terça-feira, 27 de maio de 2014

Breve apresentação de Memorial do Ouro


Breve apresentação de Memorial do Ouro

Dílson Lages Monteiro

Peço permissão para ser breve, a fim de que se sobreponham neste espaço a informalidade e a conversa, e este momento seja para  todos o mais agradável possível.

Esta obra foi escrita e reescrita em outro centro urbano, em obstinado processo. Nesse processo, representações da história propriamente dita foram reelaboradas por linguagem literária; com a clara intenção de investigar no fundo, o próprio significado do Brasil.

Embora  o autor, Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, tenha, pois, construído o mundo de Memorial do Ouro, em São Paulo  escolheu, porém, Teresina – movido pelo afeto às suas origens, sobretudo  -  como lugar para que ela se materializasse em forma de livro impresso – aqui tanto se editou esta ficção, como também, a partir de agora, esta ficção se torna definitivamente de conhecimento  público.

Revela-se, por essa razão, em particular, de um sentido especial, para nós que acompanhamos pequena parte do processo de construção do livro – processo sempre encantador, mas, no caso deste livro, mais especial, pela responsabilidade e confiança depositados em nós; mais encantador e especial, pelo afeto do escritor com esta Terra e porque, ainda,  fortalece o sistema literário do Piauí - reforça uma nova cultura que vem se reinventando e se consolidando aqui,  a cultura da edição de livros, fortemente alavancada  nos últimos anos com o surgimento de pequenas editoras e com a  intensificação de publicações independentes de todos os matizes.

Começo estas palavras com duas breves divagações, que se impõem como indispensáveis para  comentar resumidamente  o tema do romance.  A primeira dessas divagações, a ligação do autor com o Piauí. A segunda, as reservas literárias que conduziram o escritor a construir um novo e apaixonado percurso como profissional da linguagem.

Saibamos, a princípio, mais sobre o autor de Memorial do ouro. Gilberto de Abreu Sodré Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em 1947. É casado com uma educadora musical e pai de três filhos. Reconhecido como consultor experiente em modelagem organizacional a partir do enfoque jurídico-gerencial. Por 40 anos, foi advogado interno e consultor de grandes corporações, e membro de colegiados de planejamento estratégico e relações com governo, em holdings. Além disso, é acadêmico e autor de diversos artigos e papers de direito empresarial e gestão.   É também Genealogista e historiador voltado para o início do século 18 brasileiro. Publicou dez livros, alguns deles por editoras como a Imago e a Fundação Getúlio Vargas.

A ligação de Gilberto Sodré com o Piauí é antiga, apesar de somente nesta semana, em função das contingências profissionais e da distância física de seu assentamento, ter efetivamente dividido com os piauienses, presencilamente, parte de sua experiência como pesquisador e ficcionista. Suas raízes familiares estão na Barras do Marataoã antiga, onde nasceram os seus avôs e bisavôs pelo lado paterno. Ter em seu DNA um pedaço da gente piauiense o fez sempre um curioso por este Estado, tanto que chegou a escrever livro de genealogia – Os Carvalho de Almeida do Piauí - para buscar o elo afetivo que nutriu ao longo de décadas, pela força do imaginário, com a paisagem humana e social de todos nós.

Esse elo, aliás, refletiu-se inclusive em Memorial do ouro, posto que um dos personagens, apesar de não apresentar relevo principal na obra é Antônio Carvalho de Almeida, português que recebeu sesmaria na localidade Taboca, no hoje município de Esperantina, e de quem descende. Suas pesquisas sobre o Piauí e sua gente reforçaram o seu entendimento sobre o processo de conquista e devassamento do Brasil colonial, com seus valores, métodos e arbirtrariedades.

A busca de suas raízes no Sudeste também o conduziu a entender, analogamente, a interposição dos interesses econômicos e patrimonialistas anulando quaisquer noções de justiça social. Nesse particular, mergulhando em sua origem familiar pelo lado materno, nasceu o seu interesse em pesquisar sobre a Santa Inquisição, a produzir estudos e palestras sobre o tema e, agora, em converter essa história para a ficção.

Essa busca por suas raízes, no Piauí e no Sudeste, formaram parte das reservas literárias que fundamentaram o argumento para Memorial do Ouro. Do contato com documentos, com relatos da memorial oral e do imaginário coletivo, foi-se o autor deixando seduzir pelo tema da Inquisição e pelas nuances que o momento histórico em que se situa o tema fez brotar, a tal ponto que  somente a história já não era mais suficiente para que sua inquietação de escritor se contivesse.

 Assim, nascia, também, uma de suas marcas mais evidentes como ficcionista, também um de seus maiores méritos: a utilização dos recursos literários, para subjetivamente, desemborcar em uma escrita que é também ensaio, testemunho e metaficção, sobre os quais me debruçarei com o vagar e o tempo necessário em breve.

Por meio de João Aveleda, cada um de vocês, encontrará um narrador inquieto em perguntar o sentido de Deus e do Rei, em questionar o sentido do medo, do fingimento e da verdade, da submissão e das artimanhas para se manter imune as cruezas do poder; enfim, dos interesse e valores do Rio de Janeiro e do Piauí, de Minas Gerais,enfim, do Brasil e de Portugal dos séculos XVII e XVIII.

Finalizo essas breves palavras, com trecho de entrevista de Gilberto Sodré, a fim de caracterizar a atmosfera de “medo de fingimento”  e resumir  o sentido de toda a obra:

Esse é o reino em que todos vivemos. Todos nós, nas nossas mentes, nos nossos pensamentos, somos cruéis, preconceituosos. Ao agirmos, somos, por muitas vezes, dissimulados. Nós nos editamos como pessoas aceitáveis, todo o tempo, fazendo maior ou menor força para tanto. Queremos ser vistos como bons, centrados, leais e merecedores; mas só nós sabemos da nossa verdade. Muitas vezes, nem nós mesmos sabemos da nosso verdade, tal a mistura que fazemos entre o que cremos e o que cremos para constar para os outros”.

Conforme já havia mencionado, que este espaço e momento sejam da informalidade e da conversa. Muito Obrigado!


Fonte: Portal Entretextos, do qual Dílson Lages Monteiro é editor.    

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