Breve
apresentação de Memorial do Ouro
Dílson
Lages Monteiro
Peço
permissão para ser breve, a fim de que se sobreponham neste espaço
a informalidade e a conversa, e este momento seja para todos o
mais agradável possível.
Esta
obra foi escrita e reescrita em outro centro urbano, em obstinado
processo. Nesse processo, representações da história propriamente
dita foram reelaboradas por linguagem literária; com a clara
intenção de investigar no fundo, o próprio significado do Brasil.
Embora
o autor, Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, tenha, pois, construído
o mundo de Memorial do Ouro, em São Paulo escolheu, porém,
Teresina – movido pelo afeto às suas origens, sobretudo -
como lugar para que ela se materializasse em forma de livro
impresso – aqui tanto se editou esta ficção, como também, a
partir de agora, esta ficção se torna definitivamente de
conhecimento público.
Revela-se,
por essa razão, em particular, de um sentido especial, para nós que
acompanhamos pequena parte do processo de construção do livro –
processo sempre encantador, mas, no caso deste livro, mais especial,
pela responsabilidade e confiança depositados em nós; mais
encantador e especial, pelo afeto do escritor com esta Terra e
porque, ainda, fortalece o sistema literário do Piauí -
reforça uma nova cultura que vem se reinventando e se consolidando
aqui, a cultura da edição de livros, fortemente alavancada
nos últimos anos com o surgimento de pequenas editoras e com a
intensificação de publicações independentes de todos os
matizes.
Começo
estas palavras com duas breves divagações, que se impõem como
indispensáveis para comentar resumidamente o tema do
romance. A primeira dessas divagações, a ligação do autor
com o Piauí. A segunda, as reservas literárias que conduziram o
escritor a construir um novo e apaixonado percurso como profissional
da linguagem.
Saibamos,
a princípio, mais sobre o autor de Memorial do ouro. Gilberto de
Abreu Sodré Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em 1947. É casado
com uma educadora musical e pai de três filhos. Reconhecido como
consultor experiente em modelagem organizacional a partir do enfoque
jurídico-gerencial. Por 40 anos, foi advogado interno e consultor de
grandes corporações, e membro de colegiados de planejamento
estratégico e relações com governo, em holdings. Além disso, é
acadêmico e autor de diversos artigos e papers de direito
empresarial e gestão. É também Genealogista e
historiador voltado para o início do século 18 brasileiro. Publicou
dez livros, alguns deles por editoras como a Imago e a Fundação
Getúlio Vargas.
A
ligação de Gilberto Sodré com o Piauí é antiga, apesar de
somente nesta semana, em função das contingências profissionais e
da distância física de seu assentamento, ter efetivamente dividido
com os piauienses, presencilamente, parte de sua experiência como
pesquisador e ficcionista. Suas raízes familiares estão na Barras
do Marataoã antiga, onde nasceram os seus avôs e bisavôs pelo lado
paterno. Ter em seu DNA um pedaço da gente piauiense o fez sempre um
curioso por este Estado, tanto que chegou a escrever livro de
genealogia – Os Carvalho de Almeida do Piauí - para buscar o elo
afetivo que nutriu ao longo de décadas, pela força do imaginário,
com a paisagem humana e social de todos nós.
Esse
elo, aliás, refletiu-se inclusive em Memorial do ouro, posto que um
dos personagens, apesar de não apresentar relevo principal na obra é
Antônio Carvalho de Almeida, português que recebeu sesmaria na
localidade Taboca, no hoje município de Esperantina, e de quem
descende. Suas pesquisas sobre o Piauí e sua gente reforçaram o seu
entendimento sobre o processo de conquista e devassamento do Brasil
colonial, com seus valores, métodos e arbirtrariedades.
A
busca de suas raízes no Sudeste também o conduziu a entender,
analogamente, a interposição dos interesses econômicos e
patrimonialistas anulando quaisquer noções de justiça social.
Nesse particular, mergulhando em sua origem familiar pelo lado
materno, nasceu o seu interesse em pesquisar sobre a Santa
Inquisição, a produzir estudos e palestras sobre o tema e, agora,
em converter essa história para a ficção.
Essa
busca por suas raízes, no Piauí e no Sudeste, formaram parte das
reservas literárias que fundamentaram o argumento para Memorial do
Ouro. Do contato com documentos, com relatos da memorial oral e do
imaginário coletivo, foi-se o autor deixando seduzir pelo tema da
Inquisição e pelas nuances que o momento histórico em que se situa
o tema fez brotar, a tal ponto que somente a história já não
era mais suficiente para que sua inquietação de escritor se
contivesse.
Assim,
nascia, também, uma de suas marcas mais evidentes como ficcionista,
também um de seus maiores méritos: a utilização dos recursos
literários, para subjetivamente, desemborcar em uma escrita que é
também ensaio, testemunho e metaficção, sobre os quais me
debruçarei com o vagar e o tempo necessário em breve.
Por
meio de João Aveleda, cada um de vocês, encontrará um narrador
inquieto em perguntar o sentido de Deus e do Rei, em questionar o
sentido do medo, do fingimento e da verdade, da submissão e das
artimanhas para se manter imune as cruezas do poder; enfim, dos
interesse e valores do Rio de Janeiro e do Piauí, de Minas
Gerais,enfim, do Brasil e de Portugal dos séculos XVII e XVIII.
Finalizo
essas breves palavras, com trecho de entrevista de Gilberto Sodré, a
fim de caracterizar a atmosfera de “medo de fingimento” e
resumir o sentido de toda a obra:
“Esse
é o reino em que todos vivemos. Todos nós, nas nossas mentes, nos
nossos pensamentos, somos cruéis, preconceituosos. Ao agirmos,
somos, por muitas vezes, dissimulados. Nós nos editamos como pessoas
aceitáveis, todo o tempo, fazendo maior ou menor força para tanto.
Queremos ser vistos como bons, centrados, leais e merecedores; mas só
nós sabemos da nossa verdade. Muitas vezes, nem nós mesmos sabemos
da nosso verdade, tal a mistura que fazemos entre o que cremos e o
que cremos para constar para os outros”.
Conforme
já havia mencionado, que este espaço e momento sejam da
informalidade e da conversa. Muito Obrigado!
Fonte:
Portal Entretextos, do qual Dílson Lages Monteiro é editor.
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