Didi, apoiado em sua Belina Cascavel, ao lado de Fátima
Carvalho
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28 de maio Diário Incontínuo
REVISITANDO A VELHA
CASA (II)
Elmar Carvalho
Na visita à velha casa
fiz contato com o Batista e o Didi. O Batista era um dos bons vizinhos de que
já falei. O Didi era uma espécie de “faz-tudo” ou pau para toda obra, que,
brincando, chamávamos de “Bombril”, porque, como essa lã de aço na propaganda,
tinha mil e uma utilidades. Fazia pequenos serviços de eletricidade, de
encanador, de pedreiro, de marcenaria e o que mais surgisse.
Por conseguinte, era um
homem de sete instrumentos, como se diz. Não vou dizer que fosse exímio ou um
mestre em todas essas atividades (e nem isso lhe poderia ser exigido), mas
quebrava um galho muito bem. Portanto, jamais poderia ser considerado um
“mela-mão”, uma vez que ele fazia corretamente os serviços que se metia a
fazer. Era um valente e valoroso polivalente.
Quando fui morar no
residencial Memorare, em meados dos anos 1980, o Didi ainda era um rapazote.
Acompanhou o crescimento de nossos filhos. Tinha acesso a nossas casas. E nunca
ninguém ouviu falar do menor ato que o desabonasse. Ao contrário, sempre
mereceu o nosso respeito e consideração, porque a recíproca era verdadeira, na
mesma intensidade ou até mais.
Nessa casa, talvez eu
tenha logrado minhas mais importantes conquistas intelectuais e literárias, ao
longo dos 25 anos em que nela morei, até me mudar para minha atual residência.
Ali escrevi muitos dos poemas que me são mais caros. Concluí o meu curso de
Direito na Universidade Federal do Piauí, e fui aprovado no exame da OAB-PI,
embora nunca tenha exercido a advocacia, uma vez que o cargo de fiscal da SUNAB
era incompatível com essa atividade. Obtive aprovação no concurso para juiz de
Direito, tendo sido empossado no dia 19 de dezembro de 1997.
Durante os anos em que
estive sob o seu teto, exerci os cargos de presidente da União Brasileira de
Escritores do Piauí (gestão 1988/1990), presidente do Conselho Editorial da
Fundação Cultural Monsenhor Chaves, durante cerca de cinco anos, membro do
Conselho Editorial da UFPI, até quando ingressei na magistratura.
Fui eleito para
integrar diversas Academias de Letras, entre as quais cito a Parnaibana, a
Piripiriense, a Campomaiorense, a do Vale do Longá, a da Magistratura, a
Maçônica, a de Floriano e a Piauiense (APL). Deixei de citar a do Médio
Parnaíba, porque já morava em minha casa atual quando nela fui admitido.
Tornei-me sócio correspondente do Instituto Histórico de Oeiras e do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.
Ao adentrar a velha
casa, senti forte comoção, ao recordar as alegrias e também tristezas que nela
senti; a vida, como todos sabemos, é composta de vários sentimentos, alguns
contraditórios. Nela recebi alguns amigos em reuniões festivas ou de simples
congraçamento. Conosco, em períodos diversos, durante vários meses ou mesmo
anos, moraram irmãos meus e parentes da Fátima. Em 1986 e em 1988 nasceram o
João Miguel e a Elmara Cristina, o primeiro na Maternidade Evangelina Rosa e a
segunda na Clínica e Maternidade Santa Fé.
Durante esse tempo,
formei a minha biblioteca. Muitos livros que tive se perderam com mudanças,
goteiras e também as implacáveis traças e cupins. Quando me mudei para o meu
atual endereço, por absoluta falta de espaço, doei para particulares e para a
Biblioteca Pública de Campo Maior cerca de mil exemplares. Conservei os mais
raros, os reservados para consulta e os que me são mais preciosos, e que ainda
pretendo reler ou ao menos folhear.
São amigos que desejo
permaneçam comigo até eu me dar por velho, quando os doarei para outra
biblioteca pública. Meu filho João Miguel me herdou o gosto pela leitura, mas
só lê os livros que ele próprio adquire, de acordo com o seu interesse e gosto
pessoal, de modo que não lhe legarei meus sábios e queridos alfarrábios.
Vi o quintal, o
cajueiro, os acréscimos ou benfeitorias que fiz, inclusive a suíte sobre o
térreo, em cujo compartimento contíguo instalei parte dos meus livros.
Emocionei-me ao ver as estantes vazias, os cômodos desabitados, desguarnecidos
de móveis e silenciosos. Recordei-me do soneto Visita à casa paterna, de Luís
Guimarães Jr. E não pude deixar de me lembrar de meus próprios versos, evocativos
de outra casa, entre as várias que habitei, mas que talvez só tenha existido
efetivamente em minha saudade:
“Ai, casa dolorosa / de
infinitas recordações / do não acontecido e /do não vivido. / Casa que não
existiu / mas que permanece de pé / em minha lembrança (...) A casa sempre
persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que
repercutem / insistentemente como eco.”
Há tanto tempo
ResponderExcluirDeixei Campo Maior
Parti chorando
Chorando de saudades
Da Rua São Luis
Da casa que eu morei
Da Rua que eu
Tanto vaguei outrora
Deixei meus passos
E meu olhar perdido
Na esquina da Nêga.
Quatro décadas
Se passaram
E eu voltei
Vejo que a casa
Envelheceu e eu.
Ficaram nas paredes
As poeiras do tempo
E um profundo
Silêncio!
horácio lima, radicado em SP.
Abraço caro Elmar Carvalho, grato pelo espaço.
Coisas assim nunca esquecemos. Isso é inerente, sobretudo, aqueles pessoas em que o afeto pelas coisas e pelas pessoas aflora, como acontece com os poetas.
ResponderExcluirPreciso encontrar a primeira parte desta crônica.
Lendo os textos acima, lembrei-me, com emoção, do casarão do meu saudoso e autodidata avô materno Edison Rebelo de Carvalho: - daquele ar de imponência, das largas paredes, do teto feito da mais resistente carnaúba esperantinense, do cheiro do envelhecido, contudo, revigorante e reconfortante. E, deste modo, os pensamentos e lembranças brotam, por vezes, de inopino.
ResponderExcluirAliás, para quem passou a maior parte da infância correndo e conhecendo cada fenda de seus paredões, - ainda que a grande morada seja destruída pela poderosa seiva da especulação imobiliária e do “desenvolvimento”-, sempre a guardará no refúgio do espírito. É o eterno retorno.
Fabrício Carvalho Amorim Leite
Ótimos comentários, que enriquecem o nosso blog e o texto.
ResponderExcluirCaro JP a primeira parte está abaixo da segunda, em postagem da semana anterior.
Abraço,
Elmar