quinta-feira, 5 de junho de 2014

Culto ao corpo e à personalidade


Culto ao corpo e à personalidade

José Maria Vasconcelos

          Amarás o Senhor teu Deus, acima de todos e de tudo. Primeiríssimo mandamento, mas o orgulho humano parece não reconhecer os próprios limites ante as forças poderosas que regem o universo. A evolução científica dos tempos modernos vem tentando mascarar a vulnerabilidade humana, física e mental, com exacerbada exploração da autoestima e do poder de abocanhar o mundo.
          A propaganda comercial estabelece um foco comum de serpente sedutora, quando anuncia o produto: felicidade, cliente mais e personalizado, direitos e mais direitos, liberdade total, endeusamento do eu. Observe esse anúncio de bolsas e calçados femininos ostentados por uma bela moça, em página inteira de famosa revista: “Toda mulher tem direito de se libertar de tudo que oprima a liberdade de ir aonde os pés a levaram. Criamos o conforto para você ser você mesma”.
            Robusto bumbum, roliças coxas, rebolados sensuais, frases ocas, pronto, a fruta vira logo celebridade. O culto à mediocridade e ao besteirol, seguido de contratos milionários para eventos festivos, entrevistas e fotos eróticas. Não se trata de filosofia de época, mas de filodoxia descartável. Filodoxia, palavra criada por Platão, significa “amor da glória”, aqueles “amantes da opinião”, em oposição aos “amantes da ciência”dos filósofos. A filodoxia agrada ouvir belas vozes e ver belas cores, mas evita considerar o belo como ser em si, digamos, mais artístico e profundo.
          Egolatria, idolatria, egocentrismo caracterizam a personalidade de muita gente, quase sempre ricos, celebridades, políticos, gestores, artistas e empresários. Dão a alma ao diabo pelo poder econômico ou político, ou adoração a poderosos gurus de alguma ideologia.  Egolatria, o sentimento exagerado de amor a si mesmo. Idolatria, a paixão descontrolada e submissa a alguém de maior força política e celebridade. Egocentrismo, o todo poderoso, egoísta e centralizador dos interesses pessoais. Em tempo de campanha eleitoral, é fácil descobrir os que se encantam com o poder ou se dobram por uma fatia de favorecimentos.
          Culto demasiado à própria personalidade, submissão ao poderoso, o eu como altar das atenções, enfim soberba, “vaidade das vaidades” e subserviência resumem a crônica pobreza de espírito, que abafa a ação de Deus, a causa de infortúnios, depressão e doenças. Excessos de poder e glória já arrastaram celebridades às drogas, conflitos amorosos e ruína moral. Faltou-lhes o exercício da generosidade,  humildade, servir ao próximo, experiência com Deus, da abnegação às idolatrias que regem o mundo.
          Pais precisam, desde cedo, cultivar nos filhos exemplos de grandeza humana, responsabilidade, esforço e mérito, simplicidade de vida mesmo na prosperidade, virtudes cristãs, em vez de instruí-los somente para a competição de poder e exibicionismo social.
          Quando olho as imagens do sistema solar, pelo telescópio Huble, descubro a minúscula Terra, tamanho de um caroço de arroz, a milhões de quilômetros do Sol. Sinto quanto o ser humano ainda precisa saber o sentido de grandeza, arvorando-se senhor de todas as coisas e pessoas. Por aí começa o primeiríssimo mandamento.   

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