Preto no branco - moreno brasileiro
Francisco
Miguel de Moura*
Não
me refiro ao preconceito de cor, mas à população brasileira como
um todo, começando pelo Piauí. Se o IBGE usa essas expressões, por
que não podemos usá-las também! São as mais consentâneas com a
verdade, visto que as demais (pardo, caboclo, cafuso, por exemplo)
podem parecer deboches. Sobre este assunto, lembrei-me de certo dia,
lá pela década de 1980, quando estava a ler o jornal “A Tarde”,
de Salvador. No importante diário, deparei-me com a notícia,
para mim até então estúpida, de que, proporcionalmente, o estado
brasileiro onde a população “de cor” é maior não é a Bahia,
como muitos falam, mas o Piauí. Infelizmente não guardei recorte da
matéria. Tal afirmação de que Oeiras, proporcionalmente, tinha
mais negros do que a Bahia (todo baiano chama a sua capital assim),
mesmo proporcionalmente como ele frisava, me deixou “grilado”.
Será
que ele tinha razão? Pegando um compêndio escolar denominado
“Estudos Regionais do Piauí”, de Joselina Lima Pereira
Rodrigues, edição de 2001, leio: “Os povoadores do Piauí
originaram-se dos elementos básicos formadores da raça brasileira:
o branco, o negro e o índio”. Repare o leitor que a professora
escreve expressamente “raça brasileira”, referindo a nossa
população atual. O caldeamento dessas três raças se deu de modos
muito diferentes, aqui e ali, do primeiro ao século atual. É
preciso que a gente se lembre que as terras do Piauí foram as
últimas a serem alcançadas por portugueses: Em 1674, o português
Afonso Mafrense penetra pelos sertões acima do rio São Francisco,
com muito risco, pois os índios, perseguidos pelos senhores de
engenho, aqui se encastelavam. Era o início do desbravamento.
Tenha-se, naturalmente, em conta a dificuldade de chegar-se até onde
fundaram a capital e daí produzir a expansão acontecida, a partir
do centro até o norte e o sul. É preciso também não deixar fugir
da nossa memória – pois que ainda não fugiu da memória escrita,
como atestam historiadores como Odilon Nunes e atualmente Reginaldo
Miranda – que o Piauí é o único estado brasileiro onde todos os
índios foram exterminados, não sobrando nenhum, o que faz lembrar
Canudos, infelizmente. Eis por que nossa mistura com índio é
praticamente nula.
Começando
com o núcleo inicial, como deve ser, não estamos trabalhando com
dados precisos, estatísticos, mas com hipóteses e algumas citações:
“O povoamento inicial do Piauí deu-se com muitas famílias
enviadas do Maranhão e, pouco depois, com 300 brancos criminosos
libertados em Lisboa, além de escravos e índios”. Também o
crescimento de Oeiras foi muito lento. “Criada por Carta Régia de
30-6-1712, em 1730 a vila tinha apenas entre 25 e 30 moradores”,
conforme registra Cláudio Bastos, no “Dicionário Histórico e
Geográfico do Piauí”, editado em 1994. O que existia antes era
apenas uma freguesia sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória,
ligada ao bispado de Pernambuco, a qual foi desligada como vila em
1696, ano em que justamente se comemora o nascimento de Oeiras, nossa
antiga capital. Consta também, em vários historiadores, que a
maioria dos piauienses brancos é originária de sete famílias que
vieram para cá, com o intuito de permanecer, fato notável porque o
comum era virem, enriquecerem e voltarem para Portugal. Parece-me que
elas povoaram do centro do para o sul do nosso estado. E, em minha
opinião e de alguns comentaristas antes de mim, estas famílias de
audazes e fortes portugueses, vindas para cá com armas e bagagens,
foram crescendo e se reproduzindo. Chegamos a pensar que a burguesia
piauiense que domina as várias atividades, ontem a pastoril e
agrícola, hoje a de políticos e administradores, de uma forma ou de
outra descende desses troncos familiares. Eles combateram ferozmente
os indígenas e importaram negros, para o trabalho muito extenso das
fazendas de gado. E ninguém estuda nem fala, mas tivemos a
civilização do couro: porta, mesa, cadeira, roupa e tudo mais que
mais se pudesse e quisesse fazer era feito de couro de boi. Nessa
época, exportávamos gado para o Maranhão, Ceará, Pernambuco,
Bahia, Minas Gerais e quiçá para o sul do país.
Se
fizéssemos uma pesquisa lingüística nos modos e hábitos do
piauiense, certamente encontraríamos indícios e traços do
preconceito, no passado. Mas os tempos e o modo de ser da população
foram mudando, a miscigenação entre brancos e pretos aumentando.
Recentemente veio a Constituição Federal de 1988, que, num dos seus
artigos iniciais, proíbe o preconceito de todos os tipos - nem
precisamos citá-lo. Portanto, pode-se deduzir que quem tem
preconceito não é um ser humano útil, pois pratica um ato dos mais
incongruentes com a vida em sociedade. A partir do conhecimento que
tenho sobre estes assuntos, tanto os históricos quanto os atuais, é
que vejo o desenvolvimento da sociedade brasileira no rumo de um povo
homogeneizado na cor, na linguagem, nos costumes, na sensibilidade e
na doçura, na inteligência e no amor. Tenho observado,
particularmente no Piauí, que a cor morena domina, é maioria. Sou
capaz de apostar que sim. E esta é a cor da “raça brasileira”,
de que falou a professora Joselina Lima Pereira Rodrigues. Para mim,
não tem a inteligência e o coração brasileiros aquele que
interpõe, seja pessoa entidade civil ou governamental, qualquer
obstáculo à tendência da “morenização” do brasileiro. É a
tendência do norte, nordeste, sudeste e centroeste. A região
sul demorará mais a integração de que falamos em virtude do tipo
de imigração recebida, destoante daquela do Brasil colonial e
imperial, porque mais recente. Quem não concorda?
____________________
*Francisco
Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras -
APL-Teresina, PI; membro da União Brasileira de Escritores (SP e PI)
e sócio a IWA - International Writers and Artists Association -
Estados Unidos.
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