conforme rol de desobriga do vigário Dionísio José de Aguiar, aparece apenas com o nome de Francisco Félix e residindo na fazenda Santa Maria, que seu pai vendera a Vidal Afonso Sertão).
F.2. Antonio Pereira de Miranda
F.3. D. Maria de Miranda*, residente na fazenda São João, vale do rio Piauí, foi c.c. Antônio Pereira de Abreu(já falecido em 1762); filhos: Manoel, Joana, Ana, Ignácia, Antônia e Francisca; também, morando na fazenda aparece Manoel de Miranda, mas o rol de desobrigas não indica o parentesco acaso existente.
F.4. Manuel Barbosa de Miranda*, residente na fazenda Piripiri, vale do rio Piauí, já não existindo em 1762; foi c.c. D. Helena de Brito, que lhe sobreviveu; no rol das desobrigas, não morava com ela, já viúva, qualquer descendente, que parece não existir, apenas dez escravos e dois forros.
F.5. José Fernandes de Miranda*, foi c.c. uma filha de Francisco Xavier de Azevedo; possuía a fazenda da Alagoa, terras de engenho e pagava 160$000 de renda anuais aos Regulares, como sucessores de Domingos Afonso Sertão.
F.6. Ignácio Rodrigues de Miranda, fazendeiro, militar e político de larga atuação na segunda metade do século XVIII.
F.7. Luiz
F.8. João
(Confirmada a filiação apenas de cinco filhos; os três que aparecem com asterisco ainda não tiveram a filiação comprovada, embora morassem entre esses, razão de terem sido relacionados, podendo ser também irmãos dos pioneiros).

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D. FRANCISCA DE MIRANDA DO ROSÁRIO, fazendeira, pioneira da colonização(era irmã de João Rodrigues de Miranda), residente, senhora e proprietária da fazenda Palmeira de São Tiago, no médio curso do rio Piauí, onde faleceu c. de 1770; foi c.c. o capitão-mór Domingos de Abreu Valadares, fazendeiro, militar, pioneiro da colonização do Piauí, f. c. 1739 e segundo declarou a viúva em 24 de novembro de 1769, “tem a trinta anos que é falecido” (AHU – Piauí, Cx – 9, Doc. 22); filhos(ao que conseguimos apurar):
F. 1. Gaspar de Abreu Valadares, fazendeiro, político e magistrado piauiense, “e das famílias nobres desta Capitania, natural desta mesma freguesia (de N. Sra. da Vitória, de Oeiras), donde sempre foi morador e ocupando os empregos mais honrosos desta cidade (de Oeiras), como almotacé, vereador, juiz ordinário e de órfãos” conforme declarou e foi comprovado por testemunhas em auto de justificação que tramitou em agosto de 1772; com o prematuro óbito do pai tornou-se arrimo de família, ajudando a criar os irmãos mais novos.
F.2. D. Inácia da Conceição(f. 25.06.1791), c. 1747, c.c. Manuel Alves da Rocha(f. 16.06.1771), fazendeiro, português de nascimento, ao que diz a tradição, fixando residência definitiva na fazenda Craíbas, no vale do Gurguéia, onde já residia o esposo; filhos: 2.1) Joséfa Maria de Santana, faleceu sem deixar sucessores; 2.2) Manuel Caetano da Rocha, não se conhece nada sobre a existência de sucessores; 2.3) João Alves da Rocha, foi c.c. Antônia Vieira de Carvalho, deles descendendo muita gente, inclusive o saudoso padre José Marques da Rocha, os acadêmicos Petrarca Rocha de Sá e Pedro da Silva Ribeiro e o ex-governador do Maranhão, Luiz Alves Coelho Rocha; 2.4) Ana, faleceu sem sucessores; 2.5) Gonçalo Francisco da Rocha, foi c.c. Maria Vieira de Carvalho, filha de Hilário Vieira de Carvalho e Joséfa Maria da Conceição(deles descendem os acadêmicos João Crisóstomo da Rocha Cabral, Adelmar Soares da Rocha, Zenon Rocha e Reginaldo Miranda da Silva, bem como o ex-governador João Clímaco de Almeida); 2.6) Jerônima Teresa de Jesus, foi c.c. o capitão José Vieira de Carvalho, não deixando sucessores; 2.7) Bernardo Luís da Rocha, foi c.c. Claudina Maria de Jesus, de cujo consórcio deixou quatro filhas: Inácia, Ana, Bibiana e Raimunda;
F.3. José de Abreu Valadares
F.4. Francisca de Miranda(2ª)

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CAPITÃO FELIPE NERI DE MIRANDA (nos registros eclesiásticos aparece Joaquim Felipe Neri de Miranda; em vários registros aparece Nery), fazendeiro piauiense, n.c.1772, no vale do rio Piauí, neto de João Rodrigues de Miranda e sua mulher, D. Josépha de Souza; residente na fazenda Tabuleiro Grande, na ribeira do Itaueira, naquele tempo pertencente ao termo de Jerumenha, depois, sucessivamente da Manga, de Floriano, de Itaueira, de Rio Grande do Piauí e, por último, de Pavussu, onde veio a falecer ab intestato no dia 9 de maio de 1828; c. 1797 c. c. D. QUITÉRIA VIEIRA DE CARVALHO, que lhe sobreviveu, sendo ela filha do tenente Hilário Vieira de Carvalho (2.º do nome), Juiz Ordinário e Órfãos, residente na fazenda Várzea Grande, do termo de Jerumenha, onde faleceu em 1813, e de D. Josefa Maria da Conceição; neta paterna de Hilário Vieira de Carvalho (1.º do nome), fazendeiro, vereador, residente na fazenda da Volta, no vale do rio Canindé, arrematador dos dízimos da Capitania do Piauí durante os anos de 1725 a 1727 e 1740 a 1742 e de D. Maria do Rego (esta filha do Capitão-mór Manoel do Rego Monteiro); bisneta de José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva, casal paulista de origem portuguesa que entrou no Piauí na bandeira de 1719, fundando um arraial de paulistas que deu origem à cidade de Paulistana(PI); neta materna de Antonio Pereira da Silva e D. Maria da Purificação, casal de abastados fazendeiros portugueses radicados na fazenda Mutucas, vale do rio Piauí; eram devotos de Nossa Senhora da Conceição; do entrelaçamento matrimonial, nasceram sete filhos, com idades em 1828, segundo consta no inventário do genitor:
F.1- Major José Felipe Neri de Miranda - 29 anos;
F.2- Manuel Felipe de Miranda - 25 anos;
F.3- Francisco Félix de Miranda - 20 anos;
F.4- Thereza Maria da Conceição - 16 anos;
F.5- D. Leandra Maria da Conceição - 15 anos;
F.6- Cap. Ignácio Francisco de Miranda - 13 anos;
F.7- Carolina Maria da Conceição - 10 anos;
Destes, D. Leandra Maria da Conceição, n. em 1813, casou-se e transferiu-se para o termo de Pilão Arcado, na Bahia, onde deixou filhos, já não existindo em 1867. Nada sabemos informar a respeito do destino de Thereza e Carolina. Teriam seguido a irmã para a Bahia? Faleceram solteiras? Casaram e não tiveram filhos? É difícil asseverar. Por essas razões, a descendência do capitão Felipe Neri de Miranda, será traçada apenas por seus filhos varões. Sempre há a esperança de que um dia alguém possa complementar esta pesquisa. José Felipe Neri de Miranda e Francisco Félix de Miranda, também são ancestrais do autor dessas notas.

Nos livros de registros de correspondências da capitania de S. José do Piauí, arquivados no Arquivo Público Estadual encontramos duas missivas do governador D. João de Amorim Pereira a Felipe Nery de Miranda, datadas do ano de 1799, então com a patente de porta-estandarte. Interessante é que a primeira dessas missivas o trata por Felipe Rodrigues de Miranda, talvez em alusão ao nome de Ignácio Rodrigues de Miranda. A segunda, certamente com os dados da resposta, já o trata pelo nome correto. A título de registro histórico seguem na íntegra. A primeira correspondência se reporta às diligências militares de que esse Miranda era encarregado e sobre a dispensa de alguns moradores encarregados das fazendas do Real Fisco:

Carta ao Porta Estandarte Felipe Roiz de Miranda.
Chegando a mim a notícia por várias vezes que V.M.ce chama para o exercício não só aos vaqueiros das fazendas do Real Fisco, mas também aqueles que se hão empregados nas obras das mesmas fazendas como o carpina que atualmente se acha fazendo carros e mais acessórios das ditas fazendas vou declarar a V.M.ce que as pessoas que se declarem como essa mencionada, ocupadas no indispensável e ativo serviço das fazendas de Sua Mag.e não se deve enquanto este durar distrair das suas ocupações tão essenciais para a conservação do patrimônio Real// Deus guarde a V.M.ce. Palácio de Oeiras 10 de Setembro de 1799/ Dom João de Amorim Pereira/ Snr. Porta Estandarte Felipe Roiz de Miranda”(CABACap. Cod. 157. P. 194).

No mesmo sentido da primeira, também essa segunda correspondência se reporta à disciplina militar de vaqueiros e demais empregados das fazendas do Real Fisco, sob responsabilidade do Porta-Estandarte Felipe Miranda. Era ele responsável pela disciplina militar em sua região.

Carta ao Porta Estandarte Felipe Nery de Miranda.
Pelo portador foi entregue nesta Secretaria a carta que V. M.ce me dirigiu inclusa a que recebeu do seu comandante cuja volta outra vez. Tendo determinado a V.M.ce assim como a todos os mais encarregados da disciplina militar o que se deve obrar com os vaqueiros e mais pessoas empregadas no serviço das fazendas do Real Fisco, o mesmo seu comandante me propôs o que V.M.ce lhe representou respeito o acharem-se disciplinados os soldados dessa Ribeira sobre cujo assunto lhe ordenei o que havia de fazer. Deus guarde a V.M.ce. Palácio de Oeiras 9 de Outubro de 1799/Dom João de Amorim Pereira/Snr. Porta Estandarte Felipe Nery de Miranda”(CABACap. Cod. 157. P. 212).

Portanto, são esses alguns dados sobre esse nosso antepassado da família Miranda, do centro-sul do Piauí. No tempo da correspondência supra, ocupava o posto de porta-estandarte, depois foi promovido, sendo reformado no posto de capitão de um dos regimentos da capitania. Em outra oportunidade divulgaremos dados sobre sua descendência.

NOTAS
  1. Texto adaptado da introdução ao livro Memória dos ancestrais, ainda inédito.

  1. Advogado e escritor. Titular da Cadeira n.º 27 e atual presidente da Academia Piauiense de Letras.

  1. CARVALHO Jr, Dagoberto Ferreira de. História episcopal do Piauí. 2.ª Ed. Recife: Editora Thormes, 2011: “Nomeia-se por provisão de 1712, segundo pesquisa do bacharel Jerônimo Martiniano de Melo, o Chantre Baltazar de Faria e Miranda para vice-vigário da freguesia de Nossa Senhora da Vitória. O documento acha-se registrado na Câmara Eclesiástica de Olinda. Depreende-se do fato, o crescimento da freguesia, a exigir já àquela época, auxiliar de tão elevada dignidade hierárquica” (p. 44).

  1. Autos da devassa feita pelo cônego João Maria da Luz Costa, por ordem do Bispo frei D. Antônio de Pádua, sobre o procedimento do vigário colado da igreja matriz de Oeiras, padre Dionísio José de Aguiar. Depoimento da testemunha n.º 23, Francisco José dos Santos, sobre o fazendeiro e político Gaspar de Abreu Valadares ter falecido sem receber o sacramento de unção, por recusa do aludido vigário: “sabe por lhe dizer o mesmo Gaspar de Abreu ao tempo de sua enfermidade que para haver de receber o sacramento da eucaristia, havia pedido, ou escrito a seu primo o capitão Ignácio Rodrigues de Miranda, então Ouvidor interino, nesta cidade(de Oeiras), que de outra forma não podia conseguir por ter inimizade com o Reverendo vigário; e o mandava esperança que logo o faria” (AHU-Maranhão. Cx. Nv 886; Piauí, Cx. 12, Doc. 2; AHU-ACL-CU-016, Cx. 15, Doc. 829). O importante a ressaltar é o parentesco existente(a testemunha declarou serem primos), entre Gaspar e Ignácio, filhos, respectivamente, dos pioneiros Francisca de Miranda do Rosário e João Rodrigues de Miranda.

  1. Segue o documento, na íntegra: “Ilmo. Senado. Nós abaixo assinados, moradores na ribeira do Piauhy, constando-nos que V. Sas., à frente do Clero, Nobreza e povo dessa cidade, como Metrópole da Capitania, recorriam a S. Alteza para que fosse servido por sua inata piedade conservar por mais nove anos no governo da Capitania o Ilmo. Sr. Carlos César Burlamaque, seu atual governador, e desanexar para sempre da Capitania Geral do Maranhão, dita Capitania e lhe permitir liberdade para livremente comerciar com a Capital do Reino. Tendo não só nós, mas todos os moradores desta Capitania, experimentado quão útil e vantajoso nos é, e tem sido o suave, piedoso, sábio e justo governo do dito Ilmo. Sr., que com tanta eficácia cuida na fidelidade pública, e em desterrar os males que os pretéritos governos nos haviam causado, e pela falta de liberdade do comércio. P//a V. Sas., Ilmo. Senado, que à sobredita representação queiram unir este nosso requerimento, pelo qual nos obrigamos a cumprir, da nossa parte toda, e qualquer proposição que para o conseguimento das referidas graças V. Sas., fizerem a Sua Alteza Real, ou aqueles outros que este Sr. for servido impor para este fim. E. R. Mce..Ass: Francisco Pereira da Silva; Antonio de Medeiros Chaves; Francisco Xavier de Macedo; Joaquim da Silva Barbosa; Raimundo Pereira de Miranda; Joaquim Jorge Afonso; João Barbosa de Miranda; João Vieira de Carvalho; Felipe Neri de Miranda; Martinho Soares dos Santos; Luís Soares da Cunha; Manoel Soares de Brito; José Joaquim Soares; Leandro Rodrigues de Miranda; Joaquim Ribeiro Soares; Ladislau Pereira de Miranda; Plácido Ribeiro Soares; Damião Barbosa; José Pereira da Silva Araújo; José Ribeiro Soares; Francisco Bernardino de Miranda; João Baptista Ribeiro; João Paulo da Silva; Manoel Pereira de Miranda; Bernardo Alves de Araújo; José Barbosa de Miranda; Manoel Barbosa de Miranda; Manoel dos Santos P....; Eugênio José P...; Manoel da Costa Passos; Patrício Alves; Eliziário Pereira de Araújo; Manoel de Souza; Clemente Ribeiro de Souza; Manoel Pereira Maciel; Manoel de Oliveira Lima; Antonio Félix Gansolo; José de Matos Z...; José de Araújo; José Francisco Soares; Antonio José L...; José Joaquim de ...; ...... ..... Lima; Manoel Gomes Afonso; José Pereira de Máximo; Leandro Rodrigues de Miranda; Manoel Roberto Ferraz Porto; Joaquim José de Santa Ana; Manoel Pinto Ramalho; João da ....; Alexandre José da Costa; .... Júlio Ribeiro; Manoel Vicente; Manoel Gomes; Eucário Ferreira; José Maria de Oliveira; Antonio de Oliveira Araújo; Custódio de Oliveira; Floriano de Souza Estrela; Miguel Ferreira de A...; André Correia de Mesquita; Antonio Leal da Mota; Agostinho da Fonseca; João Paulo de Souza; Manoel Vicente; Antonio Nunes; Antonio Félix; Sebastião de Souza; Lucas Félix; Thomaz Ferreira da Cruz; Adriano Pereira de Novaes; José Pinto de Aguiar; Félix dos Santos; Pedro Rodrigues de Miranda; Cosme Barbosa de Miranda; José Pereira da Silva Miranda; Bento Pereira Rego; Paulo de Brito Porto; João Baptista Damasceno. Registrado à fls. 183 até 185 do Livro 10 deste Senado. Corrª (assinatura ilegível)” (AHU-Piauí – Cx. 23, Doc. 20, 25, 29; AHU-ACL-CU-016, Cx 30, Doc. 1573). O documento possui despacho datado de 18 de agosto de 1807.

  1. Esses são também descendentes da pioneira Francisca de Miranda do Rosário e de seu esposo, o capitão-mór Domingos de Abreu Valadares. É que a filha desses, Ignácia da Conceição, casou com o português Manoel Alves da Rocha e passou a morar no vale do Gurguéia, de cujo consórcio gerou a família Rocha. E duas netas suas, irmãs, de forma sucessiva, vão casar-se com José Felipe de Miranda, gerando grande descendência, que são os Costa e Silva(da ribeira do Itaueira), os Pereira Nunes e os Mendes da Rocha(os dois últimos do Gurguéia), inclusive o autor dessas notas, que descende de ambos os irmãos pioneiros.

  1. Roberto Ramos da Silva era natural de Oeiras, onde casou e ainda residia no final do século XVIII. É testemunha em autos de devassa realizada em Oeiras no ano de 1798.