O SIM E O NÃO
Jacob Fortes
Esses velhos opositores, advérbios de afirmação e
negação, embora se destaquem por seus aspectos semânticos
dissonantes, há neles nuances infinitesimais, quase imperceptíveis.
O sim é colorido; o não, pardacento. O
sim tem o semblante alegre de quem bebe o vinho; o não,
do médico que, contrafeito, o proíbe. O sim é leve,
gracioso; o não, pesado, desgracioso. O sim tonifica o
ânimo; o não, acabrunha. O sim surge infrene; o não,
refreado. O sim é luminoso; o não, opaco. O sim
é expansivo; o não, recatado. O sim denota
preferência; o não, antipatia. O sim faz cantar; o
não, emudecer. O sim remete para o regozijo; o não,
para condolências. O sim exprime o passaporte, a carta de
alforria, o livramento; o não, a detenção, porteira
fechada.
Apesar das suas oposições vigorosas nem o sim,
nem o não se proclamam vencedores; apenas cada qual acredita
dispor de fármaco capaz de potenciar o escoramento de medidas
deliberativas. Cada qual se esmera em defender as suas cores, o seu
milagre. Aos que não se alinharem nem ao sim nem ao não
resta o atalho do irresoluto advérbio de dúvida, alheado,
desfibrado, sem tomar propósito, também conhecido por Múcio ou
Laissez-faire: deixa como estar para ver
como fica.
A esses pequenos gigantes monossilábicos, — aliás,
consagrados ao ofício relevante de comunicar por meio da
expressão oral ou escrita em países lusófonos — deixo aqui o
sorriso de saudação de um fã. Ainda que esses garnisés magistrais
sejam dignos de todos os louvores, essencial é dizer que, por vezes,
maior benefício faz o não, que não lisonjeia, do que o sim
lisonjeador. E nessa asserção inclua-se também o brocardo pelo
qual é preferível o não da lealdade que o sim da
hipocrisia.
Até o próximo encontro ocasião em que o advérbio de
dúvida, ofendido com as tachas atiradas à sua honra, em tom de
mofa, irá defender-se. Alegará em seu libelo que, de conformidade
com a ciência, a dúvida é o ponto de partida para chegar-se à
verdade. No concernente às pechas de apassivado e vacilante, aliás,
calúnias radicadas na inveja, serão demolidas mediante o emprego de
expressiva via judicial. Para esse efeito invocará um recurso
regimental protelatório de grande valimento, os embargos
infringentes.
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