Charge: Fernando di Castro |
Penalidade máxima
Pádua Santos
O saudoso desportista Gilberto
Escórcio, a despeito de sua naturalidade em Buriti dos Lopes, considerava-se
verdadeiro parnaibano, não somente por ter chegado a Parnaíba na década de
trinta, com menos de vinte anos, e não mais regressado; mas também porque já
quase havia esquecido seu torrão natal. E agora, ao seguir à eternidade, depois
de longa existência profícua, justifica-se sua devoção: “Eu não podia continuar
morando, gostando e sempre lembrando uma cidade que não tivesse um bom time de
futebol para torcer”. – Foi o que dele ouvi, certa feita.
O que trouxe o desportista para
mais próximo do litoral piauiense foi o mesmo tema que lhe fazia esquecer,
pouco a pouco, a terra onde nasceu: o Parnahyba Sport Club – time sobre o qual
não se cansava de afirmar já haver conquistado o título de campeão piauiense
por mais de uma dezena de vezes.
E ao tecer comentários sobre este
escrete de sua paixão, não esquecia figuras que honraram sua camisa azul e
branca, da cor do céu, como costuma dizer: Raimundo Boi, Zezé Boi e Mário Boi –
boiada que atuou, por muito tempo, na difícil função de goleiro, ao lado de
outros, de outras posições, mas também de esquisitos apelidos, dentre os quais,
citava de modo pouco empolado, como era do seu estilo: Babá, Bibita, Bido,
Bigu, Bilé, Bilu, Bonitinho, Boré, Craveiro, Cabaça, Cafuringa, Cangalha,
Careca, Carlinhos, Camurupim, China, Cipó Colibri, Dandão, Damisson Peru,
Esquerdinha, Fefé, Formiga, Gringo, Ição, Laupe, Leiteirinho, Lelé, Lili,
Maurício Pantera, Mica, Nado, Netinho, Nena, Pombo, Palanqueta, Pantica,
Parabela, Pila, Pitá, Pitanga, Pica-pau, Puxa, Puxinha, Quinha, Radiê, Sabará,
Sargento do Tiro de Guerra, Sibiraba, Tamatião, Vicente Rasga, Xixinó e Zé
Pirró, sendo que todas estas esquisitices arrematava o apaixonado - jogavam
pensando muito mais na vitória de sua agremiação do que no dinheiro - elemento
predominante na mente dos jogadores de hoje.
Contava também o Gilberto, nos
bancos da Praça da Graça, não se lembrar de jogadores tatuados (como a quase
totalidade dos atuais) no seu tempo de atuação nos estádios - locais hoje mais
conhecidos por arenas. E justificava: “as tatuagens não eram aceitas porque
alguns juristas da época entendiam e ensinavam que as tatuagens eram próprias
de elementos de mau caráter, e os nossos atletas, pessoas de bem, sabendo
disto, não queriam ser assim classificados”.
E para animar a conversa, certo
dia o futebolista Gilberto aproveitou o início da Copa do Mundo de 2014, quando
latejava na cabeça de todo torcedor brasileiro a lembrança do problemático
pênalti ocorrido no jogo que marcou a abertura do certame, ocorrido entre
Brasil e Croácia, para rememorar um fato do passado glorioso deste time do seu
coração. Os seus ouvintes - aqueles que sempre lhe consideraram, quer como
homem intimamente ligado à educação parnaibana, quer como ferrenho torcedor e
exemplar ex-diretor desta vetusta agremiação fundada em 01 de maio de 1913 –
ouviram atenciosos e em silêncio, e eu no meio, o curioso imbróglio que também
envolve um pênalti.
A história é antiga e aconteceu -
descreveu com detalhes o narrador, dando provas de que sua mente de quase um
século ainda não havia se tronado bruxuleante pela idade - no dia em que
acontecia um jogo entre o Parnahyba Sport Club e o Tuna Luso de Belém do Pará,
no estádio que hoje é do Parnahyba. Mal começou o espetáculo e lá vai o árbitro
marcando um pênalti em favor do time da casa. Os visitantes, não concordando
com a marcação daquela falta, formaram logo um grupo: jogadores, técnico,
auxiliares e massagista e decidiram que não mais continuariam com a peleja. A
torcida começou a protestar e eles, acuados em um canto do gramado, afirmaram
que já estavam de saída para o Hotel Central, onde foram hospedados. Neste
momento desceu ao gramado o Capitão Benedito Alves da Luz, que além de
Presidente de Honra da agremiação parnaibana era, também, o Comandante da
briosa Polícia Militar, para dizer ao representante da agremiação paraense que
ele, na qualidade de chefe da milícia, tinha também um bom hotel para hospedar
atrevidos. E que este hotel chamava-se Arsenal.
E finalizou o decente esportista
dizendo que depois de pouca conversa o jogo recomeçou; ficou tudo bem; deu um
empate; a renda foi dividida entre os dois times e os paraenses, ao sair da
cidade, puderam ver através da janela do ônibus que os transportava, o hotel que
fora prometido pelo comandante. Tinha realmente o nome de “Arsenal”. Foi
construído para servir de depósito para as armas e munições da Polícia Militar,
mas já servia, como serviu por muito tempo, como penitenciária onde se
amontoavam criminosos de todas as espécies, os judicialmente condenados e
também aqueles que aguardavam julgamento, cumprindo, indistintamente e por
falta de outro lugar, a inconveniente e sempre inservível penalidade máxima.
*Crônica de Pádua Santos – APAL – Cadeira nº
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